Caros leitores, eu acho que eu entrei em um buraco. Um buraco de onde eu não sei se saio tão cedo. Este buraco se chama “Decisive Campaigns: Ardennes Offensive”, o wargame da VR designs. Eu acordo pensando em como completar um cenário, durmo pensando no que eu fiz de errado em um turno, tomo meu café refletindo sobre um sério problema de suprimentos que tenho no meu fronte.
Calma, vamos rebobinar a fita um pouco (céus, eu acabei de revelar a minha idade, não?). Você deve estar confuso “Lucas, o que diabos é Decisive Campaigns?”. A série de wargames produzida por Victor Reijkersz pode não ter uma grande fama no Brasil, mas a sua influência no cenário de estratégia pode ser sentido de longe. Enquanto o maravilhoso Unity of Command ainda estava em incubação, Reijkersz já estava aplicando um sistema de cartas para seus wargames – mais especificamente Advanced Tactics, hoje em dia conhecido como Advanced Tactics Gold.
Cadeias de produção, linhas de suprimento, diferentes tipos de unidades com diferentes papéis no campo de batalha. Tudo que você imaginar estava presente em Advanced Tactics Gold e foi progressivamente adicionado aos próximos games de Reijkersz.
Decisive Campaigns: The Blitzkrieg from Warsaw to Paris e Barbarossa usam cartas quase como um sistema de “RPG” onde você deve tomar decisões que podem ou não prejudicar a sua reputação com outros comandantes do avanço da Alemanha Nazista. As mecânicas ficaram ainda mais complexas mas ainda assim compreensíveis e com uma interface amigável suficiente para quem é fã de wargames.
Reijkersz foi até o limite com o seu penúltimo projeto, Shadow Empire – que mistura 4X, sci-fi e todos os sistemas citados acima. Não é à toa que seu manual tem mais de 500 páginas. Mesmo como alguém que participou no desenvolvimento (eu escrevi parte do manual de Shadow Empire, mas não tenho nenhum envolvimento com Decisive Campaigns: Ardennes Offensive ), ainda é um dos jogos mais impenetráveis que eu tenho em minha biblioteca.
Quando foi a hora de pôr as mãos em Decisive Campaigns: Ardennes Offensive, eu estava apreensivo. A batalha de Ardenas não é um cenário tão vasto quanto os outros jogos de Reijkersz. Os hexes, que tendiam a ser de 4km ou mais, teriam de ser adaptados para 1km no máximo. De início eu pensei “pronto, este homem vai enfiar mais outras 30 mecânicas para compensar e deixar o jogo praticamente inviável para quem não conhece os seus outros projetos, ou vai tentar agradar uma parcela minúscula de wargamers”.
Muito para a minha surpresa, Reijkersz foi pelo caminho contrário. Decisive Campaigns: Ardennes Offensive é de longe o jogo mais acessível que ele já criou. Claro, você ainda tem que lidar com uma interface que não necessariamente tem a polidez de Unity of Command ou o apelo estético de outros jogos de estratégia. Em compensação, Ardennes Offensive é capaz de criar situações que eu jamais vi em wargames: terror, ansiedade, medo.
Deixo bem claro aqui que eu estou muito, mas muito longe de completar todo o conteúdo do wargame. Isso me levaria meses ou até anos. Para esse artigo me foco no cenário de West Wall, composto por 14 turnos que podem levar de 5 a 16h para serem completados. Historicamente o avanço das tropas aliadas teria sido um sucesso se o receio de um contra-ataque das forças alemãs não estivesse tão presente.
Decisive Campaigns: Ardennes Offensive cria o cenário como um dos mais “simples” que já vi vindo das mãos de Reijkersz. As tropas aliadas já estão na posição de ataque, os alemães estão em retirada e tomar as primeiras cidades é relativamente fácil se você souber como manipular as tropas e usá-las com eficácia. (Não se preocupe, um manual com 100 páginas acompanha o jogo e te dá tudo o que você precisa para aprender a minuciosidade de cada unidade).
Assim que eu tomei as cidades e estabeleci uma linha de defesa relativamente competente é que os problemas começaram a surgir. A diminuição dos hexes de 4km para 1KM agora permitia que Reijkersz usasse uma excelente mecânica de “campo de visão”. Cada batalhão tinha um campo de visão específico de acordo com o local em que ele estava posicionado. Aqueles que estavam em rodovias ou cidades tinham um amplo campo de visão e sabiam de onde poderia vir um ataque inimigo. Já as minhas tropas que estavam na floresta… estavam às cegas. Tal mecânica é raríssima em wargames, já que muitos são adaptações de versões “físicas” e o principal desafio delas é estar à frente do seu oponente antes mesmo que o turno dele comece.
Foi a partir do terceiro turno de West Wall que eu notei a enrascada em que eu me meti. As temperaturas caíram, uma névoa desceu sobre o campo de batalha e agora as minhas unidades estavam “cada uma por si”. Apoio aéreo de reconhecimento? Esquece, ele foi cancelado no turno anterior. Suprimentos? Alguns caminhões acabaram atolados na neve e as tropas que receberam o maior dano estavam sem reforços.
Decidi fortificar as minhas posições e esperar para ver o que o próximo turno traria. Quem sabe um clima melhor, uma chance de avançar mais alguns hexes? Reijkersz me pega desprevenido outra vez. Era noite, e ao contrário de muitos jogos do gênero, ele garantiu demonstrar isso de forma visual.
“Não… você só pode estar de brincadeira comigo”, dizia ao olhar o breu que cobriu o mapa. Eu não sei mais onde estão as tropas inimigas, eu não quero avançar mas eu preciso avançar. Meus pontos de vitória estavam abaixo do que o cenário desejava de mim.
Movi um dos meus batalhões composto por alguns halftracks, soldados e bazookas. Fui interceptado por artilharia e emboscado no meio da floresta. Foi só no amanhecer do próximo turno que eu notei que ele estava cercado por tropas alemãs, cortado de todas as minhas linhas de suprimento. Uma causa perdida.
Foi então que as cartas, mecânica chave dos jogos de Reijkersz, começaram a ter sua devida importância. Variando de envios de generais para aumentar a moral dos soldados a entrega de suprimentos como combustível ou reforços, saber quando e como usá-las é mais uma vez essencial para vencer o cenário. A difícil decisão? Elas compartilham o mesmo recurso que é usado para movimentação e ataque de tropas.
Assim foi mais um turno sofrendo com a artilharia alemã enquanto tentava reorganizar as minhas linhas de suprimento, garantir que os tanques estavam com combustível suficiente, e movimentando os quartéis-generais para que esses suprimentos chegassem ao fronte.
Foi só no 12º turno, depois de muito suor e lágrimas, que eu cheguei na metade do mapa. Muito longe do que a operação original foi capaz. Eu não precisava de animações elaboradas ou dezenas de camadas de cinemáticas para saber que as minhas tropas estavam exaustas de marchar no frio, neste inferno gélido em que eu as coloquei. Engoli o orgulho que me restava, botei todas em posição de defesa e esperei o cenário acabar. Uma vitória minoritária para os aliados. Apesar disso, eu estava radiante de felicidade por dentro.
Decisive Campaigns: Ardennes Offensive consegue trazer um grau de complexidade alto e ainda assim falar uma linguagem mais próxima para jogadores de estratégia no geral do que a maioria dos wargames. Coloque o mouse sobre um dos modificadores (e acredite, existem muitos) e você saberá em segundos para o que serve. A movimentação de unidades é feita com um ou dois cliques. Definir pontos de ataques não requer que você tenha experiência prévia no gênero (mas ainda recomendo ler o manual).
Claro que temos muitos outros exemplos de jogos que tentam criar essa ponte entre wargames e jogos de estratégia em turnos mais “tradicionais”. A série Strategic Command da Fury Software que o diga, mas o escopo dela é tão grande que muitos dos detalhes encontrados em Decisive Campaigns: Ardennes Offensive ficam redundantes. Entre os poucos que tentam o mesmo de Ardennes Offensive está a franquia War in the East, e esta é uma que eu não sou capaz de recomendar nem mesmo para os mais ávidos dos fãs.
Por anos eu falo que os wargames precisam evoluir para sobreviver. Alguns deles, como a franquia Field of Glory, já aprenderam a lição. Outros ainda teimam em se limitar a um grupo de pessoas que tem mais de 200h livres para completar uma campanha, ler manuais imensos, e ainda assim não ter a menor ideia do que está fazendo no mapa.
Minha jornada com Decisive Campaigns: Ardennes Offensive está muito longe de acabar. Ainda vou me debruçar sobre os cenários avançados e ver como eles se comportam. Mas uma coisa eu já deixo adiantado: se Unity of Command foi o primeiro passo para reduzir a barreira de wargames para o público em geral, Ardennes Offensive é o passo que eu esperava que outra empresa tivesse tomado. Victor Reijkersz é um designer fantástico e eu mal posso esperar para trazer para vocês mais histórias das minhas batalhas – sejam elas triunfantes ou não – na região das Ardenas.
Decisive Campaigns: Ardennes Offensive está previsto para lançamento em 18 de novembro pela Matrix Games Store.
Para quem já é veterano da série, recomendo assistir os vídeos sobre as novas regras que acompanham o game: