Mais uma edição da Brasil Game Show 2016 chega ao fim. A minha primeira viagem ao evento foi repleta de novidades, uma boa dose de decepções e uma pequena, pequena falta de desorganização.
Com os portões prestes a se abrirem às 13h do dia 1º de setembro, poucos estandes estavam completamente prontos para atender a imprensa sedenta pelas novidades da Brasil game Show; alguns nem mesmo tinham máquinas ligadas ou equipe suficiente para atender a demanda. Algo que poderia ser previsto, mas que passou despercebido pela organização. Uma pena. Dores de cabeça a parte, foi uma estranha visão do que temos de games de “alto calibre” a serem lançados, além de novidades da realidade virtual. Não sei muito bem, porém, se eu quero fazer completamente parte deste futuro.
Nossa primeira parada foi em Gwent, o jogo de cartas da CD Projekt Red atualmente em fase de beta fechado e jogável apenas por meio do controle do Xbox. Apesar de não ter me impressionado pessoalmente com o mini-game de The Witcher 3, a versão stand alone me agradou mais do que esperava.
Primeiro pela interface e disposição de cartas, as quais você pode com muita facilidade escolher e colocar em campo. Sem muitas firulas ou efeitos especiais, Gwent é direto, mas com uma curva de aprendizado considerável. As partidas que fizemos eram intensas, empatamos e perdi no terceiro round.
O polimento pelo o qual a CD Projekt Red é conhecida já se apresenta nessa versão beta. Não pude ver a fundo todas as cartas disponíveis ou menus, mas o que já vi me encheu de esperança de um card game que não tenta copiar a fórmula já batida de Hearthstone e agora aplicada em inúmeros outros jogos.
Outra ótima surpresa foi Gravity Rush 2, talvez uma das demos mais longas disponíveis na Brasil Game Show. Ela mostra o básico das habilidades de Kat e dá leves pinceladas sobre a história. Apesar do local extremamente desconfortável de ser jogado, assim que me adaptei com os controles foi divertido navegar pela cidade e derrotar os inimigos.
Confesso que não fiquei muito entusiasmado com Gravity Rush no PlayStation VITA, mas a sequência pode entrar na lista do “quero jogar o quanto antes”. O desempenho não estava lá dos melhores, mas pouco me importava quando a liberdade de escalar cada prédio, flutuar pela cidade e atacar os inimigos era tão fluída.
Fluidez não era a palavra que iria usar para a péssima demonstração de Final Fantasy XV, também disponível no estande da Sony. Chamá-la de demonstração seria até um elogio. O que tínhamos era uma batalha por volta de cinco minutos contra um chefão, com um desempenho terrível, controles confusos, tempo de resposta dos comandos desagradável e uma confusão na tela que não sabíamos o que era o que. Foi graças ao Diogo que eu entendi que após defender contra o chefão eu deveria ataca-lo. Se alguém precisa de motivos para entender o adiamento de Final Fanttasy XV, a demo provê mais do que o suficiente.
Outro que fiquei feliz em ver o adiamento foi o de Gran Turismo Sports, novo game da Polyphony Digital e que agora está previsto para o ano que vem. A versão disponível na Brasil Game Show contava com duas pistas, com Brands Hatch sendo escolhida por mim para testá-lo (o tempo era curto e a fila só aumentava). Para quem nunca foi fã, fiquei surpreso com a absurda melhoria no force feedback do volante (apesar de ainda tê-lo jogado infelizmente em modo automático), mas a inteligência artificial ainda segue o mesmo padrão de ou não te enxergar ou não dar passagem quando claramente você já está em clara posição de vantagem. Que a desenvolvedora arrume isso até o lançamento, se não voltaremos a ter mais um colecionador de carros (com menos carros ainda do que Gran Turismo 6).
Mas um dos melhores estandes, de longe, era o da Ubisoft. Falem mal de Assassin’s Creed, de The Division, mas a desenvolvedora francesa ainda é uma das melhores das grandes que aposta em títulos que fogem da norma. Uma prova disto é o Steep, que estava entusiasmado para jogar e não me decepcionou.
O conceito sempre me soou simples: Se divirta ao descer de uma montanha e completar objetivos. Tudo que eu vi na demo da Brasil Game Show aponta justamente para isso. É dinâmico, rápido de jogar e com um tempo de carregamento ridiculamente baixo.
Trocava de snowboard para uma Wingsuit em questão de segundos e fazia um desafio. Isso não equivale a dizer que fui capaz de completar algum, mas dei umas boas risadas após acertar uma pedra e ver o boneco rolar montanha abaixo. Acredito que vai ser um daqueles jogos onde quanto mais amigos jogarem, mais desafios aparecerão e como sou alguém que gosta de tabela de lideranças, mal posso esperar para pôr as mãos na versão final.
For Honor, por outro lado, me deixou muito em cima do muro. A ideia em si é legal, a execução? Hmm… ainda carece de uma boa dose de polimento. O game é basicamente uma mistura de captura de pontos com personagens de diversas eras, e balancear isso não é fácil, acredito.
Optei por jogar com o samurai para ataques mais rápidos, mas a interface é tão intrusiva que a curva de aprendizado para aprender a bloquear e atacar o inimigo é alta demais para se aprender em uma mera demo. Eu e minha equipe vencemos a partida, mas o jogo se apoia demais em “stunlocks” para quebrar a defesa do adversário e causar dano. Quando você fica dois, três, quatro segundos impedido de qualquer ação por conta de um ataque fácil de ser realizado, a diversão vai embora. Ainda há um longo caminho até que a Ubisoft realmente decida o que quer com For Honor, o conceito está aplicado, mas não polido, acompanhá-lo-ei de longe.
Outra empresa que veio com tudo no quesito quantidade é a Microsoft, com uma lineup praticamente formada de exclusivos. Dead Rising 4, Forza Horizon 3, Modo Horda de Gears 4 e ReCore. Como quantidade não define qualidade, a Microsoft parece “apostar seguro” para o restante de 2016.
ReCore é um jogo que não sabe “se vender” para o público. A demo já não ajudava a dar uma boa ideia do que se tratava — uma mecânica dá ênfase em usar cores específicas e combos com os robôs para causar dano aos oponentes — mas assim que peguei o ritmo eu comecei a apreciá-lo mais e mais. Com o lançamento relativamente próximo, em 14 de setembro, esperava um pouco mais de polimento do que a demonstração que vi. Olhava e pensava “Isso é legal, mas alguns meses a mais talvez ajudassem a as mecânicas, como a movimentação e o combate, a fluírem melhor”.
Dead Rising 4 também é outro que tenta se adaptar ao atual mercado. Ainda retém um estilão de “faça o que você quiser com essa enormidade de itens e coisas absurdas para matar zumbi”, mas perde a sensação de desespero e pressão com a inclusão de vida regenerativa. Após a decepção que foi Dead Rising 3, o quarto game parece “qualquer outro jogo de zumbi”. Pode ser que seja eu que estou de saco cheio do “gênero”.
O mesmo pode ser dito para Forza Horizon 3 e Gears of War 4 — o último o qual joguei apenas a campanha. “No time que está ganhando não se mexe”, deve estar escrito nas paredes da Microsoft. Forza Horizon 3 retém a fabulosíssima jogabilidade arcade que me agrada horrores desde Forza Horizon 2 com novas áreas e desafios. Bem, não há muito do que reclamar, Horizon 2 é um dos meus jogos mais jogados no Xbox One, mas tenho dificuldades de me motivar a comprar a sequência que mais tem cara de uma gigantesca expansão.
Já Gears… bem… é Gears. A demonstração da campanha foi a mesma mostrada em julho pela Microsoft. Visualmente impressionante e enjoativa de jogar. Parece uma franquia que parou no tempo. Vá ali, tente ficar impressionado com algum efeito especial novo, mate alguns inimigos, pegue umas armas novas, avance, repita o processo. Foi um dos poucos jogos que eu contava os segundos para acabar.
Peço desculpas por não ficar impressionado com a “história” entre Marcus Phoenix e o filho dele, afinal 90% das histórias de jogos são um lixo e quando a jogabilidade está moldada nos mesmos pilares de 2006, fica difícil ficar empolgado. Quem é fã não vai ter do que reclamar, mas este vou deixar passar.
Ao menos o port da versão PC, disponível no Stand da NVIDIA estava superior as bizarrices anteriormente lançadas para Windows 10 (estou olhando para você mesmo, Quantum Break). A quantidade de opções gráficas era imensa, obrigado Microsoft por as vezes escutar os fãs.
Testando a realidade virtual
Lucas: Ah, o VR, o sonho de consumo de todo brasileiro, de metade da população do mundo, a próxima inovação nos jogos, o futuro. Bem, isso é o que te vendem, o que eu vi pessoalmente não era nada disso.
Uma hora na fila para conseguir a senha e testar o PlayStation VR. Minutos depois me questionei o motivo da Sony sequer lançar o periférico a não ser para o suposto PlayStation 4 “Neo”. A demo que joguei de Battlezone VR parecia vir diretamente do PlayStation 1. A resolução estava tão baixa que eu não conseguia ler o que estava na tela, sequer o aviso “aperte X para iniciar” era legível.
Para colaborar, o PlayStation VR não é nada amigável para quem usa óculos de armação grande e um dos meus maiores medos se concretizava, a de que ninguém parece ter parado para pensar que existem pessoas no mundo que…pasme…usam óculos. Tive de pedir um momento para o atendente no estande para removê-los pois mais uma pressão e ele ia quebrar a minha lente. Se este é o futuro que a Sony almeja, é um futuro que eu não quero fazer parte.
Diogo: Após testarmos o Playstation VR e sua sub resolução, fomos direto ao stand da Nvidia, que oferecia teste de HTC Vive e Oculus Rift, e posso afirmar que a experiência foi muito superior. Joguei a Nvidia VR Funhouse, que oferece seis minigames para demonstrar as possibilidades de VR.
A demo mostra jogos como martelar a marmota ou tiro ao alvo, que oferecem bastante liberdade ao jogador em relação ao movimento. Antes do evento nunca tinha testado VR, e honestamente me senti como uma criança testando o Vive. VR é realmente um novo patamar no mundo dos jogos.
Os controles são muito precisos e instantâneos, tornando a experiência muito mais visceral, comparada ao Playstation VR, onde joguei Rigs, somente usando o dualshock. Para mim realidade virtual carece de um componente adicional quando jogado sem controles próprios, como se estivesse desconectado da atividade em si.
Entretanto, ainda é necessária uma maior popularização do aparelho, além de barateamento, pois imagino que poucos queiram gastar no mínimo de R$5000,00 em algo que pode em pouco tempo receber uma nova versão.
Indies, afastados, mas não esquecidos
Entra ano, sai ano e vocês se questionam o motivo do mercado brasileiro de indies não crescer não é mesmo? Bem, dado o terrível apoio que a Brasil Game Show os deu esse ano, eu não fico surpreso. Enfiados em um canto entre a praça de alimentação e os grandes estandes que competiam para ver quem tocava a música eletrônica mais alta, algumas pérolas surgiam de lá.
Lucas: Os destaques para mim foram Skydome, Tiny Little Bastards e Dog Duty, desenvolvidos pela Kinship, Overlord Game Studio e Zanardi & Liza, respectivamente. Skydome mistura um estilo MOBA com Tower Defense que segue uma estrutura bem “pick up and play”. Simples o suficiente para quem nunca se aventurou no estilo, mas capaz de oferecer maleabilidade e complexidade o suficiente para quem desejar.
Com apenas três meses em desenvolvimento, de acordo com os desenvolvedores, Skydome ainda tem um bom chão pela frente, mas fiquei impressionado com o tamanho do polimento da apresentação na Brasil Game Show.
Diogo: Uma das maiores surpresas foi Holy Avenger, que nem mesmo tinha ideia que estava em produção. Em desenvolvimento pela Messier Games, Holy Avenger é um beat ‘em up no universo da revista. Como alguém que acompanhou relativamente de perto a revista, fiquei contente com a qualidade atingida até então pela Messier e a fidelidade do traço dos personagens.
Similar a experiência que eu e Lucas tivemos com Skydome, o período pequeno de desenvolvimento de Holy Avenger, nesse caso 4 meses, e o já perceptível nível de polimento me dão bastante esperanças pelo jogo. Apesar do jogo ainda ser meio cru mecanicamente, um dos desenvolvedores me assegurou que eles já planejam adicionar novas habilidades, além de níveis de experiência para os personagens controlados pelo jogador.
Lucas: Tiny Little Bastards rapidamente me conquistou pelo carisma e pela belíssima animação. A demo relativamente curta que joguei já o colocou na lista de jogos que eu terei o maior prazer de testar quando for lançado. Controles responsivos, personagem carismático e um estilo de combate que não tenta expandir muito do que já é uma base bem estabelecida.
Mas, como apontado, o descaso com os indies foi absurdo e nós como um dos maiores mercados da América Latina e “a maior feira da américa latina” tínhamos de dar o mínimo de estrutura para eles. É a velha regra do mercado, quem tem dinheiro sai na frente.
Se não fosse pelo desenvolvedor do Dog Duty, um espetacular jogo de táticas em tempo real, ter me parado e oferecido um cartão do jogo dele, eu não saberia que ele estava presente na feira. Dog Duty é uma mistura de Syndicate com Cannon Fodder, um estilo pixel art agradabilíssimo e uma trilha sonora contagiante. É uma pena que ele tenha sido ofuscado por games que prezam mais por gráficos do que jogabilidade e também foi um dos meus destaques pessoais da feira. Ele está com uma campanha no Steam Greenlight e eu pessoalmente recomendo vocês darem uma força a ele lá.
Entrando e saindo da caverna do hype
O que me entristece mais é a maneira que a Brasil Game Show se estabelece como uma feira de jogos puramente voltada para reforçar o hype e a subsequente decepção dos fãs quando o jogo “não atende as expectativas”. Eu luto diariamente para fugir do hype, para mim é exaustivo esta constante auto-afirmação de que todo jogo tem de ser a melhor coisa do universo. O espetáculo em si é bonito, os estandes estavam bem produzidos e para quem gosta de jogar apenas os AAA vão ficar felizes com os próximos lançamentos. Mas após tantas edições, fica difícil aceitar que “no ano que vem melhora” ou a tentativa pífia de promover o cenário independente brasileiro.
Mas quando as luzes se apagam eu me sinto em um vazio. O exagero de sons, de cores, de gritos na tentativa de atenção reflete bem a atual situação do mercado. Saturação com pouca inovação dos que deveriam ser pioneiros da indústria. Chame a Brasil Game Show do que quiser, aproveite caso seja o que espera, mas este culto de “celebração aos games” vindo de grandes empresas me enchem de desprezo e não me sinto parte deste ambiente.
Todo mês, todo ano, um ou outro jogo perde o brilho por conta da falta de informação ou a falta de divulgação. Eu venho sempre na tentativa de aumentar a visibilidade deles. “Não é de todo ruim um jogo não ser perfeito”, eu digo. “Não! Demandamos perfeição, apenas a perfeição”, gritam as milhões de vozes do outro lado da sala que explodem de euforia com o próximo “showcase” tecnológico e prontas para pularem no próximo trem do hype. Não posso, nem quero, calá-las, apenas as aceito.
O que eu via lá parecia mais um circo do que uma feira. Se vocês querem se empolgar com gráficos, com explosões e com mecânicas rasas, fiquem à vontade. Obrigado Ubisoft, CD Projekt RED e indies por trazerem coisas que me agradam e a todos os desenvolvedores que independentemente se eu gosto ou não dos jogos, tenho um imenso respeito pelo trabalho de vocês. Mas, desculpe, se eu quiser ir para São Paulo para brincar de parque de diversões, eu vou no Hopi Hari.
Eu devo estar velho demais para cair no mesmo papo de desenvolvedora ou desiludido para aceitar que tudo aquilo ali é maravilhoso ou “o melhor que podemos fazer”. Podemos, e devemos fazer muito mais que isso, em todas as frentes. A primeira metade de 2016 foi boa em lançamentos e a segunda metade também será para o público em geral. Para mim? Acho que vou manter meu ritmo de a cada grande lançamento jogar quatro ou cinco games menores que tentam trazer algo de novo.
Quanto a Brasil Game Show? Ah, sei lá. Ouvi dizer que tem algo melhor, cama e cafezinho. Ao menos é mais barato do que pagar R$ 38,00 em uma salada e ficar com dores no corpo para aturar gente gritando. É, acho que sou chato mesmo.
Este texto foi produzido pela dupla Lucas e Diogo, as partes que não estão propriamente demarcadas e em itálico referem-se apenas a opinião do Lucas.