Dois jogos separados por três anos. Ambos com sistemas opostos, e provavelmente o resultado de diversas iterações. A semelhança? Seu desenvolvedor — Terri Vellmann — excelentes trilhas sonoras e um apreço pela psicodelia, o oculto e o bizarro. Heavy Bullets e High Hell são incrivelmente diferentes, mas, ao mesmo tempo um interessante caso de como gerar pressão no jogador.
Lançado em 2014, Heavy Bullets compartilhou o ano de “roguelikes” com outros nomes como Tower of Guns, Ziggurat, dentre outros que fizeram algum “burburinho” na comunidade. Destes, apenas o jogo de Terri me vem à mente. Por que? Pelo insano conceito. O jogador começa com seis balas, cada vez que dispara no inimigo é necessário andar até ele para recuperar a munição. O mesmo vale para atirar no cenário; a bala aqui é um elemento tátil, não apenas um contador.
Também não deve ser tratada puramente com munição, pois o conceito “munição” dentro de um jogo costuma a vir aos montes. Em Heavy Bullets? Balas são a sua salvação, sua moeda de troca. Eu me agarrava nelas na mesma intensidade que me agarrava nos poucos corações de vida que tinha em cada andar. Quando um ou outro acabassem eu estava fadado a morte.
Já High Hell, o recém lançado projeto de Vellmann segue um caminho contrário. Estruturado por missões com objetivos primários e secundários, é um game que pede para ser jogado em uma sentada. Não é à toa que sua duração chega ao máximo de uma hora / uma hora e meia. O conceito de munição não existe em seu mundo. Agora inimigos? Esses vêm de montão. Um chute na porta, dois, três disparos. Depois disso, dos dois, um: ou você ou os inimigos estão mortos. Teoricamente uma receita para cautela se não fosse dois elementos: O tempo que você gasta em uma fase, assim como a sua precisão, resultam em uma pontuação maior ou menor.
O intuito aqui não é delinear as diferenças entre os games. O gênero (um roguelike, o outro um intenso shooter com 20 missões. Um expansivo e longo e o outro compacto e intenso) já basta. O que quero é apresentar como um desenvolvedor, no caso, Vellmann, navega o jogador pelo cenário e — consequentemente — ao perigo. Também é um raro caso de ter um mesmo designer para dois jogos e mesmo que este sejam frutos de iterações (recomendo dar uma olhada no Tumblr de Terri Vellmann para conhecer alguns protótipos), compartilham de certos traços. Vale apontar que o texto é uma interpretação minha das mecânicas e não necessariamente reflete o processo feito por Vellmann.
Uma fase de Heavy Bullets tipicamente se inicia em uma sala segura seguida de um ou dois corredores para uma sala maior com os primeiros inimigos. Assim que se dispara em um inimigo, a bala então fica “alojada” nele ou ricocheteada caso não seja acertado. Nesse ponto o jogo já te tira da zona de conforto; ou você se põe frente ao perigo para recuperar aquela bala, ou você usa o restante das balas que ainda possui. A primeira opção tende a se tornar uma tarefa ainda mais ousada na medida em que avança de fases.
Sem perceber, você começa a então se enfiar no meio dessas salas-armadilha para recuperar as balas, pois raramente o jogo te dá dinheiro suficiente para comprar balas extras e a sensação de insegurança por não ter essas balas causa desconforto.
Nota-se então um sistema de pressão enraizado na própria estrutura do jogo. Sem ele, Heavy Bullets não existiria ou seria fácil demais ou teria um tom completamente diferente. Outro jogo que faz isso de maneira parecida é Eldritch (David Pittmann / Minor Key Games), onde o jogador tem de trocar dinheiro pelos inimigos. Dinheiro, assim como as balas de Heavy Bullets, é algo raro de se encontrar em Eldritch. Para isso o jogador precisa fazer uma escolha — se ele vasculhar os corpos dos inimigos, provavelmente achará dinheiros ou itens, mas garantirá que o inimigo reapareça em outro local do mapa. Caso não o faça, pode ficar desproporcionalmente fraco para as próximas fases.
Paralelamente, tanto o game de Pittmann como o de Vellmann tem essa cultura de posicionar o jogador em situações bem próximas à morte. Dado a isso, ou você se adequa a elas, ou provavelmente não vai gostar do jogo.
Em contrapartida, High Hell também oferece o elemento de pressão, mas de foma uma sutil, que amplia o escopo e a facilita para a entrada de novos jogadores. Eu posso tomar duas rotas principais em um mapa de High Hell: andar com cautela e procurar inimigos, ou sair chutando portas e disparando adoidado. Independentemente do rumo que segui, o resultado é o mesmo: completar o objetivo e terminar a fase.
Não quero que haja pressão para cima de mim? Sem problema, agacho, vou com calma, me esgueiro pelos cenários, elimino os inimigos de longe, termino o game. Minha pontuação na tabela de liderança, porém, estará longe do primeiro lugar.
Ao finalizar uma fase de High Hell, dou de cara com um painel de pontuação muito parecido com o de um arcade. Primeiro há o fator de tempo, segundo o de precisão, seguidos por quantidade de inimigos eliminados, segredos encontrados, etc.
Ele pode ser um componente opcional, ou seja, não impede que o jogo seja completado, mas quem decidir melhorar os seus pontos, verá que o jogo é tão quanto — se não mais — impiedoso que Heavy Bullets.
Se eu quero completar no menor tempo possível uma fase, eu vou ter que — como em Heavy Bullets — me enfiar em áreas perigosas e ter certeza que os tiros que disparar vão acertar o inimigo. Terei de traçar rotas, repetir fases, aprimorar a minha habilidade. Por consequência, High Hell é o típico jogo que muitos usam termos como “fácil de jogar, difícil de ficar expert”, ou parecidos.
Para fins de tentar (desastrosamente) chegar entre os 15 melhores da primeira fase tive que a repetir ao menos 30 vezes. Se o conceito de morrer-renascer de um roguelike não está presente em High Hell, a repetição vem de outras formas e totalmente opcional.
E o que é o mais interessante de tudo: os dois jogos me colocaram em situações opostas — a lentidão e cautela contra a velocidade e precisão — mas que trouxeram à tona a sensação de desespero. Uma enraizada na forma que um jogo foi criado, a outra, criada a partir de uma decisão que tomei em me aperfeiçoar.
Eu não tenho como intuito que esse artigo funcione como meios para um fim, mas sim uma análise breve sobre como gerar pressão no jogador pode vir de diferentes formas, e se tornar opcional ou não. É um tópico extremamente vasto, mas que dentro do microcosmo das criações de Vellmann, mostram um desenvolvedor que vai de uma rigidez em sua estrutura, para a modularidade. E, quem sabe, não te faz pensar um pouco sobre como seus jogos favoritos exercem essa pressão em você.
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