Eu lembro que a primeira vez que vi um trailer de Eve: Valkyrie logo pensei “Pronto, é isso que vai me fazer comprar um headset de realidade virtual”. Pouco mais de um ano após seu lançamento e não tenho um, mas o jogo graças a atualização Warzone, que remove tal necessidade e agora deixa que nós, “meros mortais”, ter um gostinho do que é participar dessas batalhas espaciais.
Ambientado no mesmo universo de EVE Online e jogado em primeira pessoa, EVE: Valkyrie é composto de uma pequena parcela de modo um jogador e primariamente focado em partidas PVP. O jogador assume o controle de um piloto clonado, que, por meio de suas memórias, relembra feitos e batalhas que ocorreram no universo de EVE.
Apesar das missões para um jogador serem o principal motivo de eu ter me interessado pelo game, fiquei de início decepcionado ao perceber o impacto da mudança para o PVP que começou de setembro do ano passado; mais mapas, naves, desafios semanais e menos missões. “A última coisa que eu preciso na minha vida é mais um jogo competitivo onde eu não vou ter tempo para entender os nuances.”, pensei. Porém, não tardou para perceber que Eve: Valkyrie não seguia este caminho.
Nem tão distante de games que definiram o gênero, como X-Wing / Wing Commander, mas também não tão voltado para uma ação cheia de manobras pitorescas como House of the Dying Sun, Eve: Valkyrie se aloja em um meio termo de nostalgia e ao mesmo tempo familiaridade.
Uma das coisas que mais me saltou aos olhos enquanto jogava foram os mapas e a versatilidades das naves. É comum que jogos competitivos tenham mapas relativamente mais fáceis de serem entendidos visualmente. EVE: Valkyrie? Ele não, ele te joga no meio de um campo de asteroides, estações de refinamento de minério, destroços de batalhas passadas; a receita perfeita para ficar completamente perdido, certo? Pois é, o contrário aconteceu; meus objetivos eram bem delineados no mapa, sabia para onde e como seguir. Na verdade, dizer que aproveitei da minha experiência em shooters — como Battlefield ou Call of Duty — em EVE: Valkyrie não seria mentira.
Esse é um ponto que sempre me pego incomodado em jogos ambientados no espaço, ainda mais após a onda de sucesso de Elite: Dangerous ou o eternamente-em-desenvolvimento Star Citizen. Não existem games recentes que sejam acessíveis ao público sem que eles sejam extremamente de nicho, requerem um manche, ou utilizam mecânicas extras que não estão necessariamente ligadas ao combate em si.
Claro que temos Space Pirates and Zombies 2, Void Destroyer 2 e mais recentemente Everspace, mas cada um deles tem um foco um pouco mais afastado do que “sentar na cadeira, destruir umas navinhas e relaxar”. Destes, só House of the Dying Sun merece destaque pelo foco no combate e em missões extremamente bem desenvolvidas. Entrava no matchmaking de EVE: Valkyrie, jogava umas partidas, me sentia satisfeito e quando percebia, três horas já haviam se passado. A fluidez dos mapas havia me encantado, a forma como eu sabia facilmente para onde ir e não me estressava.
Quando não era isso, eu estava encantado com o aspecto visual e, principalmente, sonoro de EVE: Valkyrie. É um jogo que tinha tudo para ser confuso dado a ambientação, partidas com uma enormidade de cores, tons, alertas que facilmente sobrecarregariam o jogador. Era como que (se) cada som fosse precisamente posicionado para que eu não me sentisse em desespero; sempre no controle da minha nave e, consequentemente, da situação.
Em um ano onde PUBG toma a frente como um dos jogos mais jogados, Rainbow Six Siege ainda permanece no topo junto com Overwatch, me sinto cada vez mais distante de opções que me deixem apenas participar de um jogo multiplayer sem esquentar tanto a cabeça. Nessas horas que me volto para Rising Storm 2: Vietnam e umas partidas de Quake Champions. Independentemente do meu resultado, vi que contribuí de alguma forma para a partida.
Isto é especialmente visível no jogo da CCP Newcastle. Com 13 naves separadas por classes distintas, eu me sinto à vontade de entrar em um modo de captura como uma nave de suporte, curar meus aliados e leva-los a vitória sem ter de lidar com uma imensa comunidade tóxica ou reclamarem da minha “habilidade”. Quando não era isso, escolhia uma nave mais poderosa, quase como um “tank” para aguentar o máximo de dano enquanto o restante da equipe capturava objetivos. Isso sem dizer uma palavra. Não era necessário, todos ali sabíamos nossas tarefas.
É uma estranha sensação de “pureza” em como foi construído e que, muitas vezes, é esquecida com tantos sistemas de progressão (ainda que presentes, mas bem mais brando quando comparado com outros games multiplayer), metagame e superficialidades que pouco me interessam.
No entanto, não posso negar que as raízes de um game de realidade virtual ainda estão aparentes em EVE: Valkyrie. O menu é mal intuitivo, não é possível olhar para os lados dentro da nave — o que coloca qualquer jogador fora de realidade virtual em uma ligeira desvantagem — e o controle de mouse e teclado ainda sofre de problemas de aceleração e imprecisão.
Mas, o que a CCP Newcastle faz para melhorar estes aspectos? E como foi exatamente o processo de desenvolvimento de mapas para que eles não sobrecarregassem o jogador de informações? Conversamos com Andrew Willians, Designer chefe de EVE: Valkyrie sobre o atual estado do game e o que o futuro nos aguarda.
Lucas: Uma das áreas que mais me impressionou foi o design de som, a noção de que você está de fato dentro de uma espaçonave. Há uma sensação distinta de impacto e posicionamento que eu creio que seja crucial tanto fora e dentro de um ambiente de realidade virtual. A equipe trabalhou em alguma solução proprietária ou, como foi feita a mixagem de áudio?
Willians: Essa questão é melhor respondida pelo designer de áudio, Jonathan McCavish. McCavish: Sim, o som de elementos como armas, propulsores e impactos (sons internos do cockpit da nave) usam um sistema proprietário da Oculus no PC e o SCE Audio 3D Object Panner no PlayStation 4. Ambos são plugins de audio binaurais.
[é importante notar que um áudio binaural é diferente do que conhecemos como Stereo. No áudio Binaural, ou Audio 3D como também pode ser encontrado, os sons são reproduzidos para criar uma sensação de ambiente, como se os efeitos sonoros estão (estivessem) ao redor do ouvinte. Um recente exemplo disso também é o game Hellblade: Senua’s Sacrifice. Você pode ouvir um exemplo de som binaural aqui. –ed]
Tendemos a colocar efeitos especiais nas posições mais lógicas da nave. Armas, por exemplo, são predominantemente ouvidas do ponto o qual elas são disparadas. Os sons dos propulsores são colocados diretamente atrás do jogador, enquanto os alertas emitidos pelo display ficam na frente do jogador. Já os impactos tendem a ser ativados a aproximadamente no ponto que você foi atingido.
Esses sons são mono, mas ao serem reproduzidos em uma frequência específica do plugin binaural, fazem com que o jogador acredite que o som esteja acima ou abaixo deles. Consequentemente, no caso de realidade virtual, esses sons ficam ainda mais críveis ao jogador mover a cabeça. Por isso que sons binaurais são um bom candidato para jogos em realidade virtual.
Já quando jogado sem realidade virtual, o posicionamento dos sons em volta do jogador ajuda também na imersão e também é útil para quem usa sistemas surround. Tipicamente tentamos colocar o máximo de sons pelo plugin do que apenas reproduzi-los em stereo ou sem ambientação. Isso inclusive pode ser sentido no menu, que faz uso também de sons reproduzidos pelo plugin.
Lucas: Depois de duas pequenas atualizações pós-lançamento de Warzone, algumas das críticas vindas da comunidade são em parte da navegação da interface para quem não usa um óculos de realidade virtual, assim como os controles de mouse e teclado — que vem sido gradualmente aprimorados. Há alguma previsão de quando teremos alguma atualização nesse quesito?
Willians: Enquanto que nós sempre estamos buscando melhorar com cada atualização a equipe de interface no momento está focada em desenvolver duas adições significantes para a comunidade — partidas personalizadas e ferramentas de espectadores. Essas adições recorrerão em conjunto com uma nova passagem de polimento para todos os menus e a interface, mas ainda não há uma data específica para quando elas serão implementadas. Como temos de priorizar certas funções, as partidas e a tela de espectador estão no topo por ora.
Lucas: Depois de jogar algumas horas de Eve: Valkyrie e ler blogs previamente publicados pela CCP Newcastle, uma área que eu acho muito interessante é a filosofia de mapas aplicada ao game — a mistura entre pequenas e grandes estruturas em conjunto com o estabelecimento de um campo de visão. Por ser um jogo competitivo, obviamente não é possível aplicar o mesmo design de um jogo como House of the Dying Sun, cujas batalhas tendem a ocorrer em um cenário mais aberto. Ao mesmo tempo, entrar em uma partida traz uma sensação muito parecida com a de outros shooters. Simetria de mapas e um uso de lanes — especialmente no modo conquista. Sendo assim fácil de entender as principais zonas de conflito e ensinar o jogador como ele pode se despistar do oponente quando perseguido. Como é esse processo de conceitualização dos mapas?
Willians: Nossos mapas tendem a evoluir de duas fontes distintas — “imaginação” ou jogabilidade. O caso de “imaginação” ocorre quando vemos um cenário ou arte conceitual que nos instiga, e a partir disso buscamos maneiras que podemos sobrepô-la a jogabilidade. Um exemplo recente disto é ao mapa Moon Refinery, o qual estamos trabalhando para a próxima grande atualização de EVE: Valkyrie . A arte conceitual — tirada diretamente de uma futura atualização para o EVE Online — foi icônica ao ponto de vermos o potencial para criar uma jogabilidade que girasse em torno de um laser de mineração.
Começamos então a transpor os objetos de EVE Online e criar fases-conceito dentro de EVE: Valkyrie – Warzone. A partir disso iniciamos o processo de posicionar elementos essenciais em locais que consigam se relacionar bem a jogabilidade do game. Por exemplo, colocar um ponto de captura próximo a um pedaço de cenário que seja proeminente. Após isso então experimentamos em como o laser de mineração poderia ser usado para alterar a experiência no mapa. Uma das ideias foi o fazer disparar a cada 60 segundos e destruir tudo que estiver ao seu alcance durante 10 segundos. É nessa fase experimental que costumamos a testar ideias mais “exóticas” que tivemos, como colocar os drones de capturas no caminho do laser para que sejam destruídos toda vez que ele seja disparado. Assim que encontramos um equilíbrio entre combate e objetivos é que implementamos sinais e retornos que são usados para manter o jogador informado em relação a sua posição no mapa ou modo de jogo.
Já quando começamos de uma perspectiva puramente de gameplay, procuramos sensações que não tenham sido exploradas em mapas prévio. Um exemplo disso seria um mapa interno (sim, eu era um imenso fã de Descent), ou algo como o mapa Solitude, que adiciona uma nova camada ao estilo tradicional do jogo. Ao colocarmos o combate sobre a superfície de um planeta, o jogador agora tem de considerar as manobras da nave com maior precisão já que a atingir no chão irá danificá-la severamente.
Assim também é mais fácil de criar o whitebox [Também conhecida como graybox, é considerada a versão conceitual, tipicamente formada de blocos simples de cores branca ou cinza, e usado extensamente para efetuar para testes de jogabilidade (exemplo no Youtube) -ed] de um mapa e ter uma sensação de como serão as partidas naquele mapa antes de definirmos quais os elementos estéticos farão parte dele. Cada aproximação tem seus prós e contras, portanto nossas regras tendem a ser que nas duas formas os objetivos estejam em uma distância equivalente dos Carriers (pontos de Spawn das equipes), e que tanto as cores principais do cenário e geometria usada sejam de fácil leitura, consigam guiar o jogador e especificar potenciais perigos por seu caminho.
Lucas: Uma das novidades de Warzone é a Covert Class, uma nave que é focada em efetuar ataques certeiros e que é melhor usada de maneira situacional. Além da habilidade de “stealth”, o poderio dela em comparação com uma nave de assalto é exponencialmente maior. Como vocês fizeram para cria-la e garantir que ela não se sobressaísse ou dominasse todas as partidas? Teremos algumas mudanças nela ou em outras naves?
Willians : Um dos componentes usados para o design da nova frota de naves para o Warzone foi desenvolver uma série de conjuntos de dados que são analisados acerca de como cada nave está sendo usada em um ambiente ao vivo (fora de testes internos). Dentre os dados estão a quantidade de vezes que a nave é escolhida durante o combate, a taxa de vitórias e derrotas, qual a porcentagem que elas são eliminadas, quanto tempo tipicamente elas demoram até que sejam destruídas e outros dados. Com eles nós fazemos reuniões semanais sobre balanceamento e sinto que estamos em uma boa posição nesse quesito, portanto quaisquer mudanças a curto prazo serão leves, ao menos durante o primeiro mês desde o lançamento de Warzone. Já temos alguns ajustes a serem feitos, que serão comunicados em breve.
Lucas: Jogadores que preferem trabalhar em equipe vs jogadores que preferem jogar sozinhos. Mesmo que EVE: Valkyrie não reforce esses modelos, como vocês equilibram o sistema de classes e naves para que eles sejam viáveis, e ao mesmo tempo, agradáveis de se jogar para cada tipo de jogador? O que é tipicamente levado em conta?
Willians: Além dos dados que obtemos semanalmente, durante a fase de protótipo dos mapas e testes geramos toneladas de outros dados que separamos por plataforma (PC / PlayStation 4), tipos de controle (Gamepad / Mouse e teclado), Classes, naves, mods ativos e por aí vai. Com eles fazemos uma série de combinações junto com as nossas equipes de testes internas e externas para que exista uma paridade entre plataformas e naves, o que temos feito nos últimos oito meses.
É por meio desses dados que tentamos fazer com que todas as naves sejam agradáveis de se pilotar independentemente se você prefere jogar sozinho ou em uma equipe. O primeiro passo é sempre impressionar os jogadores com as habilidades e armamentos de cada nave, e assim fazer com que eles naturalmente determinem as suas favoritas de acordo com a circunstâncias. Sejam elas em partidas solo, equipe ou até mesmo em um modo de jogo em específico.
Outro ponto que também passamos muito tempo “agonizando” foi o nosso novo conceito de “Hangar Aberto” introduzido com a atualização Warzone. [O jogador escolhe a partir de um conjunto de naves que não possui limitações durante a partida – ed]. Há um grande debate em limitar o uso de certos tipos de naves, mas no fim queremos que os nossos jogadores tenham diversão sem essas restrições. Pessoalmente eu senti que era punitivo demais introduzir novos jogadores a todas essas naves para que eles não pudessem usá-las por não terem sido rápidos o suficiente para selecioná-las primeiro. Essa decisão tem sido monitorada semanalmente e caso venha a ser necessário, podemos impor restrições de naves por partida / equipe com uma atualização, mas por ora é tudo sobre experimentar o que cada nave tem a oferecer e quais complementam o estilo de jogo de cada jogador.
Lucas: Tendo em vista que o EVE: Valkyrie começou como um jogo de realidade virtual e a CCP Newcastle se especializou nisso, pode me contar um pouco mais sobre como foi a aproximação para criar um game para essa plataforma? Que empecilhos foram encontrados durante testes, sejam ele de movimento, ou mudanças no campo de visão, que não necessariamente são comuns na indústria?
Willians: Essa pergunta sinceramente é digna de uma apresentação de quatro horas, mas para resumir alguns dos principais problemas que encontramos — a ideia de espaço infinito em realidade virtual é um certo tipo de mito. Somos criaturas preguiçosas e boa parte do tempo não queremos girar em uma cadeira ou virar nosso pescoço em quase 180º para escolher uma opção no menu. Quando começamos a desenvolver EVE: Valkyrie, tínhamos a ideia de criar um imenso planetário em realidade virtual, os planetas poderiam ser selecionados ao olhar para eles e mais dados seriam mostradas antes de um zoom para os detalhes — como modos de jogo e seleção de naves. Assim que começamos a adicionar mais conteúdo, esses planetas ficaram ainda mais distantes (no menu) e requeriam mais esforço físico. Foi com isso que decidimos optar para uma interface que traz a informação para o jogador ao invés de fazer com que ele vá até ela.
Na questão de controlar a nave em si, descobrimos que quanto mais geometria física (objetos, traços da nave) colocávamos em volta do jogador, mais confortáveis eles se sentiam durante o combate. É uma questão de focar a mente (e os olhos) em um objetivo para prevenir o jogador de sentir uma sobrecarga visual e algo próximo a uma sensação de vertigem.
Para chegar a essa solução também testamos diferentes variações da mira (e como elas eram animadas) para que os olhos do jogador fossem guiados e ficassem focados no próximo oponente. Pilotar e realizar manobras é muito mais confortável quando o jogador está ciente que ele persegue um alvo. Usar traço de luz atrás dos foguetes das naves também foi muito importante para isso, já que criam um elemento de previsibilidade para as perseguições.
Outras descobertas ocorreram quando tentamos diferentes combinações de movimento e velocidade da nave. Por exemplo, uma nave em constante movimento é uma experiência em realidade virtual mais confortável do que uma nave que para completamente. É por isso que no jogo, ao colidir com a nave, ela “quica” de volta ou apenas rebate de um objeto ao invés de parar. Também evitamos qualquer tipo de movimento lateral, já que é outra causa muito comum para possíveis situações de enjoo em realidade virtual.
Lucas: Enquanto que eu adoro as suas mecânicas e movimentação, eu ainda sinto que os usuários de PC, ainda mais aqueles que usam mouse e teclado e não usam um headset de realidade virtual estão consideravelmente restringidos em visão. Vocês planejam implementar suporte a periféricos como o TrackIR ou implementar uma solução de câmera que segue o alvo similar ao de War Thunder?
Willians: Sim, na realidade estamos trabalhando em implementar suporte tanto ao TrackIR como o Tobii Eye Tracker neste momento. Estou bastante otimista que suporte a ambas as funções estarão no ar em breve. Também estamos desenvolvendo mais configurações para mouse e teclado que apliquem movimento contínuo (assim reduzindo a necessidade de movimentar tanto o mouse) e aumentando suporte a um número maior de manches. Enquanto que Eve: Valkyrie – Warzone não é um simulador, queremos que a comunidade consiga jogá-lo com a maior combinação de periféricos possíveis.
Lucas: Muito obrigado pelo seu tempo.