Sabe qual é o pior “problema” de jogos que são medianos, mas que também possuem algumas poucas boas ideias? Eles não saem da minha cabeça. Eu declarei, em todas as circunstâncias possíveis, que Humankind não era lá o 4X que eu esperava. Que muitos dos seus sistemas eram inacabados e que a sua interface é, no geral, uma zona que nem parece que foi produzida pela Amplitude. Mesmo assim, continuei olhando para ele e falando: “E se eu jogar mais uma partida?” ou “Será que eu mudo de opinião ou o aceito como ele é?”. Com o lançamento do DLC “Cultures of Africa” (Steam), eu finalmente comecei a responder algumas dessas questões.
Antes de começar a falar sobre o DLC em si, já devo apontar que ele é opcional e que, para a maioria das pessoas, não vai fazer a menor diferença. As seis culturas que acompanham o pacote estão separadas por “eras” e é muito fácil de você perder as nuances delas de acordo com a geração do mapa e outros tantos fatores — seja a posição dos oponentes, o clima, eventos aleatórios que podem alterar a sua estratégia ao longo da partida, a própria duração da mesma, etc. Acontece que, para o bem ou para mal, eu sou uma pessoa obcecada por detalhes e nuances. O resultado? Dezenas de partidas tentando decifrar o poderio do sistema de eras de Humankind, e como o “Culture of Africa” impacta tal mecânica.
Uma das minhas questões primárias em relação a grande parte dos jogos 4X é a maneira como muitos deles empurram o jogador para a guerra. Eu sei, “Explore, Expand, Exploit, Exterminate”, mas a maioria é “Expand e Exterminate” e menos “Explore and Expand”. Quando eu voltei a jogar Humankind com o foco único em explorar as novas culturas africanas, vi o quanto ele é competente em dar espaço para o jogador respirar.
As novas culturas — metade das quais não são agrárias — criam uma excelente sinergia com outras quando é hora de mudar de eras. Juntando isso com o sistema de “Fama” que Humankind usa, cria-se um espaço para que eu possa experimentar bem mais do que a maioria dos outros 4X que tentam “conquistar” a mesma comunidade de Civilization.
Começar uma partida com Banto e o seu distrito especial que garante alimento independente do local colocado foi uma bênção. O período neolítico de Humankind, por mais interessante que soe no papel, é repetitivo demais e quanto menos tempo eu gasto nele, melhor. Criei uma cidade em uma região desértica – o que na maioria dos 4X seria um grande erro – mas Banto segurou as pontas enquanto eu agarrava um ou mais distritos para estabelecer zonas industriais ou recursos estratégicos.
Na hora de mudar para a era clássica, eu tinha a opção de escolher outra cultura, mas segui em frente com Garamantes e seu foco agrário. Sem perceber, eu havia acabado de criar um problema para mim mesmo.
Banto atuou como um apoio para eu estabelecer meu território, mas a mudança para Garamantes e seu foco em objetivos voltados para recursos agrários (tenha “X” produção de alimento por turno ou tenha “Y” de alimentos produzidos) me congelou. Boa parte dos recursos estratégicos foram usados para encher os meus cofres de dinheiro ao invés de serem aplicados para garantir uma tropa de defesa. O Microgerenciamento se tornou a palavra-chave da era, não que eu me importe tanto, mas a interface de Humakind não ajuda a mover habitantes da indústria para os campos.
O “Cultures of Africa” começa então a mostrar as rachaduras que existem na estrutura base de Humankind. A ideia de eras e de poder misturar culturas é, como bem disse, um conceito fantástico, mas bastou eu ter que ir um pouco mais a fundo para administrar a minha civilização que ele virou um pesadelo. Até Stellaris – que nem é lá essas coisas no quesito interface – faz um trabalho melhor.
Mas a essa altura eu estava preso naquele pesadelo e de um jeito ou outro tinha que atingir a “fama” necessária ou ficar no último lugar para avançar para a próxima era. Longe de mim ficar em último, pois sabia que cedo ou tarde eu ia virar alvo do meu inimigo e não tinha um exército decente para me proteger.
Notando essa necessidade eu já desviei o caminho e escolhi os Mongóis para a era medieval. Sua capacidade de criar milícias nas suas cidades sem custo de manutenção e com a capacidade de melhorarem assim que um novo “nível” das mesmas é liberado na árvore tecnológica foi o que me salvou das dezenas de investidas dos Ingleses. Acabei perdendo duas regiões, mas melhor isso do que ser anexado.
Estava frustrado com essa perda? Nada disso. A minha capacidade de sobreviver não ocorreu apenas pela seleção dos mongóis, mas também pelo efeito dominó criado a partir do foco em uma cultura agrária e por assim assegurar uma boa produção de alimentos – e por consequência crescimento nas cidades – para poder usar a habilidade desta cultura com eficácia.
“Mas Lucas, isso também pode ser feito com os Celtas!”, você me responde. Concordo em parte. O distrito especial dos Celtas é muito útil, mas não tem a mesma versatilidade dos Garamantes. Além disso, o foco da minha partida não era conquistar meus oponentes via religião, outra mecânica que está um tanto “crua” em Humankind. Quanto menos usá-la, melhor.
O real avanço da minha partida foi quando eu fui dos Mongóis para os Massais e pude retornar ao estilo de jogo “agrário”. A redução de consumo de alimento junto com a possibilidade de gerar ainda mais alimento por cada “Exploit” – que são criados por distritos – me impulsionou a completar quase todos os objetivos da era em um piscar de olhos. Antes que eu percebesse já estava tendo que escolher a minha próxima nação.
Os Siameses foram uma escolha óbvia pelo bônus de indústria por distrito e o sistema de compra e venda de recursos de luxo. Outra vez o efeito dominó surge em Humankind. A minha guerra contra os ingleses foi chave para que outras civilizações não se incomodassem tanto comigo. Eu mantinha uma boa relação com elas, e trocava muitos recursos de luxo. Meus cofres encheram, minha indústria – que na era dos Garamantes era um baita problema – expandiu.
A partida que tinha começado comigo congelado e micro gerenciando minha cidade e seus territórios – muitos deles anexados a essa altura –, tinha virado um belo passeio no parque com uma nação forte e capaz de defender-se contra ameaças externas. Óbvio que estabelecer as rotas de compra e venda foi outro exercício de paciência. Sério Amplitude, qual é a de vocês e essa horrível interface mercadológica? Eu já possuía trens, e a interface de Humankind não colabora para explicar o que vai para quem, como, e quando.
Decidi encerrar a minha partida como o Brasil, outra nação agrária, e decidi me focar em implantar energia renovável e reduzir a poluição dos meus aeroportos e trens (ainda detestando a interface mercadológica) enquanto o restante das nações entravam em guerras – e até fui arrastado para uma delas por conta da minha aliança com os EUA. Irônico, não? Não durou muito, pois o jogo já estava na reta final e o endgame, ainda que melhorado, passa rápido demais.
Caso você esteja se questionando “Fora os problemas de interface, eu não vi nada de tão horrível nessa história toda Lucas” — pois bem, eu reservei o melhor para o final. Eu só fui capaz de ver tais nuances quando expandi o mapa de Humankind para o maior tamanho e pus a velocidade dele no “mais lento” possível.
Ainda que não haja nada de “errado” em si neste quesito, eu tenho as minhas dúvidas de que grande parte da comunidade Humankind e de 4X no geral está disposta a sentar por mais de 20h por uma única partida. Eu sou o ponto fora da curva que joga partidas de wargames que duram meses ou até anos. Humankind não tem esse luxo de tentar agradar a um público específico e ao mesmo tempo um público mais abrangente que está mais “acostumado” com as partidas de Civilization.
Sem contar que, mesmo no mais lento possível, as eras finais – que tendem a ser maçantes ou tediosas – passaram rápido demais. É uma pena, pois as melhorias que a Amplitude fez para torná-las mais interessantes — seja a inclusão de eventos ou a redução de tempo de produção de certas unidades ou distritos — já fez uma imensa diferença das minhas partidas do lançamento para as que eu fiz depois que “Cultures of Africa” saiu (se você pensou que eu aguentei só uma partida longa para escrever este artigo, você não tem noção do quanto eu me dedico para tentar achar cada ponto relevante de um jogo).
Foi bom ter voltado para Humankind. Eu tinha torcido o nariz muito feio para o sistema de “fama”, mas agora eu o vejo com uma visão mais positiva. As culturas, que parecem se mesclar uma com a outra sem a menor coerência, são mais bem apreciadas em partidas longas. E o “Cultures of Africa” serviu para mostrar como o sistema pode ser modelado para gerar situações ou perguntas instigantes.
Não vai ser hoje, nem tão cedo que ele vai se tornar o meu 4X favorito. Ainda há muito a ser feito. Um jogo não deveria depender de uma série de ajustes que só vai atrair uma pequena parcela da comunidade para brilhar. Dos lançamentos recentes, Old World continua anos luz à frente de Humankind. Mas não nego, me deu uma pontinha de esperança de que a Amplitude vai ser capaz de virar esse barco para que Humankind se torne mais um “clássico” do gênero. Quem sabe eu não o revisito em 2023?
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