Um monolito apareceu nos céus de Marte, o julguei inofensivo — no mínimo seria uma breve dor de cabeça que teria de lidar cedo ou tarde. Já estava acostumado com a “dificuldade” e a falta de desafios de Surviving Mars. Meu processo de construção é automático; preparo os domos, coloco as plataformas de mineração, garanto a produção de oxigênio, água e metais raros. Meus colonos estão contentes. E assim ficaram até a primeira tempestade de Íon. Duas tempestades fortes desconectaram mais da metade dos domos do sistema de energia. Sem ter muito o que fazer — e carente de materiais — esperei elas passarem. No fim, mais da metade da minha colônia estava morta, e eu, desesperado.
Quem me conhece sabe que eu não sou de desistir fácil, critiquei Cities: Skylines e ainda assim o jogo, tenho a esperança de que um dia Stellaris vá ser o Grand Strategy que me prometeram. Não é à toa que o Resupply Pack — mini-dlc gratuito que adiciona três novas anomalias especiais — representa a primeira tentativa da Haemimont Games de definir um propósito para Surviving Mars.
Surviving Mars ainda tem um viés voltado para a exploração de matéria-prima em Marte, um conceito com o qual não me dou bem. No entanto, os desafios propostos pelo Resupply Pack, que vão da aparição do monolito, as tempestades de Íons, a estranhas luzes que alteram o comportamento dos meus colonos, uma interessante adição em trazer um toque mais “humano” para o game.
Mais do que isso, ele define limites para o “sandbox”, pontos onde eu consigo perceber com mais clareza onde a parte criativa e de gerenciamento termina, e a sobrevivência começa. Esse limite é o que faz Frostpunk funcionar tão bem. A 11Bit Studios soube como questionar as minhas decisões em relação a minha própria humanidade e empatia pelo próximo. Pela primeira vez em Surviving Mars eu senti que eu, de fato, me importei com os meus colonos.
Não falo isso de um ponto de vista financeiro (eu preciso deles para que a colônia funcione e gere renda), mas de um onde a vida deles começou a ser importante para mim. Surviving Mars dá muito espaço — e é direcionado a você tomar decisões guiadas pelo interesse econômico. Para que colocar um domo em um local “belo”, se você pode muito bem colocá-lo próximo a uma imensa fonte de renda? Para que prover variedade na alimentação dos colonos, se eles se satisfazem com meia dúzia de mato?
A agressividade das novas crises do Resupply Pack me pegou de surpresa pois não tinha mais o controle completo sob a situação. As decisões, antes tomadas por motivos econômicos, são ferozmente julgadas pelos desastres. A vida dos colonos está em risco, e era necessário reajustar a minha visão sobre a própria construção da colônia para que isso não aconteça de novo.
O que me leva a crer que, se Surviving Mars quer causar um impacto emocional do jogador, ele precisa investir nisso. E para investir nisso ele precisa oferecer a estrutura para isso. A atualização Curiosity já foi um importante passo (ainda que tardio) para isso com a adição de novos domos, uma barra de informação e o centro de comando — que reduz o micro gerenciamento da colônia. Agora é hora dessas ferramentas serem expandidas, e novas construções adicionadas. Construções de defesa.
Uma das pouquíssimas coisas que Aven Colony — outro construtor / gerenciador de cidades com temática Sci-Fi — fez bem é prover um constante ritmo de ameaças que colocavam a sua colônia em situação de alerta. Dentre elas estavam ataques alienígenas, minhocas gigantes e tempestades devastadoras. Para se defender delas era necessário construir uma rede de estruturas de defesa que variavam de armamentos pesados a escudos. Não espero que Surviving Mars caminhe para uma estética “fantasiosa”, além do que não é a visão criada pela Haemimont Games, mas torço para que haja algum tipo de mecanismo que amorteça o impacto dessas devastações e anomalias endgame.
Quando existem estruturas voltadas para diminuir a intensidade de um evento catastrófico, é criada uma expectativa de que, cedo ou tarde, ele ocorra. Você se sente mais conectado com a colônia em si, com os colonos e presta maior atenção no cotidiano deles.
Já pensou se o monolito citado no começo do texto me forçasse a fazer uso de abrigos especiais e estabelecer rotas de fuga? O quão mais importante não seria a vida dos colonos, a estrutura da colônia em si? Natural Disasters trouxe isso para Cities Skylines e eu me empolgaria horrores em ver essa mecânica explorada no escopo mais intimista de Surviving Mars.
Surviving Mars ainda está longe de se redimir dos seus defeitos, especialmente com os interesses econômicos falando mais alto do que todo o resto. O Resupply Pack, porém, mostra que ao menos no que diz do desafio endgame, a Haemimont Games já encontrou uma possível solução. Torço, muito, para que ela a evolua e monte uma estrutura a partir disso. Que venham mais monolitos, e que eu me preocupe com meus colonos da mesma maneira que me preocupei com meus habitantes em Frostpunk. Afinal, sonhar não custa nada (ainda).