Eu aprecio muito dungeon crawlers, mas ao longo dos últimos anos eu sinto que cada vez mais temos uma enxurrada de jogos que seguem mais especificamente a fórmula de “Wizardry” ou blobbers no estilo Legends of Grimrock. Tais jogos em si não são ruins, mas para quem já jogou metade das franquias, começa a ficar repetitivo. Por isso que eu adoro tanto o trabalho da Graverobber Foundation e o seu mais recente game — Der Geisterjäger (Steam).
Imagine o seguinte cenário: você está tentando desarmar uma mina. O corredor está silencioso até que um alerta aparece no seu visor; um objeto está vindo em sua direção. Seus sensores não conseguem discernir o que é, mas não é necessário — você acabou de ser morto por uma rajada de metralhadora.
O trecho acima não é uma exceção, não é nem um cenário específico. É o cotidiano do piloto de um RCS (Robotic Combat Suit). Ou, melhor dizendo, vai ser o seu cotidiano em Der Geisterjäger.
O jogo é o terceiro de uma série iniciada em 2018 com Das Geisterschiff. A premissa base é relativamente similar: A superfície da Terra foi destruída, forçando o restante da população a morar no subsolo enquanto duas grandes corporações travam uma guerra pelo domínio do pouco que ainda existe do planeta.
A Graverrober Foundation podia ter muito bem pegado essa ideia e criado mais um cyberpunk “high tech low life” da vida, completo com um show de luzes e estereótipos. Ao invés disso ela usa uma estética simplista, porém extremamente eficaz em trazer um senso de terror.
Por estar dentro do robô o tempo todo, tudo que é “transmitido” passa por um tipo de filtro e deixa só o essencial para a sua sobrevivência. Inimigos aparecem como quadrados até serem analisados, apenas itens “essenciais” ou que dizem respeito ao que está acontecendo em sua missão — a de resgatar um piloto perdido — são mostrados.
Quem então me garante que os corredores não estão cheios de corpos de guerras passadas? Que as paredes não estão sujas de sangue, que eu, assim como o restante das pessoas que passaram por ali, não sou descartável?
Sim, meu personagem é descartável, eu sou apenas um piloto com uma missão a ser cumprida. A maior perda da corporação seria o robô, que provavelmente seria recuperado por outro pobre coitado tão descartável quanto eu.
Der Geisterjäger não é o primeiro jogo a abordar tais temas, ainda que essa não seja aparentemente a proposta da Graverrober Foundation, mas o jeito com o qual ela desenha os seus mapas e cria sua trilha sonora geram esse desconforto em mim.
Os “quebra-cabeças” não vão além do típico “vá até ali pegar um cartão e ative uma porta”. Outros podem ser até ignorados caso decida optar pela força bruta e derrubar a porta com o seu robô. Emails deixados para trás em terminais só reforçam a ideia de que boa parte dos funcionários também passaram pelo mesmo problema que você. Um esqueceu o cartão ou o código, outro deixou um setor ligado. Burocracia em cima de burocracia. Você é só mais uma engrenagem nesse sistema.
De certa forma, é o mesmo desconforto que eu senti quando joguei a campanha de MechWarrior 5. Onde o jogo da Piranha Games tentava criar uma “power fantasy”, Der Geisterjäger arranca a máscara para revelar a sua irrelevância para aquele mundo. Ao mesmo tempo que faz isso, ele não te dá espaço para ponderar sobre a situação.
Cada corredor e andar pelos quais eu naveguei eram um exímio exemplo de como não “gastar” espaço. Não espere entrar em um novo andar e se deparar com a típica “sala vazia” de um dungeon crawler; mas sim escritórios, armazéns que viram labirintos e inimigos. Muitos inimigos.
Morrer em Der Geisterjäger é algo natural. Demore tempo demais em uma área e você pode ser atacado por outros robôs da corporação inimiga. Não explore o suficiente e você pode acabar sem uma ou duas melhorias que vão ser a diferença entre causar mais dano a um oponente ou ser triturado. Não há “receita de bolo” que eu possa colocar aqui para te dizer como você pode vencer os desafios que estarão na sua frente; nem eu sei como eu venci alguns deles. Aliás, não era apenas questão de vencer os desafios apenas, mas também vencer o meu pavor de ir em frente.
A interface é propositalmente – assumo eu – metódica. Embora tenha dezenas de atalhos para trocar de arma ou ativar habilidades especiais, o processo leva turnos e mais turnos. Agora pense no meu pavor de ver um retângulo na minha frente, meu analisador — que também é atrelado à interface — não identificando o alvo e eu desesperado tentando descobrir qual arma usar para a situação?
Desisti de contar os momentos de puro pavor, de levantar da cadeira para tomar um ar, pois eu não sabia o que fazer frente a um inimigo. Pior, quando eu era emboscado em um corredor e não tinha para onde ir. Era lutar ou lutar. Lutar ciente do quão descartável você é, com os armamentos patéticos que você possui, com o RCS — a interação com o qual mais parecia controlar uma lata velha (e eu não duvido que seja). Eu queria me encolher, me enfiar em um buraco e desaparecer.
Porém, quando os astros se alinhavam e eu era capaz de desferir o golpe mortal no meu inimigo, meu corpo era tomado por um gigantesco alívio. Não de que eu era o vencedor, mas porque eu sobrevivi a mais um combate. Só existirá um vencedor em Der Geisterjäger: a corporação que conseguir controlar o que resta da Terra. E para qualquer uma das corporações, você é só mais um peão nesse jogo mortal.
Não vou dizer que é fácil se adaptar às intricadas mecânicas de Der Geisterjäger, principalmente o sistema de menus e seus visuais – especialmente se você vem de um pano de fundo de dungeon crawlers mais coloridos ou visualmente variados.
Mas eu vejo Der Geisterjäger, ou melhor, todo o trabalho da Graverrober Foundation como um imenso avanço no tocante à narrativa em dungeon crawlers. É peculiar da sua própria maneira, se estabelece dentro de um nicho e ainda consegue me fazer refletir sobre temas que raramente são considerados neste subgênero.
Se você, no fim das contas, decidir se aventurar neste universo frio e cruel, é bom estar mais do que preparado para as porradas – tanto “físicas” quanto emocionais. Der Geisterjäger não liga para você ou os seus sentimentos, por mais que ele tente fingir o contrário.
Assuma a sua posição de piloto descartável, tente navegar seus complexos labirintos. O que você tem a perder? A sua vida? Isso, a corporação para a qual trabalha já sabe. Ela considera que você é descartável. Tente provar o contrário.