Quando anunciaram que Wasteland 2 chegaria para os consoles na forma de uma versão Director’s Cut, fiquei com mais pé atrás do que não sei o que. Conversões de RPGs para consoles raramente dão certo. Após 30 horas de jogo, o pessoal da Inxile chegou bem próximo de algo que me agradasse, mas não sem alguns deslizes acontecerem.
Minha jornada começou em um Arizona pós-apocalíptico, o jogador controla um grupo de Desert Rangers – algo similar a uma nova polícia – encarregado de resolver a morte misteriosa de um de seus companheiros de trabalho e um dos mais antigos membros dos Rangers. Parece simples, mas nunca é. Nunca é apenas um assassinato ou um pequeno problema.
Antes tendo o jogado no PC em 2014, já sabia em partes do que esperar dessa versão. Sua história alcança um escopo gigantesco sem sobrecarregar o jogador de informações e agora está melhor graças a novas quests, mudanças na atuação e mais linhas de diálogo.
Na versão PlayStation 4, usada para essa análise, o jogo oferece a opção de começar a partida com um grupo pré-definido de Rangers ou a criação de um personalizado. Opção ótima para quem não tem muito costume com RPGs mais complexos, pois a criação do personagem por si já é um metagame dentro de Wasteland 2.
Difícil é esperar que adicionar meia dúzia de pontos de habilidades de qualquer forma, começar a jogar e esperar por um bom resultado. Assim como em games como Baldur’s Gate, Icewind Dale, Pillars of Eternity, Fallout, essas decisões têm de ser muito bem pensadas. Uma habilidade a mais ou a menos pode pesar na consciência depois de 20 ou 30 horas de jogo.
Uma das novidades na criação de personagem é o sistema opcional de Quirks. Elas adicionam bônus e penalidades aos personagens, como por exemplo aumentar em 30% a chance de dano crítico do personagem em troca da redução de cinco pontos de armadura. Interessante e extremamente não recomendável para novos jogadores.
O sistema de criação de personagens por si só já é complicado, a não ser que realmente esteja disposto a enfrentar um grande desafio, deixe isso para uma segunda partida. Claro que não pensei duas vezes e coloquei as quirks mais ridículas que pude achar, como desviar de ataques críticos por desmaiar no combate.
Iniciada a jornada, não demorei muito tempo para me acostumar com os controles dos consoles. Movimentar o personagem é intuitivo, enquanto a câmera deixa a desejar. Há duas opções de câmera: Fixa e livre. Uma delas irá se fixar no personagem selecionado enquanto a outra permitirá navegar pelo cenário. Soa simples, só que mudá-las é um pequeno pesadelo graças a Inxile ter colocado um terceiro comando no mesmo botão de câmera, o que controla o log de aventura – área da tela que recorda tudo o que aconteceu nos últimos minutos, incluindo descrição de itens. Nem depois de muitas horas de jogo consegui me acostumar no quão bizarro era controla-la.
Para quem teve o desprazer de jogar versões capadas de Starcraft no Nintendo 64 ou Diablo no PlayStation 1, ver a interface de Wasteland 2 dá vontade de respirar aliviado. As principais habilidades estão dispostas em um menu radial acessível pelos botões frontais do controle e pula a necessidade de escolher o personagem que as possui para poder usá-las, função inexistente no PC. Seria bom demais para ser verdade se falasse que acertaram 100% na interface. Arrumar o inventário continua terrivelmente chato e cansativo. Começa por Wasteland não ser um primor tecnológico, portanto há um certo “delay” de resposta entre a ação e o que aparece no menu de inventário.
Achei que pudesse ser da minha TV, apesar de todos os outros jogos funcionarem sem problemas. Depois de testar em outras duas tive a certeza que de fato há algo de muito estranho ocorrendo nesse menu. O limite de peso por personagem – baixo quando comparado a outros do gênero – já não colabora com isso, agora pense em ter de organizar isso a cada uma ou duas horas? Não é minha definição de divertido.
A mudança para o novo motor gráfico Unity 5 ajudou, e muito, Wasteland 2. Não é apenas uma melhoria na iluminação, como nas texturas, modelos e animações. Fica ainda mais evidente quando botado lado a lado com a versão original, mostrando o trabalho espetacular da InXile de perceber os pontos fracos e melhorá-los de acordo.
Uma pena que as versões de console ficam limitadas a 30 quadros por segundo. O PlayStation 4 e Xbox One são capazes de mostrar gráficos melhores em uma taxa de quadros elevada. Seja por tempo ou falta de conhecimento da estrutura, espero que a InXile tome o seu tempo para conhecer melhor os consoles para seu próximo game.
Passado esse processo de adaptação, coisa que durou cerca de quatro horas, voltei a me lembrar o quão divertido é Wasteland 2. Um dos pilares que o torna tão divertido é a diversidade de ações e consequências que ele promove. Tudo tem mais de uma maneira para ser resolvida. Sabe aquela porta que não consegue abrir pois está sem lockpicks? Não tem problema, chute-a, jogue um explosivo, tenha ideias malucas e elas provavelmente irão funcionar. Isso se estende para a história também, nem sempre é preciso entrar em combate para resolver um problema.
Quando ele for inevitável – e acredite, isso acontece muitas vezes – Wasteland 2: Director’s Cut mostra algumas melhorias na variedade de encontros na medida em que, ao mesmo tempo, o torna irritante nos consoles.
Quem jogou a versão original ficará feliz em ver que a InXile adicionou a tão desejada opção de mira avançada, onde é possível definir que parte do corpo o personagem tentará disparar. Usá-la custará mais Action Points – pontos que cada personagem recebe no início do turno para realizar ações – por outro lado, caso acerte, poderá atordoar ou reduzir a armadura do oponente.
Quanto mais jogava, mais as decisões da interface me deixavam confuso, como por exemplo determinar automaticamente em quem o personagem deveria disparar sem alertar o jogador disso. Para dificultar mais ainda, o tamanho da fonte usada na interface é pequena demais para quem joga na TV, ainda mais em uma distância razoável. Mudar de Wasteland 2 para qualquer outro jogo de console era como da noite para o dia.
No que por um lado era irritante, o combate te conquista com as situações inusitadas que se desenrolam de acordo com as ações. Ficou na memória uma das batalhas que ocorreu bem nas primeiras horas, mas que alterou totalmente o curso da campanha. Na certeza de que ia vencer, fui apressado, posicionei os personagens de qualquer forma no campo de batalha e subestimei a capacidade que Wasteland 2: Director’s Cut tinha para acabar com a minha sorte.
Munido de um rifle, o meu médico deu um disparo crítico no inimigo, o que infelizmente não o acertou, mas sim outro personagem – que apelidei carinhosamente técnico em eletrônica – bem na jugular. Resultado: Ele morreu naquela batalha e a partir do momento que um personagem morre, ele fica morto para sempre. Wasteland 2 não mede esforços para mostrar que o Arizona pós-apocalíptico é uma terra dura de se viver. É justamente essa ideia de desafiar o impossível, de lutar contra o quase irreversível que é uma guerra nuclear que o torna tão interessante.
São as pequenas histórias por trás de cada rosto que encontrei ao caminho da aventura e como eu poderia muda-las que me cativou ao jogá-lo. Do primeiro NPC que você encontra ao comerciante andarilho, cada um deles revelam uma vida de sofrimento pós-guerra.
No meio disso tudo estava meu grupo de Rangers, pronto para os ajudar ou tornar a vida deles um inferno ainda maior. Como apontei antes, ações e consequências são alguns dos temas de Wasteland 2, você pode levar a conversa para muitos rumos apenas pelo modo de falar. Foi possível prevenir um combate que certamente me levaria a morte sendo simpático, enquanto em outro momento ameacei matar o NPC, seu cachorro e depois me alimentar de suas carcaças. Violento? Sim, concordo, mas era o que precisava fazer para me safar com vida do mapa. Pode se preparar para ler muito, pois sobreviver nesse mundo é metade conhecimento e metade força bruta.
Ainda que tenha lutado com a interface mais do que gostaria, Wasteland 2: Director’s Cut é uma das poucas experiências no PC e consoles que dá uma boa dose de liberdade para resolver os problemas apresentados. Ele coloca nas mãos do jogador a responsabilidade e espera que ele tenha capacidade de resolvê-los sem precisar de ajuda.
Em uma época onde os jogadores parecem esperar que o jogo dê a eles tudo mastigado, uma mudança como essas deve ser sempre celebrada. Uma experiência única que deve ser jogada por todo bom fã de RPG.
A análise foi feita com base em uma cópia enviada pela Deep Silver