Enquanto caminhamos para os momentos finais de 2023, eu começo a refletir cada vez mais e mais sobre os diversos eventos que ocorreram comigo ao longo do ano. Se pudesse sumarizá-los em uma frase, ela seria “adequar às suas expectativas”. Enfatizo o termo “adequar”, pois não quero que ele signifique “reduzir”. Esta frase vem repercutindo na minha mente por várias situações, mais recentemente ao revisitar “Humankind” com a atualização “Bonny” lançada em meados de setembro.
Muitos torceram, e continuam a torcer o nariz para a proposta de “Humankind” e a forma como ela foi implementada. Eu estou, em partes, neste grupo. Por mais que a Amplitude Studios tenha tentado de todas as formas possíveis acender a chama de “sua civilização irá prosperar e absorver atributos de outras civilizações”, ela nunca atingiu o ponto certo. “Humankind” continua a ter o gosto de “jogar com uma civilização e, quem sabe, trocar para outra na próxima era”.
Quando eu decidi cobrir a atualização, eu já não estava mais com a expectativa de que esse sistema fosse solucionado. Eu mesmo tinha apontado no lançamento do DLC “Culturas da África” que a melhor forma de aproveitá-lo é com as partidas no modo mais longo possível, já que só assim você pode “saborear” o que cada civilização tem a oferecer. Em partes, acredito que a própria Amplitude deu essa área como “refinada da melhor maneira possível dentro do nosso escopo”, e partiu para outras áreas tão críticas quanto de “Humankind”.
Também no texto do “Culturas da África” mencionei como eu estava começando a gostar do sistema de fama — uma decisão relativamente controversa da Amplitude, já que é um conceito mais encontrado em jogos de tabuleiro do que em jogos “4X” tradicionais.. A questão é: “Humankind” nunca foi um 4X tradicional — ninguém iria olhar para um jogo como “At the Gates” de “Jon Shafer” e dizer que ele é um 4X tradicional, e o mesmo se aplica a Humankind. As culturas da Oceania só reforçam ainda mais essa temática.
Pergunte para alguém que joga um 4X sobre qual mecânica essa pessoa acha mais insalubre e a maioria vai responder “navegação”, com “espionagem” ficando em segundo lugar. Creio que seja pouco provável que a Amplitude solucione a espionagem de “Humankind” — introduzida em Together We Rule —, mas ao menos o sistema de navegação recebeu impressionantes melhorias com a atualização “Bonny”.
A quantidade de turnos necessários para chegar do ponto “A” ao ponto “B” de um mapa foi drasticamente reduzido. Unidades navais finalmente receberam a opção de retaliar contra outras unidades navais e o campo de batalha em oceanos também teve sua área consideravelmente aumentada.
Jogar com a Polinésia, uma das novas adições do pacote “Culturas da Oceania”, foi o mais puro deleite. A flexibilidade de “Humankind” faz com que até mecânicas “negativas” — como a possibilidade das unidades navais ficarem perdidas no mar — se tornem positivas dentro de contextos específicos. No caso da Polinésia, tais unidades ganham +50% de movimento, um aumento notável e que nem todo outro 4X seria capaz de fazer.
Mesmo quem optar por não jogar com a Polinésia por preferir o militarismo dos Maori vai se beneficiar das mudanças com a unidade Waka Taua, que ignora penalidades de batalhar em oceanos. Não vou adentrar a fundo nas outras civilizações inclusas no pacote “Culturas da Oceania” já que não é o principal foco do texto.
Com “pequenas” alterações , explorar em “Humankind” ficou muito mais divertido e prazeroso — seja em early, mid ou até late game. No caso do late game, a exploração é para encontrar o seu próximo alvo para atacar ou — o melhor de tudo — saquear recursos de uma rota comercial.
“Saquear rotas comerciais”, você se pergunta? Pois bem, em uma alteração inesperada, a Amplitude fez uma gigantesca repaginação do sistema de comércio de “Humankind”. Recursos estratégicos e logísticos agora são entregues para a sua cidade por meio de rotas comerciais, enquanto as rotas internacionais conectam primariamente as capitais da sua civilização.
Acabou a era de recursos aparecendo magicamente na sua cidade a partir do mid game, acabou a era onde você não tinha “o que fazer” ou “o que ajustar” e apertar enter para cada turno passar o mais rápido possível.
Essa era uma mecânica que devia estar em “Humankind” desde o lançamento, mas os planos da Amplitude para rotas comerciais eram ambiciosos demais. O sistema de comércio internacional ainda dá um show em comparação com outros “4X” que não são de nicho como Star Ruler 2, mas a introdução de um sistema que além de ser em partes automatizado também traz oportunidades para outras civilizações te atacarem em território “neutro” revigora — e muito — o game.
É mais um ajuste que tem um efeito dominó imenso. As relações com outras civilizações agora estão mais importantes do que nunca por conta das rotas comerciais, espionagem ganhou com isso um pouco mais de importância, e os motivos para entrarem em guerra triplicaram. Afinal, a batalha por recursos naturais entre diferentes países não poderia ser um tema mais constante na história da humanidade, não é mesmo?
Desta vez irei poupá-los do meu parágrafo imenso sobre os novos sistemas de visualização de comércio em “Humankind”. Se você conhece uma coisa da “Amplitude”, é que ela faz boas interfaces, e a do 4X só melhorou com cada atualização. A atualização “Bonny” só continua essa tendência.
No fim, essa ainda é a grande magia de “Humankind” para mim: são os pequenos detalhes que o elevam para ser um jogo “mais do que a média”, para não ser uma cópia de Civilization VI, mas também não vai ser aquele que o irá destruí-lo.
Abro até um adendo sobre o tema citado acima. Por que destruir um jogo tão “tradicional”? Eu nunca entendi o desejo de comunidades de que um “clássico” suma. “Civilization” dominou o espaço 4X justamente por conta do seu tradicionalismo, e não por conta de sua inovação constante.
É a mesma coisa esperar que “Age of Empires IV” tirasse o trono de “Age of Empires II”. Um jogo se torna um “clássico” por diversos motivos. Alguns estabelece pilares de um gênero, outros inovam esse nesse meio tempo outros tantos — muitas vezes esquecidos pela mídia por não irem além de uma métrica de “qualidade” arbitrária — tentam encontrar novos meios de fazer com que um gênero ou subgênero evolua.
Os anos se passaram e cada vez mais outros jogos se distanciam de “Civilization”. A própria crítica da “inércia” de Civilization em pleno 2023 é algo batido, ainda mais quando temos “Humankind”, “Old World” e o possível “Millennia”, que é outro título promissor. Isso que estou me limitando a jogos que tenham o mínimo de “semelhança” com os temas, pois se não só este ano já temos “Shadow of the Forbidden Gods”, “Dust Fleet” e uma lista que nem vale a pena listar dado o quão grande a comunidade “4X” é hoje em dia. Céus, se você quer um jogo rápido, jogue “Battle of Polytopia”!
Reclamações gigantes sobre o gênero e a comunidade “4X” aparte, o que me deixou bastante surpreso foi completar uma partida de “Humankind” após a atualização Bonny e o DLC de culturas da Oceania e pensar “Bom, eu já fiz essa conquista, mas e se eu tentasse aumentar o máximo de fama durante um período específico e tentar completar a campanha mais rápido”? Quem diria, alguém que no passado detestou o sistema de fama de “Humankind” agora abraçando-o como uma das suas peculiaridades mais deliciosas.
Esse mérito é todo da “Amplitude”, que ao longo de todo esse tempo ajustou valores da pontuação de fama, adicionou nuances e recheou “Humankind” com novas formas de obtê-la sem ir pelas vias de “sempre” que eu vi no seu lançamento. Ouso dizer que mais jogos deveriam utilizar esse sistema ou ao menos, entendê-lo e criar variações para enriquecer os jogos 4X.
Eu observo que, desde o anúncio, eu apostei muitas fichas em “Humankind”, e cada vez que ele não atendia às minhas expectativas, eu ficava cada vez mais decepcionado… ao invés de olhar para as partes dele que funcionam, que inovam ou que podem ser usadas por outros desenvolvedores — até mesmo a própria “Amplitude” no futuro — para refinar uma possível sequência ou dar continuidade à franquia Endless.
Precisei sentar e jogá-lo mais uma vez para adequar as minhas expectativas? Sim, mas teria me arrependido demais se não tivesse dado outra oportunidade a ele e apenas o engavetado como “mais um jogo que não deu certo” na minha biblioteca.
Em pleno 2023, já está mais do que claro para mim que “Humankind” não vai ser o jogo que me foi prometido no início. Não escrevo isso de uma forma triste, muito pelo contrário. Às vezes é preciso tomar um tombo feio para aprender a se reerguer, e eu nem diria que “Humankind” foi de fato um acidente para a Amplitude. No seu pior, é um jogo que não atendeu às expectativas de muitos; no melhor, uma joia bruta que ainda merece, no mínimo, respeito por ter tentado quebrar os moldes do que eram jogos “4X”.
Eu ainda prefiro ter um jogo bruto, com arestas e defeitos — muitos defeitos — do que mais uma mera cópia de “Civilization” em minhas mãos.