Reduzir a temática de Wolfenstein II: The New Colossus (PC, PlayStation 4, Xbox One) puramente a uma luta entre o bem e o mal e ao patriotismo é fazer um desserviço a sequência do reboot iniciado pela Machine Games em 2014. O shooter não traz consigo a binariedade de elementos que tipicamente se vê no gênero, mas uma carga emocional pesada, e muitas vezes, pessoal.
Não é à toa que os primeiros minutos do jogo, ocorridos praticamente depois dos momentos finais de The New Order, levam para o passado do protagonista B.J. Blazkowicz. Uma família desestruturada, um pai abusivo tanto com um filho quanto uma mãe. Para mostrar como Blakzowicz tem de ser um “homem”, seu pai o força a atirar em seu cachorro. Ao vê-lo incapaz de fazer isso, seu pai então o xinga por ser “fraco demais” e “que nem sua mãe”. Um disparo é ouvido e após isso, o enterro do cachorro – a pequena lembrança que o “mal” não necessariamente precisa ter uma forma ou ícone para se mostrar presente.
Blazkowicz, desde The New Order – e por mais que um olhar superficial sugira isso – não é o seu protagonista típico. Ele pode ser o personagem que o jogador controla, mas de longe não é o mais importante da trama, e The New Colossus reforça isso. Ele é uma peça de uma imensa engrenagem que é o ato de resistir. Grace Walker — líder da resistência em Nova York — a esposa de Blazkwozicz, Anya, Set; todos eles têm um papel fundamental na história. E todos são como um vaso de porcelana remendado — prestes a quebrar.
Você já conversou com alguém que perdeu tudo? Não digo puramente em um sentido material, mas também emocional. Alguém que já aceitou que tudo de ruim possível já aconteceu com ela, e que se piorar, não vai incomodar tanto quanto antes. Eu já tive uma conversa assim muitos anos atrás e ainda carrego as falas que essa pessoa compartilhou comigo. É como se brilho dos olhos dela tivesse ido embora, e fico com uma terrível sensação de desconforto quando me lembro.
O primeiro encontro do jogador como Blazkowicz com Grace me lembrou exatamente deste período. A história de uma mulher que já havia perdido a esperança, mas que estava disposta a tudo e o que aconteceria daqui para frente era algo “aceitável”. O tom com o qual ela descreveu a violência sofrida, as cenas de morte e assassinato, deixaram meus olhos marejados. E eu sabia que não seria a última vez durante a campanha que isso ia acontecer.
São raríssimos os shooters onde eu me encontro mais interessado na próxima cinemática ou pedaço de história, onde eu devoro itens colecionáveis no cenário ao invés de partir para a ação. The New Colossus sabe balancear o ato de contar uma história bem desenvolvida, criar situações engraçadas, mas acima de tudo, carregar um tom sério quando é preciso.
Tais momentos são as minhas preciosidades; os monólogos de Blazkowicz, devidamente pontuados entre a matança de nazistas, mostram alguém prestes a desistir de tudo, mas que tenta se agarrar aos últimos raios de esperança que encontra. Não necessariamente por uma causa, tampouco somente pela “liberação dos Estados Unidos”; mas por conta de seus amigos, do futuro.
Essa é uma mensagem que The New Colossus carrega com maestria, a pluralidade de etnias, interesses e pessoas de diferentes pontos de vista que, ao colocarem os conflitos de lado, são capazes de se unirem e realizarem feitos inacreditáveis. Poucos do elenco são de fatos soldados; são pessoas do cotidiano levadas ao extremo, onde a resposta é uma só: violência para a sobrevivência.
E por que violência? Mesmo que eu nem sempre concorde com tal método, permita-me usar uma citação que, datada de 1961, permanece muito relevante para o contexto de Wolfenstein II. No prefácio do livro The Wretched of the Earth de Franz Fannon, Jean-Paul Sartre disse: “Se violência fosse algo do futuro, se opressão nunca existiu na terra, talvez demonstrações não-violentas possam mitigar o conflito. Mas se o regime, mesmo em seus pensamentos não-violentos, é governado por uma opressão de mais de mil anos, sua passividade não serve nenhum outro propósito a não ser o colocar no lado dos opressores”
O livro, cuja análise se foca nos efeitos desumanizadores do colonialismo principalmente em relação ao continente Africano, serve aqui de contexto para separar o tom de Wolfenstein II: The New Colossus de um shooter como Call of Duty. Enquanto um advoga o nacionalismo a ponto de dar nojo, outro tenta demonstrar os efeitos dessa imposição na vida dos oprimidos. Os Estados Unidos são um pano de fundo para uma trama que vai muito além de suas fronteiras – uma trama sobre um problema global, e que, dado o contexto de 2017, tem sido um tema recorrente do cotidiano.
Como alguém que estava preparado para se apaixonar principalmente pelos aspectos do combate, ver esse tom, a interação dos personagens e o que a história quer passar é o que coloca The New Colossus em um patamar acima de tantos outros shooters. Vagava pelo Evas Hammer — o submarino que funciona como uma “base de operação” da resistência — em busca de mais detalhes sobre o pano de fundo de Grace, Anya, Set, e tantos outros, ao invés de simplesmente pular para a próxima missão.
O que não é algo necessariamente ruim, mas principalmente próximo ao fim do game, me sentia desapegado da jogabilidade em si. Não por ser decepcionante, mas por — em partes — ser o aspecto menos interessante do jogo.
Como tantos outros jogos, The New Colossus implementa um sistema de melhorias que teoricamente aprimora certos aspectos das armas, mas com certas desvantagens. É possível, por exemplo, fazer com que granadas se dividam em fragmentos menores para um maior dano em área — ou usar uma munição mais potente na submetralhadora com o viés de disparos mais lentos. Essa atitude induz o jogador a favorecer certas armas no lugar de outras, diferente de um sistema modular e que permite alterar habilidades o quanto quiser, como em RUINER. Essa metodologia entra em conflito principalmente com o sistema de perks que retorna de seu antecessor.
As perks permitem que o jogador jogue da maneira que ele bem desejar, confiando que suas ações serão recompensadas independentemente. Já a melhoria das armas o estimula a manter um ritmo conciso do início ao fim. Para que eu iria usar a submetralhadora se o meu rifle tem mais potência em eliminar alvos com proteção balística, basicamente metade do exército nazista?
O mesmo conflito se reflete na forma que as fases foram construídas, muitas delas com múltiplas rotas para o jogador solucionar um problema, mas que podem não ser vistas por conta de uma ou outra melhoria da arma que ele pode julgar “essencial” e sequer cogitar em explorar um pouco. O que é uma pena, pois o universo opressor de The New Colossus merece ser explorado e compreendido, ainda mais com a carga emocional que ele carrega.
E esse é o maior “calcanhar de aquiles” do game, pois o restante está exatamente como eu imaginava: uma imensa melhoria em relação ao original. A forma com a qual eu posso sair de furtividade para a ação frenética faz com que ambas as aproximações sejam igualmente satisfatórias.
Lembro-me de certa parte próxima ao final do game onde eu tentava com todas as minhas forças não soar nenhum alarme só para ver até onde eu chegaria sem ser visto. Eliminei um capitão — personagem especial que pode chamar reforços — e segui para procurar o segundo. Em certo ponto eu pensei “quer saber? Dane-se”. Empunhei duas espingardas automáticas e criei o caos. Corria, me esquivava, deslizava pelo chão para atrás de uma pilastra, me esgueirava para disparar enquanto verificava se havia alguma armadura próximo a mim, depois corria mais uma vez, jogava granadas, pegava equipamento no chão, prendia a respiração e depois a soltava com um ar de alívio. A essa altura já estavam todos mortos. Sádico? Talvez um pouco.
Independentemente da forma que completava as missões, o mais importante é que eu estava sempre no controle. The New Colossus foge de “setpieces” tão amadas em games como Call of Duty ou, mais recentemente, Titanfall 2 para trazer uma jogabilidade mais próxima ao do reboot de Doom. Era eu que decidia a hora de começar ou parar, como eu ia eliminar um inimigo, e tais traços tornam o jogador uma peça mais ativa.
É por isso que mesmo em seus piores momentos, sejam eles chefões — poucos, mas nem tão bem implementados — ou pela insistência de usar um sistema de “melhorias” insosso, sua trama, movimentação e combate fazem com que ele fique perto de alguns dos meus shooters favoritos.
Sabe quando dizem que “a verdade dói”? Pois então, enxergar a realidade de Wolfenstein II: The New Colossus dói muito. Ele não passa a mão na sua cabeça e finge que está tudo bem. É um jogo emocionalmente pesado e de dar nós no estômago. Pode se passar nos anos 60, mas a mensagem de união e resistência — de todas as maneiras — que ele carrega é atemporal. Não é sempre que somos agraciados com um shooter tão impactante e bem executado. Queria ter mais palavras para descrever o impressionante trabalho da Machine Games, mas infelizmente não tenho. Apenas jogue.
Wolfenstein II: The New Colossus
Total - 9.5
9.5
Conciso em sua execução, o enfoque na história em Wolfenstein II: The New Colossus é o principal atrativo do shooter, nos relembrando que shooters podem sim nos emocionar e nos envolver da mesma intensidade que outros gêneros da games. Além disso, ele entrega uma jogabilidade que, em sua grande parte, é soberba. Um novo patamar foi atingido pela Machine Games e dessa vez vai ser difícil de superar.