“Um brawler / beat ‘em up com sistema de loot e níveis… Hmm.. Onde eu vi essa combinação antes? Ah sim! Em Dragon’s Crown. Ah, não, por favor, desse remédio eu não quero mais!” O tamanho da minha decepção com o jogo da Vanillaware foi tamanho que o anúncio de Young Souls (Steam / Xbox / Switch / PlayStation / Gamepass) me fez dar cinco passos pra trás de precaução, e o lançamento mais cinco. No entanto, como descobri, onde o estúdio de 13 Sentinels não conseguiu capitalizar no gênero a equipe da 1P2P conseguiu fazer essa combinação funcionar com um pouco mais de elegância.
A chave para o segredo não está tão distante quanto aparenta à primeira vista: diversidade e cadência. Dragon’s Crown foi construído como um beat ‘em up em primeiro lugar, e Young Souls, por outro lado, funciona mais como um dungeon crawler que usa o sistema de combate e progressão como alicerce para a sua história e seu sistema de loot.
Aliás, se tem algo que precisa ser destacado em primeiro lugar é a história de Young Souls. De um caráter simples que só, mas incrivelmente eficaz na mensagem; a luta dos irmãos Tristan e Jenn em busca de resgatar o “Professor” — e pai adotivo dos protagonistas — dos monstros da profundeza pode parecer balela, mas a equipe de roteiristas acerta muito bem nos temas de adolescência, crescimento, a dificuldade de entender a sua posição na família e, bem, o sentido de família.
A cereja no topo do bolo está para os diálogos, tanto em português quanto em inglês, que não soam engessados ou como um “adulto” tentando se passar por um adolescente. A interação entre os irmãos flui com naturalidade, um pegando no pé do outro, mas se unindo quando é preciso. Palavrões são usados com pontualidade, nada de higienização de diálogos aqui. Quem nunca foi adolescente e soltou um, ou vários?
Sendo alguém que, como muitos nesta vida, passou por todo esse rebuliço na sua adolescência, muitos dos cenários apresentados ressoaram comigo — família, entender a minha posição nela, entender se ela era de fato minha família ou se apenas me colocaram no mundo; temas que vão muito além desse artigo. A diferença é que a minha vida não teve monstros das profundezas, abduções, ou eu usando armaduras e espadas. Bem, houve uma vez que eu me vesti de pirata mas foi para uma festa de carnaval, mas eu era gordinho demais e, quando me agachei, rasguei o short. Patético.
Quando é hora dos irmãos partirem para a ação, Young Souls no geral não decepciona. A ideia de “reverter” (ainda que eu saiba que tais processos ocorreram em paralelo) e pensar em como adaptar um dungeon crawler para um beat ‘em up o torna uma excelente escolha, seja para uma sessão de 10 minutos para limpar uma “área” da dungeon, ou quatro horas ininterruptas de puro caos e loot. Apesar de que eu acredito que a segunda opção seja menos viável para a maioria das pessoas do que possa parecer.
Digo isso pois, debaixo de toda a estética carismática, vilões exagerados e uma ótima variedade de áreas, existe um jogo brutal que vai exigir toda a sua atenção. Eu, como sempre, decidi jogar no modo “challenging”, que é o recomendado pela desenvolvedora. Olha, bota challenging nisso. Era entrar em um chefão, tomar dois ou três tapões, meus personagens saírem voando da tela e eu já perder a partida.
Antes que deem meia volta e fechem a página falando “eita, então não é para mim”, o jogo conta com várias opções de dificuldade e acessibilidade que vão de reduzir a velocidade ou frequência dos ataques dos oponentes até o dano que eles causam. Dessas, usei apenas a opção de reduzir a quantidade de flashes na tela para as fases mais avançadas, já que quando Young Souls decide colocar muitos inimigos, são muitos inimigos mesmo, e o que era para ser um beat em up desafiador acaba virando uma zona.
Nota-se um incrível esforço da 1P2P para criar espaço para múltiplos estilos de jogo, mas ela acaba deslizando em alguns conceitos fundamentais de um beat ‘em up. Não há problema em o jogo ter muitos inimigos quando há uma noção boa de profundidade e posicionamento do personagem — situação que, infelizmente, é mais exceção do que regra nos jogos do gênero. Streets of Rage 4 e Fight ‘n Rage fazem muito bem isto, já Young Souls e seu visual meio “flat” torna difícil, mesmo que as suas “arenas de combate” não tenha muitos elementos visuais que possam causar “poluição visual”
Isto resultou em muitas vezes eu perder a noção de onde eu estava, quem eu estava atacando, e quais alvos priorizar; em outros momentos aparentava que os meus ataques “atravessavam” os inimigos. Não me afastou do jogo, mas permaneceu como uma farpa durante as horas e mais horas que joguei.
O que chega para salvar o dia é o sistema de loot e builds, que permite combinações e combos fantásticos. Young Souls permite partidas locais com dois jogadores ou modo solo. Mesmo que eu tenha jogado sozinho, ele garante uma dose competente de complexidade para que eu pensasse e repensasse as minhas builds.
Quando eu não estava tentando decifrar o que acontecia na tela, estava sendo agraciado com controles precisos e um delicioso sistema de combate, incluindo parry e combos, que incentiva a experimentação com diferentes armas e técnicas. Contra alguns chefões, por exemplo, eu usei uma espada de longo alcance; dava um parry para atordoar o chefão, imediatamente trocava para o outro irmão para continuar o combo e fechar com um golpe especial.
Mais uma vez, se isto soou demais para uma pessoa se concentrar sozinha, não se preocupe: Young Souls não é um daqueles games que pedem para que você faça min/max ou decore o que cada arma faz. Seu arsenal é, no máximo, conservador, e bem espaçado para entender a qual estilo você quer adaptar um dos irmãos. Você pode ter dois tanks, um deles focado em dano enquanto o outro absorve o dano, um com um acessório que aumenta a quantidade de itens secundários — como flechas e afins — e outro que é capaz de desviar de ataques com maior facilidade.
As melhores armas e equipamentos estão, é claro, atrás de desafios extras e seções opcionais — que o jogo tem aos montes. A campanha principal pode ser terminada em 15h e você pode acabar sem ver nem metade do que o jogo oferece. As seções opcionais alternam entre arenas de combate, sobrevivência, novos chefões e zonas inteiras que só são desbloqueadas com chaves especiais.
A 1P2P deixa claro que esse conteúdo “extra” é para quem tem interesse em jogar Young Souls até a barrinha de completar chegar em 100%. Ou seja, tenha os equipamentos corretos, melhore-os quando puder, e se prepare para um tiquinho de grind. Não de níveis, mas para obter materiais necessários para melhorar o seu equipamento. Esse é outro ponto que Young Souls poderia muito bem ter feito de uma maneira menos rigorosa. Os requerimentos são, na maioria do tempo, absurdos.
Mesmo depois de ter completado três zonas principais eu sequer tinha o dinheiro e os materiais necessários para melhorar as minhas armas sem que elas se tornassem inutilizáveis nas áreas opcionais. Eu arquei com as consequências e encarei o desafio, apanhei e aí subi de nível e consegui novos equipamentos. Por sorte há a opção de comprar um tênis que aumenta em mais de 50% a chance de drop de itens, o que virou parte do meu repertório no momento que obtive dinheiro para comprá-lo.
Por sorte isso são só alguns ajustes (entre tantos outros, como alguns bugzinhos ali e acolá) que a desenvolvedora pode muito bem fazer — e espero que faça — no futuro de Young Souls para que ele se torne uma experiência um pouco mais suave.
Se comecei Young Souls com receio que ele virasse outro Dragon’s Crown da vida, eu o termino com um imenso gosto de quero mais. Mais da interação entre os irmãos, da história, muito mais do combate – de preferência mais refinado – e mais dungeons para explorar. É cedo demais para pedir um Young Souls 2?
Young Souls
Total - 8.5
8.5
Entrelaçando história, exploração e um competente sistema de combate, Young Souls consegue transmitir o turbilhão que é ser um adolescente sem entender o seu lugar no mundo ou até mesmo na sua família. Entre os diálogos afiados e bem produzidos, há um bom dungeon crawler que — mesmo que ainda peça um pouco demais em questão de materiais e às vezes cometa uns erros bobos — é delicioso de jogar.