“Hmm…. e se eu colocar uma cidade aqui do lado da ferrovia? Quem sabe juntar com umas árvores? Ah! Sim, seria uma boa ideia”. Você presumiu que eu estaria falando de um construtor de cidades, daqueles que vêm acompanhados de um manual gigante e com uma curva de aprendizado absurda, mas na verdade eu falo do simples e humilde Dorfromantik (Steam / GOG) da Toukana Interactive – provavelmente o jogo que tomou mais tempo da minha vida em março.
Quem acompanha o site sabe que eu tenho altos e baixos em questão de saúde mental. Sou privilegiado em ter acompanhamento terapêutico e o uso de remédios, mas os dois últimos anos não têm sido fáceis para mim, como tanto apontei em textos como o de Cloud Gardens e na retrospectiva de 2020. Nesses momentos eu me torno mais recluso, fico menos tempo na frente do computador devido a falta de motivação e menos interessado em escrever sobre múltiplos assuntos. Março em específico foi em grande parte terrível por conta de uma cirurgia que demorou muito mais do que deveria para melhorar.
Eu lutava contra uma constante sensação de “não estar fazendo o suficiente”, não ter foco para os meus projetos – sejam o site ou outros pessoais – ou até mesmo jogar. Me voltei para livros, áudio dramas e outras coisas que me tirassem da frente de uma tela.
Por que então falar de um jogo como Dorfromantik ao invés da dezena de áudio dramas que ouvi? Bem, é simples e não tão simples assim. Ainda que áudio dramas ou outros tipos de mídia que absorvi ao longo de março tenham sido um grande apoio, eu estava ali como um espectador. Não que isto seja de todo ruim, pelo contrário; me fez “conservar” energia para ser capaz de dar prosseguimento a vários textos que estavam encalhados na minha pasta de rascunhos. Dorfromantik, por outro lado, me deixou criar um pequeno “universo”.
Jogar o game dos alemães da Toukana Interactive me lembrou de outro também do mesmo país – Islanders –, mas com uma diferença crucial: onde Islanders te “desafia” a otimizar ao máximo o posicionamento das suas construções, Dorfromantik dá quase que um “abraço virtual” e fala que está tudo bem se você não quiser seguir nenhuma regra.
O grosso da partida acontece em um tabuleiro virtual. Você recebe um conjunto de peças e deve posicioná-las de forma que elas criem combinações. Um grupo de casas gera uma cidade, um grupo de árvores gera uma floresta, novos objetos surgem à medida que você completa certos objetivos. Ainda há a sensação de que você está “jogando um jogo”, mas um que não te pune ou te diz o que é certo ou errado. O que importa para a Toukana Interactive é que você crie a região dos seus “sonhos”.
Coloco sonhos entre aspas, pois na minha concepção o “sonhar” é como ter uma noção básica do que você quer, mas não de como chegar ao que você quer. As minhas regiões em Dorfromantik eram muitas vezes imperfeitas. Às vezes por conta de não ter posicionado bem uma ou outra peça, por não ter prestado atenção no que eu estava fazendo, ou por não ter a peça que combinasse com o restante do tabuleiro. E quer saber? Está tudo bem.
Eu não voltava para uma segunda, terceira ou quarta partida de Dorfromantik para aumentar a minha pontuação; eu voltava pelos sons, pela belíssima ambientação que a Toukana Interactive criou. Até mesmo por uma certa nostalgia de tempos menos caóticos da minha vida onde eu podia passar horas montando as minhas “cidades” com peças feitas de madeira —mais uma prova que você não precisa abusar do efeito “nostalgia” para obtê-lo.
Embora a Toukana Interactive liste Dorfromantik como um jogo em acesso antecipado, já que algumas funcionalidades como melhorias na tabela de liderança, novas peças para o tabuleiro e um modo criativo ainda não estão implementadas, ele está mais do que completo para mim.
Pois eu sabia que nos dias que minha cabeça doía como se fosse um limão sendo espremido, quando metade do meu rosto parecia se repuxar com os malditos pontos que mal podia esperar que fossem tirados, a música de Dorfromantik iria me acalmar. Que as regiões criadas durante as minhas sessões iam além da mera “beleza” ou puro escapismo. Cada uma delas criava um significado – de que eu aguentei mais um dia nesse país caótico, de que eu superei as barreiras da minha ainda flutuante saúde mental, e de que era um dia a menos para que essa maldita dor da cirurgia fosse embora.
Na atual publicação deste texto, parte da minha dor foi embora, apesar de ter levado um grande pedaço da minha saúde mental junto. Quanto a Dorfromantik? Bem, ele continua na minha rotação diária. Uma partida ali, uma partida acolá depois do almoço. Um guia para navegar tempos sombrios.
Pode ser que ele não crie a mesma sensação em você; pode ser que ele vire só mais um na sua lista de “construtor de cidades relaxantes”. Mas eu espero, de coração, que você consiga enxergar além da beleza dele e – quem sabe – também comece a montar um pequeno paraíso todos os dias, um que te transporte para um pequeno mundo sem você precisar se preocupar em “derrotar o vilão” ou “salvar o mundo”. O mundo já está salvo em Dorfromantik. Quem sabe ele não pode “salvar” você?