“Por incrível que pareça, nós sequer sabíamos da existência de Shattered Horizon antes de começarmos a trabalhar em nosso projeto”, me disse Frank Mingbo Li, diretor e CEO da Surgical Scalpels – a equipe chinesa que está por trás de Boundary, um shooter ambientado em gravidade zero. Não me surpreendi. Shattered Horizon, desenvolvido pela Futuremark, foi um jogo além do seu tempo — com gráficos de ponta que fazia com que até as melhores placas de vídeo sofressem para rodá-lo. Com mecânicas complexas e uma empresa pouco experiente no ramo de jogos, ele agora vive apenas na memória dos fãs já que não está mais à venda.
Ao contrário da tentativa de reinventar a roda como a Futuremark fez, Project Boundary se foca também nos consoles e ficar mais próximo dos shooters atuais – mais especificamente Call of Duty e seus derivados – mas sem perder algo que tente destacá-lo da concorrência “O importante para nós era garantir não só que houvesse bastante verticalidade nos mapas, mas que o conceito de poder se mover em qualquer direção que desejar seja algo bastante usado pelos jogadores”.
Para que isso se torne realidade, Boundary deixa de lado o tradicional 6vs6 para partidas 5vs5. Um número mais próximo de MOBAs, umas das influências do projeto, e tenta ser o mais “realista possível” com o uso de jetpacks. Aplique potência demais e o impulso poderá fazer com que você perca o controle e saia do mapa. Todavia, a desenvolvedora não entrou em detalhes sobre o estabelecimento de limite de áreas do mapa ou alguma mecânica para evitar que isso vire um ponto de frustração. A única certeza é que vai ser um dos pontos onde habilidade vai falar mais alto do que tudo.
No momento a Surgical Scalpels está focada em expandir o conceito de ambientes destrutíveis. No vídeo abaixo você pode notar que pedaços da estação espacial, um dos mapas que estará presente na versão final, são arrancados com os disparos. Mas esses ainda são os primeiros passos. “Um sistema mais complexo do que esse está nos planos, mas ainda não temos ele em desenvolvimento e acreditamos que vá levar mais um tempo do que gostaríamos para implantá-lo”, completou Li.
Outro ponto que levanta a minha curiosidade é a união do DNA de MOBAs com a adrenalina de algo como Call of Duty. Vídeos ou imagens mostram um shooter tradicional, mas os nuances ficam mais visíveis nos EMUS – nome dado aos jetpacks e traje espacial usado pelos personagens. EMUS mais pesados são capazes de absorver mais dano em troca de um aumento na defesa. Já os mais leves te deixam ágil, mas também mais frágil.
Independentemente do estilo que o jogador preferir, um dano crítico ainda vai fazer com que você lute para manter o controle do traje. Um conceito interessante, mas que a própria desenvolvedora confessa que ainda está nos estágios iniciais da implementação. “As classes que serão lançadas com Boundary vão ser um tanto ‘conservadoras’ por assim dizer. Assim que vermos a reação da comunidade, e expandirmos o sistema de combate e mapas, veremos como alterar o metagame e aumentar essa distinção”.
Um dos exemplos desse feedback dos jogadores surgiu logo após a Gamescom deste ano. “A versão que levamos para o evento carecia de um sistema de radar. Notamos que aqueles que jogaram ficaram muito perdidos em relação aos eixos e a localização de objetivos – mesmo que eles estivessem visíveis na tela. A versão interna de desenvolvimento agora inclui um radar robusto”, explicou Li.
A Surgical Scalpels também promete a típica progressão e sistema de desbloqueios de itens que melhorem os EMUS e as armas. Dos itens já confirmados estão diferentes tipos de munição – Armor Piercing (AP, focadas em penetrar armaduras) ou High Explosive (HE, úteis para causar microexplosões) ou munições de pulso eletromagnético. Já para os modos de jogo estão listados Team Deathmatch, Free For All, Facility e Orbital Purge. Infelizmente a desenvolvedora não quis entrar em detalhes sobre o funcionamento do Orbital Purge, enquanto o Facility funciona de maneira similar ao modo “captura de pontos” como o Domination de Call of Duty.
Previsto para o primeiro trimestre 2020 no PlayStation 4 e depois para Xbox One e PC, Boundary soa interessante em variadas frentes. Primeiro por ser um dos pouquíssimos jogos em recente memória que tenta “recriar” o conceito de combate em gravidade zero. A física tradicional que vemos em shooters não se aplica no espaço, o que vai tornar os confrontos ainda mais intensos.
Minha preocupação é a mesma que cai nos ombros de tantos outros jogos de tiro em primeira pessoa que aparecem todo ano no mercado: será diferente o suficiente para chamar a atenção? A minha esperança fica para que a desenvolvedora não se apoie demais nesse DNA de MOBAs. Games como Rainbow Six: Siege e Overwatch já fazem isso aos montes e consequentemente dominam a sua fatia do mercado.
O que eu espero ver no futuro de Boundary é um sistema de classes que realmente valha a pena investir tempo e habilidade. EMUs variadas onde um jogador consiga se especializar em tomar pontos do oponente, criar ou defender zonas de controle — os exemplos dados dos diferentes tipos de munição, a meu ver, já é um ótimo caminho para uma bela distinção de classes. Além do que, o número reduzido de jogadores vai requerer um trabalho em equipe, ainda mais em um jogo com mapas tão abertos.
Uma das minhas memórias mais marcantes de Shattered Horizon é a sensação de solidão. Às vezes precisava defender um ponto sozinho, tinha meu equipamento que “replicava” o áudio danificado e não conseguia ouvir nada além da minha respiração. Tinha de decifrar de onde vinha o inimigo, como eu ia fazer para derrotá-lo. Era um jogo sobre táticas e zonas de controle que eu até então não vi ser replicado. Que Boundary consiga isso e estabelecer uma comunidade – mesmo que seja um nicho – já vai ser mais evolucionário do que muitos shooters que vejo todo ano.