XCOM 2 era muitas coisas no lançamento, mas “decisões complexas na camada tática” não era uma dessas coisas. Por mais que eu gostasse dos meus soldados, um metagame fraco e o crescimento exponencial do poderio bélico que o tornavam fácil demais — resultou na minha decisão de deixá-lo de lado. War of the Chosen (PC, Xbox One, PlayStation 4) alterna completamente esta perspectiva.
Por mais que estruturalmente continue dentro do mesmo sistema de XCOM que conhecemos e amamos — turnos, overwatch, flancos e muita tensão —, War of the Chosen traz a mesma sensação que tive quando joguei The Long War — que adicionava considerável complexidade ao conteúdo de XCOM Enemy Unknown — maior do que qualquer DLC oficial. Todas minhas estratégias foram para a vala, a noção de segurança não existia mais. A narrativa muda de uma vez por todas de “Salvadores da Terra” para “Estamos perdidos e os Aliens estão no poder”, tom que me incomodava desde que a Firaxis lançou a sequência.
Ao contrário de uma temática central, como ocorreu com a inclusão da facção EXALT na expansão de Enemy Unknown (Enemy Within), War of the Chosen é composto por inúmeros pedaços que compõem um todo muito mais interessante. O principal fardo para atrair a atenção é carregado pelos Chosen, um grupo de alienígenas cujo propósito é eliminar a resistência humana e os soldados do projeto XCOM.
Em princípio podem parecer apenas como uma extensão do DLC Alien Hunters, que incluía novas opções de soldados de elite. A realidade, porém, é muito mais perigosa. Os Chosen possuem habilidades, fraquezas e habilidades específicas. Aquele papinho de usar overwatch, ficar atrás de uma proteção e flanquear? Esquece, isso não funciona com os Chosen.
Meu primeiro confronto com uma dessas monstruosidades foi horripilante. O palco era uma cidade destruída, o ponto de encontro entre duas das novas facções de War of the Chosen — os Skirmishes e os Reapers. A missão do modo história é facilmente uma das melhores desenvolvidas pela Firaxis. Um tom sombrio, uma demonstração do resultado dos poderes dos alienígenas sobre a Terra e o aprendizado da técnica dos Chosen — acima de tudo — os Lost.
Os Lost são a minha adição preferida em War of the Chosen. Classes podem adicionar variedade, novas facções oferecem mais formas de eliminar os alienígenas, mas em poucas vezes vi um design tão inteligente quanto o aplicado a esta “raça”. Superficialmente os Lost não passam de humanos modificados por um vírus alienígena, ou seja, zumbis. Um olhar mais atento mostra a resposta da Firaxis para uma das principais críticas ao XCOM 2, timers.
Sejamos sinceros, ninguém gosta de timer em um jogo de turnos. É uma tentativa de promover o avanço e por meio de pressão no jogador. Na prática o incentiva demais a cometer erros, de não aprender nada de táticas e ainda se irritar com essa falsa sensação de pânico ao ponto de desistir. Eu quase desisti muitas vezes em XCOM 2.
Como as Escalation Phases do inteligentíssimo Steel Division: Normandy 44, os Lost atuam como uma ferramenta de pressão natural. Com grupos que surgem a cada turno até que a missão seja completada, um soldado que eliminar um deles recebe uma ação extra — seja disparar, usar uma habilidade ou se mover. Consequentemente, ele aprende de maneira mais fácil como se movimentar pelo mapa, eliminar os Lost e entender como barreiras e campo de visão funcionam de forma eficaz.
Esse mesmo estilo de aprendizado também se aplica aos Chosen. Cada um deles usa um estilo específico, como Hunter, Assassin e Warlock, e, além das fraquezas, eles preparam tanto quem começou a jogar XCOM como quem já é veterano para algumas das mecânicas da expansão de uma forma excelente, pelo estabelecimento de uma narrativa gerada a partir de ações do jogador.
Em cada campanha os Chosen começam com um conjunto de fraquezas e resistências próprios. Da mesma forma que os seus soldados avançam e se tornam, de certa forma, mais íntimos ao jogador, um efeito parecido acontece com os Chosen. Lentamente ficam mais fortes, ganham novas características e traços emocionais.
Um pequeno toque do sistema de Nemesis, popularizado por Shadow of Mordor, é sentido tanto no desenvolvimento desses personagens como a adição de companheirismo entre os seus soldados. Entrar em uma missão contra um dos Chosen, vê-lo escapar, criar lembranças de como você prometeu a si mesmo a derrotá-lo definitivamente da próxima vez — é algo que faltava a XCOM 2.
Se você nunca ficou levemente abalado com a perda de um soldado, seja por ter gasto horas na personalização, ou por ele ter te acompanhado em tantas missões, você não jogou XCOM o suficiente. A inclusão de um sistema de laços de amizade amplifica esse sentimento, tanto mecanicamente como emocionalmente. Laços de amizades mais fortes significam maior eficácia no combate, habilidades passivas que podem garantir um turno extra, bônus de precisão. pequenos toques para imensas amizades.
O baque da importância do sistema veio em uma missão que um dos meus principais soldados, um que formou laço importante com meu franco-atirador, foi capturado. O evento deixou o franco-atirador tão abalado que a sua eficácia em combate consequentemente foi reduzida ao ponto de eu ter que tirá-lo da minha equipe principal — pois já estava na metade da campanha — e realizar uma missão de resgate. Foi um sucesso, a eficácia voltou, em partes, ao normal. Porém, o soldado capturado agora tinha mais chances de entrar em pânico ao ver um Chryssalid. Entendo ele — eu também entro quando vejo um.
Nem mesmo o sistema de propaganda, que permite você criar pôsteres personalizados no fim de uma missão ou em feitos impressionantes, deixa de ter relevância. Ao longo de missões ou dentro do Avenger vi minhas artes coladas nas paredes. É um toque que deixa XCOM, mais uma vez, um pouco mais humano, mais próximo de estabelecer a fantasia de que o jogador é de fato o comandante daquelas tropas.
Foi entender e trabalhar esse sistema de laços que me deixou mais empolgado com as novas classes. Vejo as novas classes como um sistema de soldados “elite”, que aumentam o leque de opções e promovem um maior equilíbrio entre uma aproximação cautelosa e um ataque em massa.
De um lado temos os Reapers, especialistas em se infiltrar e serem furtivos. Uma das habilidades especiais é o aumento da mobilidade e o modo de se esconder no mapa chamado “Shadow”. Basicamente, cada ação realizada pelo soldado pode resultar em uma chance ou não de ser descoberto. Caso não seja encontrado, ele se torna uma poderosa força para flanquear os inimigos. Do outro vem o Skirmisher, que faz parte de um grupo de humanos geneticamente modificados que escaparam dos ranques militares dos alienígenas. Armado com um gancho e uma metralhadora, ele é o sinônimo da mais pura força bruta. Separado dos dois estão os Templars, soldados voltados para o uso de energia mental e combate corpo-a-corpo.
Quem é veterano de XCOM 2 vai olhar e rir, pois sabe que no jogo base as três novas classes especiais desequilibrariam ainda mais o metagame. Mas, por alguma magia negra ou pacto, a Firaxis foi capaz de incluí-las em War of the Chosen e ainda tornar a curva de dificuldade agradabilíssima de se jogar.
Parte disso vem de ajustes em como a inteligência artificial analisa o mapa, como ela se utiliza dos flancos e pontos cegos. Os novos mapas trazem um aumento considerável na verticalidade e uso de áreas internas para tiroteios mais acirrados. Um deles, um conjunto de mapas que compõe um esgoto reforça o uso do gancho do Skirmisher para não sofrer tanta penalidade de precisão ou colocar outros soldados em risco ao tentar atravessar pontes. Agradeço mesmo é à minha Reaper, que com sua mobilidade extra resgatou dois soldados meus da morte certa ao conseguir posicionar-se e disparar dois tiros que, de quebra, a mantiveram oculta. Céus, só de saber que eu não tinha de me limitar às classes iniciais, com quem eu não tinha a menor afinidade, já valeu a inclusão das novas facções.
Junto a isso, três novos tipos de inimigos dos Advent, cada um também com mecânicas específicas, reforçam a ideia de que é preciso reestudar o campo de batalha. Armado com um lança-chamas, o Purifier foi o meu primeiro aprendizado, e também o mais doloroso. Inocente como nunca, peguei meu Ranger e pensei “Uma espadada e terminamos a missão”. Obviamente não pensei na possibilidade de o tanque de combustível o qual o Purifier carregava nas costas explodir. Lá se foi meu Ranger, um veículo e ainda retornei com dois dos meus soldados feridos. Um murro na mesa e um grito contido foram o suficiente para me acalmar. Fica aqui então a dica para não se aproximar deles.
Entre ter de lidar com amizades destruídas, soldados perdidos por tomadas de decisões estúpidas e ser atacado pelos Lost, ainda tinha de garantir que os meus soldados estivessem descansados. Sim, agora há um sistema de fadiga que é gasto de acordo com a duração e ações realizadas na missão.
Demorou, mas a Firaxis finalmente encontrou uma excelente forma de ensinar rotatividade de esquadrões. É comum alguém apostar todas as fichas em seis personagens por grande parte da campanha e perder a campanha quando um deles morre. Quatro missões sem mudanças no quadro de soldados resulta em uma equipe exausta e despreparada para o combate.
Já com receio de me estender demais e me tornar redundante, ainda há muitas pequenas coisas que a expansão traz consigo que são um alívio, uma dádiva, uma bênção. Nova iluminação, maior quantidade de mapas, a redução dos horríveis tempos de carregamento de missões. Enfim, menos trabalho para eu de fato conseguir aproveitar o que ele tem a oferecer.
War of the Chosen é de fato uma importante adição para XCOM 2. Todavia, a palavra-chave aqui é adição e, com ela, vem uma grande preocupação. Minha principal crítica ao sistema da Firaxis é a limitação de mecânicas e com esta expansão ele está no limite do limite tanto na camada tática como na estratégica.
As novas classes são ótimas, dão mais opções para o jogador, porém novos brinquedos não significam uma experiência mais relevante. Os Reapers têm as suas mecânicas específicas, assim como lutar contra os Lost. Até que ponto a desenvolvedora está disposta a colocar mais “botões para apertar” é onde reside a minha preocupação.
O problema fica mais relevante ainda quando se sai de uma missão e volta para a fraquíssima camada estratégica. Passam-se os dias, você constrói novas áreas na Avenger, realiza pesquisa e ataca black sites para impedir que o Avatar Project seja completado. Todas as novas funcionalidades são adicionadas no topo dela, variedade ao invés de profundidade.
Uma das funções que eram promissoras, mas acabam por ser um minigame tedioso são as Covert Ops. Nelas, você envia dois ou três soldados para uma missão com o intuito de obter recursos ou aumentar a sua influência para as facções. O que deveria ter um papel interessante de contra insurgência vira somente um ícone na tela. Nesse contexto XCOM 2 mais se assemelha a um jogo mobile com timers de “energia” do que algo que me faça me sentir engajado.
Sinto a mesma falta de engajamento que sinto ao me relacionar com as novas facções fora da camada tática. Os Reapers querem objetivo “X”? Não tem problema, eu realizo. Vou ter alguma satisfação disto? Nenhuma. É uma tentativa, falha, de justificar a criação de barreiras artificiais de progressão. Pode ter ajudado dessa vez, mas um raio não cai no mesmo lugar duas vezes. (Na realidade cai sim, mas não é bom contar com isso ao desenvolver sistemas de um jogo de estratégia).
O resultado recai para a injeção de mais história e “lore” no próprio XCOM. Compreendo a necessidade, principalmente por questão de acessibilidade para quem não conhece a franquia e precisa de motivação. Por outro lado, quebra o ritmo de partidas subsequentes, ainda mais com a maneira que a descoberta das novas facções está fortemente conectada a história. É como se a empresa já preparasse terreno para uma nova sequência, o que não seria surpreendente; porém para um jogo tão modular como XCOM 2, fazer a história tomar as mesmas proporções da narrativa que o jogador cria dentro das missões aumenta ainda mais a minha preocupação.
Me chame de alguém ansioso ou que sofre por antecipação, mas depois da falta de evolução e correção de mecânicas em Civilization VI, a última coisa que eu quero é uma Firaxis acomodada. Se XCOM foi a reinvenção e XCOM 2 a extensão remendada onde só as peças do tabuleiro mudaram de lugar, War of the Chosen é o refinamento. Agora é o momento para XCOM evoluir, quebrar a moldura que o prende e dar um passo adiante.
Se no fundo War of the Chosen é mais XCOM, é o “mais XCOM” que merece ser jogado. É a expansão que me fez deixar de ser alguém que não caiu de amores pelo original para alguém que decidiu passar noites na frente do PC em busca de “mais uma missão”. Dentro da moldura que o limita tanto no aspecto tático como no estratégico, é definitivamente melhor esforço da Firaxis desde Beyond the Sword para Civilization IV.
A análise foi feita com base na versão PC enviada pela 2K.
XCOM 2: War of the Chosen
Total - 9
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War of the Chosen corrige e refina as partes mais problemáticas de XCOM 2. Enquanto que a falta de profundidade na camada estratégica e um sistema tático que está no seu limite trazem preocupação, é o melhor momento para começar a resgatar a Terra da invasão alienígena. Te desejo muito, mas muito boa sorte nisso.