Northgard, o jogo de estratégia desenvolvido pela Shiro Games é de uma certa forma “único no mercado”. Voltado para o multiplayer, ele junta conceitos de 4X, e ainda assim retém um ritmo moderadamente “lento” quando comparado a outros do mercado. O meu colega Lucas Moura já cobriu algumas das suas atualizações; meu intuito aqui não é reanalisar o jogo, mas sim apontar o aprendizado da Shiro nos últimos meses como ela pode adicionar novas mecânicas que transformem a maneira que enxergamos certos aspectos – e as consequências disso. Sejam elas positivas ou negativas.
Não querendo colocar a carroça na frente dos burros, primeiramente preciso estabelecer o que é esse diferencial de Northgard: Além de ser profundamente inspirado pela mitologia nórdica, ele faz grande uso de mapas gerados aleatóriamente – o que garante que uma partida seja completamente diferente da outra. Nesses mapas você precisa saber equilibrar recursos, saber quando e como expandir o seu domínio, gerenciar seus aldeões, mantê-los alimentados e ter uma lista mental de que recursos são necessários para prosperar. No topo disso tudo ainda há uma mecânica bastante cruel, o inverno. O inverno tende a cortar a produção de alimento pela metade, se não a interromper completamente. Este é um conceito que é pouco explorado em jogos de estratégia – sendo o mais proeminente Endless Legend – e o motivo pelo qual eu me sinto tão intrigado em ver a sua evolução ao longo dos anos.
Em atualizações anteriores a Shiro Games adicionou um novo estilo de mapa e um novo clã, o Clã da Cobra. A meu ver, esses elementos foram adicionados a Northgard de um ponto de vista experimental – e até ousaria dizer que o experimento não teve bons resultados.
O clã da cobra, apesar de ser uma adição “balanceada” em comparação com os outros clãs, tem como parte de sua jogabilidade a subversão de uma das principais mecânicas de vitória do jogo e fonte para obtenção de melhorias: a coleta de fama.
Ao contrário dos clãs que vieram com o jogo base, a tal “fama” se transforma em um bônus à chefe do clã, Signy. Esse bônus aumenta na medida em que o jogo avança. Uma mudança singela dessas causa um tremendo impacto, e não para o melhor. Fama era um recurso quase “universal”, que podia ser obtida de múltiplas formas, consistentemente. A sua remoção em favor de um único personagem, faz com que o clã seja maçante de se jogar.
Estendo as minhas críticas também ao novo mapa – Ragnarok – que se apresenta como algo mais perigoso e complexo do que os mapas tradicionais. Novamente, em tese isso geraria tensão para o jogador, mas fatores como o posicionamento inicial do clã (sempre gerado aleatoriamente) podem remover quaisquer chances de vitória. Isso vai além de ser contra intuitivo, é prejudicial para um jogo cujo carro chefe é o componente online.
Deslizes como esses são inevitáveis durante o desenvolvimento de um jogo. O que importa de verdade é a ciência desses deslizes e como eles podem ser convertidos em algo positivo. O primeiro indício foi visto no segundo clã, o Clã do Dragão. Como o Clã da Cobra, o intuito é dar aquela “chacoalhada” na jogabilidade, o que é feito, mas não de um jeito que coíbe as opções do jogador.
Para entender melhor como Clã do Dragão funciona, preciso primeiro definir o funcionamento das unidades de Northgard. Você começa a partida com um conjunto de aldeões que podem então se especializarem em certas tarefas – caçadores, curandeiros, fazendeiros e por aí vai. O diferencial do Clã do Dragão parte justamente dessa interação dos aldeões, onde assim que você atinge 200 pontos de fama, você adiciona cinco escravos sem custo adicional. Aldeões de graça, “massa de manobra” para a sua conquista territorial.
Como diz o ditado, às vezes o de graça sai caro. Manter o Clã do Dragão com um bônus tão forte como esse o faria dominar as partidas. Para isso ela adicionou um novo recurso, a essência dracônica. O jogador que usar o Clã do Dragão nas suas partidas precisará dessa essência, pois caso ela acabe, há uma grande chance de que os seus aldeões se rebelem e todo o meticuloso equilíbrio do seu domínio pode desmoronar. Já aqueles que obtiverem bastante essência poderão recrutar soldados mais poderosos do que os de seus oponentes. O fato continua o mesmo: há um custo a ser pago.
A melhor forma de obter tal essência vêm por meio de sacrifícios – sejam eles aldeões ou escravos – o que para mim só torna a economia do Clã do Dragão ainda mais interessante. Até que ponto é importante ou prioritário sacrificar uma das suas unidades para que essa essência flua? E o que fazer nos invernos rigorosos? Seria uma boa guardar essa essência para uma investida tática e conquista territorial? Aqui vemos um fantástico exemplo da Shiro demonstrar que o erro do clã da Cobra não foi mudar muito a jogabilidade – mas sim não mudar o suficiente.
Preciso realçar a importância do Clã do Dragão – e como a comunidade reagiu a ele – pois é nele que eu vejo uma guinada da Shiro em evoluir ainda mais certos aspectos de Northgard com as atualizações Relics e Clã do Cavalo – atualizações separadas, mas concomitantes.
Relics aprofunda uma antiga mecânica do game, o uso de ferro. Antes ele era usado de maneira simples e direta, você pagava uma quantidade de material e moedas de ouro para instantaneamente melhorar as ferramentas de um tipo de aldeão; já o seu segundo uso é a invocação de um poderoso combatente – tipicamente o chefe do Clã (A exceção fica para a chefe Signy do Clã da Cobra, que usa apenas moedas para invocação). Com os Relics a Shiro mantém o estilo de uso de ferro e moedas, mas adiciona um terceiro componente: a forja.
A Forja não é apenas um “componente” extra, ela é uma edificação. Ela requer aldeões, manutenção, e tempo de trabalho; é mais um peso na balança de equilíbrio de Northgard. Com esta forja é que os jogadores podem obter relíquias – objetos da mitologia nórdica que vão do famoso martelo Mjölnir ao cálice Bragaful. Essa mudança afeta todos os clãs, com alguns se saindo melhor que outros. Até mesmo o clã da Cobra – previamente criticado – ganha uma ótima relíquia, a lança de Odin (Gungnir) que oferece bônus ao aspecto militar que pode ser equiparado a um dos clãs mais poderosos militarmente, que é o Clã do Lobo.
É então que entramos no segundo pilar das relíquias, o clã do cavalo: Svadilfari. Ele busca usufruir ao máximo da forja e suas ferramentas, obtendo bônus maiores do que os clãs anteriores e a capacidade de construir duas ao invés de uma relíquia.
Mas o que me fisgou é que seu ritmo de expansão é decidido não por fatores externos, mas pelos seus chefes. O cavalo é o único capaz de invocar dois chefes – Brok e Eitria. Os irmãos e artesãos são convocados a partir da Forja de Völund. Esta forja especial, onde só os chefes podem trabalhar, tem um ritmo de funcionamento acelerado, tal como a colheita de minério. Brok e Eitria são combatentes exímios (apesar de individualmente mais fracos que Signy), os ferreiros e mineiros do clã, e ainda podem forjar a Relíquia Dansleif & Tyrfing – um bônus esmagador ao seu já excelente poder de combate.
Onde está Northgard no momento, e quais os planos para o futuro?
Em 5 de junho a Shiro Game disponibilizou uma grande atualização de equilíbrio – um pequeno passo para as futuras adições, com o Clã do Kraken e o novo modo cooperativo. E, obviamente, também com o intuito de remover a sensação de estagnação jogo e alterar a jogabilidade dos diversos clãs presentes.
Clã do Veado, Eikthyrnir:
Como o primeiro clã do jogo e voltado a buscar uma vitória por fama em incrível velocidade, o Veado agora conta com aprimoramento de suas tecnologias especiais, que aumenta ainda mais o valor dos Skalds (unidade única do clã que substitui o cervejeiro, sendo mais barato, produzindo moedas e fama além da função base do cervejeiro), com aprimoramento de ferramenta na forja gratuito e acelerado, e agora ganhando um bônus de economia que só cresce durante o jogo com a tecnologia “Glory of the clan” que adiciona +1% de produção a cada 100 pontos de fama sem um limite estabelecido.
Para mim, Eikthyrnir, além do aumento de velocidade no ganho de pontos de fama incomparável a qualquer outro clã, recebeu aprimoramentos importantes a serem levados em conta para partidas mais lentas. Partidas online personalizadas onde a vitória por fama esteja desabilitada se tornam cada vez mais viáveis. Lentamente? Sim, mas viáveis.
O clã do Bode, Heidrun:
O clã mais defensivo e voltado para jogos de médio prazo, Heidrun teve pouquíssimas mudanças. A pouco atrativa tecnologia Cooking Mastery foi substituída por uma que dá um gás na sua forte economia, Shepherd. Esta tecnologia aperfeiçoa o prédio exclusivo do clã – o Sheepfold – que gera comida a partir das ovelhas sem custo de aldeões.
Como um clã voltado quase sempre para partidas lentas e pouco ofensivas, Heidrun está agora com uma economia ainda mais invejável. Com um ganho de alimento desses e a disponibilidade de sobra de aldeões, uma vitória comercial não é uma má ideia, ou até mesmo ganhar por controlar a árvore Yggdrasil. Continuo a vê-lo como um clã competente, mas com pouco dinamismo.
O clã do Lobo, Fenrir:
Fenrir, o mais poderoso clã militar, recebeu melhorias econômicas diretas e indiretas. Com a capacidade de recrutar um soldado gratuito toda vez que seu exército é dizimado, a velocidade de dominação aumenta. Esse é um bônus que eu chamo de indireto, com a economia sendo pequena e pouco consistente, mas permitindo uma maior expansividade no uso de moedas nos estágios iniciais do jogo.
Principal destaque se dá na expansão da tecnologia Veiled Threats, que permite redirecionar o poderio bélico do Berserker para a expansão do comércio do clã. Esse novo fluxo de moedas dá ao clã Fenrir a capacidade de competir em direção a uma vitória comercial que antes não possuía, diversificando o leque de opções. Isso o torna mais viável em mapas maiores, que por conseqüência têm partidas mais longas onde vitórias não-militares são mais frequentes.
O clã do Corvo, Huginn and Muninn:
O valoroso clã comercial recebeu mudanças que o tornam digno da alcunha. Com uma tecnologia significativamente mais potente, Negotiators que, ao ser combinada com novos bônus passivos para a produção de moedas, torna a vitória comercial ser ainda mais rápida. Um re-equilíbrio do poderio militar do corvo também foi feito. Foi removido o bônus elevado de força que era possível acumular em partidas prolongadas, por meio de alteração da tecnologia Gear Upgrade, que provém um bônus enfraquecido, mas mais consistente e disponível mais cedo.
O resultado final dessas alterações é que o Clã do corvo tem uma vantagem visível e sobressalente em mapas maiores e partidas de médio a longo prazo e se torna competitivo em mapas menores que geralmente são decididos por poderio bélico.
O clã do Urso, Bjarki
Bjarki, como um dos clãs mais defensivos e simples, recebeu poucas alterações. Foi-se o início de jogo já com a unidade especial Kaija e… nenhuma outra alteração. Kaija é uma unidade militar forte e defensiva que é extremamente útil para auxiliar na expansão do clã a baixo custo. Isso resulta numa desaceleração do clã, que já é indescritivelmente sem graça de se jogar. Bjarki é balanceado, ótimo para novatos, e horrendamente chato de se jogar. Mas alguém tinha que cumprir esse papel.
O clã do Javali, Slidrugtanni:
Os Javalis tiveram a atualização de equilíbrio mais equilibrada até agora. Um clã bem mediano, voltado para a vitória tecnológica, o aprimoramento na tecnologia Herbalism que reduz a penalidade indireta que a falta da tecnologia medicine proporcionava agora firmemente estabelece Menders como superiores a Healers.
Pequenas alterações nas tecnologias Lay of the Land e Osmosis colocam elas numa linha de efeitos similares à tecnologias especiais de outros clãs. Só melhorias, mas no geral pequenas e condizentes com o intuito do clã. Jogadores do Javali são incentivados a expandir e caçar fontes de Lore para obterem a vitória tecnológica, mas tanto território também os permite seguir atrás da vitória de fama se esta se mostrar mais atraente em qualquer partida específica. São um bom exemplo de como um clã não-militar pode incentivar a agressividade, também.
O clã da Cobra, Sváfnir:
O várias vezes mencionado clã da Cobra continua com a sua mesma posição. Stolen Lore, uma tecnologia adaptável que permite copiar tecnologias específicas de outros clãs, agora também pode pegar Draconic Frenzy, do Dragão. Tal como quase toda outra Stolen Lore, Draconic Frenzy é situacional, mas o aumento do poder de combate de Signy pode ser um diferencial em mapas pequenos e furiosos em que cada aldeão conta.
Uma boa melhoria feita foi na habilidade scorched earth, que aumenta as defesas de Signy enquanto ela o ativa. Isso previne o situações que eram comuns, como ela ser eliminada enquanto usa a habilidade. Afinal, este é o maior diferencial da cobra em combate. Com essas alterações a Cobra se mantém como um dos clãs mais taticamente flexíveis do jogo, podendo perseguir qualquer vitória sem um foco altamente específico.
O clã do Dragão, Nidhogg:
Draconic Frenzy, uma das tecnologias únicas do clã, ganha poder em agora afetar não só Dragonkin, mas o Warchief do dragão. Essa mudança com certeza foi feita para que a tecnologia possa ser utilizada pela Cobra, mas o poder de combate do Warchief não é nem um pouco mal vindo. Tal como a Cobra, a maioria das atualizações do dragão foram pequenas melhorias da qualidade de vida. Escravos não-humanos são mais baratos de manter, e os soldados dragonkin estão ligeiramente mais fortes; nada de muito especial para denotar.
Talvez o maior problema do dragão nesse momento seja apenas que eles já eram tão fortes na mão de um jogador cuidadoso que, não por não receber nenhuma melhoria que fica claramente visível, tenham se tornado mais fracos em comparação a outros clãs que receberam mudanças significativas.
O clã do Cavalo, Svadilfari:
Alguns enfraquecimentos numéricos tímidos revelam quanto pouco tempo o cavalo esteve no jogo para seu potencial ser corretamente medido. É um clã novo, focado em vitória por dominação em jogos de médio prazo, com capacidade de se reorientar para fama ou tecnologia quando estão em desvantagem militar. Recomendo apenas aguardar.
Diria que Northgard está em uma posição mais favorável do que no começo do ano? De certa forma, sim. A Shiro Games claramente ouviu os desejos da comunidade e lentamente os ajusta e adiciona para o game. Entretanto, apenas o futuro irá dizer sobre como essas mudanças irão afetar as partidas multiplayer — inclusive com o recém-lançado Clã do Kraken — e o modo coop (Conquest). No mínimo, digo que é um bom momento para se aprofundar no universo deste fantástico jogo de estratégia.