Mais do que outras mídias ou tipos de entretenimento, a indústria de jogos passa por um dos seus momentos mais turbulentos. Por um lado, vemos o constante desejo de “inovação”, na tentativa de se destacar perante a maré de lançamentos anuais. Por outro, o medo de falhar é tão grande, ainda mais para projetos pequenos, que muitas desenvolvedoras aparentam voltar-se para o seguro, o que dá “garantia”, ou o pior: o que é nostálgico. De tantos gêneros, é o de estratégia que ultimamente mais tem sofrido com isso. Hora temos algo que tenta sacudir a estrutura básica normalmente associada a um jogo de estratégia — vide Thea ou Ancestors Legacy. Do outro temos a Crazy Monkey Studios e seu Warparty (Steam), que tenta nos lembrar de tempos áureos, onde as coisas eram mais “simples”, e as mecânicas mais fáceis de entender. Eu não gosto da ideia, nunca vou gostar – “Tempos áureos” é uma noção distorcida da realidade.
O período pré-histórico aliado com uma narrativa alternativa onde humanos dominaram os dinossauros – usando-os como montarias e afins – certamente salta aos olhos nos primeiros minutos. Me lembra períodos em que desenvolvedoras de estratégia não se limitavam a três arquétipos (sci-fi, fantasia e contemporaneidade), do tempo que a Relic apostava em Impossible Creatures, e a Big Huge Games seguia seu hit Rise of Nations com uma sequência Steampunk (Rise of Legends). A crítica não os perdoou; alimentou-se de qualquer deslize para regurgitar cada falha possível, cada desvio da norma vista quase como uma “traição” de uma comunidade que fez essas empresas crescerem.
Ao ver esses e tantos outros casos que seriam longos demais para citar no texto, é fácil compreender a situação da Crazy Monkey Studios. Ela tem tudo a perder, ainda mais sem o financiamento de uma corporação gigantesca. Ela precisa sobreviver, e o caminho que ela escolheu foi apenas revigorar o que consideramos um jogo de estratégia em tempo real com uma ambientação pouco vista atualmente. O que não quer dizer também que eu concordo.
Quem conhece o rufo dos tambores de um jogo de estratégia vai saber bem do que falo: comece a partida, colete recursos (não mais do que dois), cresça o seu exército – de preferência mais rápido que o inimigo – faça um rush na base dele e ganhe a partida. É ouvir a sua música preferida remixada… pela centésima vez. Humanos montados em dinossauros em Warparty? Nada mais do que a cavalaria pesada de Age of Empires 2 ou qualquer cavalaria montada que você viu na sua tela pelos últimos dez anos. Eles são bons contra unidades de ataque à distância, como toda cavalaria pesada. As unidades de longa distância funcionam como qualquer outra que você também já viu. Algumas provêm redução de dano ou armadura, regeneração, mas novamente, nada que foge aos padrões.
Isso não quer dizer que eu não goste do estilo; eu ainda gosto, mas Warparty faz pouco para me dizer “olhe para nós, não para eles, nós somos a nova novidade, o avant-garde dos jogos de estratégia”. Não, infelizmente é um jogo de estratégia formuláico, onde você tem a sua típica unidade heroica com poderes especiais, e os típicos arquétipos de cada unidade. As três facções disponíveis são tematicamente diferentes, e mecanicamente similares.
E não é que a Crazy Monkey não tente investir em algo relativamente “novo”. As unidades “heroicas” de cada facção tendem a ser o melhor, e também o pior, que Warparty tem a oferecer. O único aspecto de micro gerenciamento visto no jogo se concentra nelas, com suas habilidades especiais que vão da habilidade dos Vithara de curar unidades passivamente até os Necromas, que podem invocar zumbis toda vez que abatem uma unidade inimiga.
Justamente nessa primeira oportunidade de não ficar preso no design dos anos 90, a desenvolvedora se destrambelha e perde a visão. Desequilíbrio é a palavra-chave, incômodo é a consequência. As (poucas) partidas multiplayer que vi eram dominadas pelos Necromas e sua capacidade de invocação de zumbis. Pareadas com a chance de aumentar o poder de ataque e armadura, você acaba com um exército que efetivamente não tem custo, e pode ser rapidamente reposto se você souber como avançar pelo mapa, que tipo de inimigo atacar e quando atacar – o que não é difícil dado a baixa variedade de unidades. Como exemplo, é possível “rushar” uma base inimiga com zumbis e destruí-la antes mesmo que o inimigo tenha tempo de retaliar, só matando os minions — nome dado aos construtores e manufatores de Warparty.
Vou parecer um disco riscado a essa altura, porém esta é mais uma tentativa de resgatar o passado sem propriamente entender o que o passado pode nos ensinar. Faltou entender o que as unidades heroicas de Warcraft III faziam com o metagame, que se expandia muito além das fronteiras das partidas, ou como experiência em unidades pode transformá-las de algo mediano em algo precioso.
Mas eu não quero, nem ouso, jogar a culpa inteiramente na Crazy Monkey Studios e sua tentativa de criar um novo jogo de estratégia “clássico” com uma tintura nova. A dualidade em si de como enxergamos jogos de estratégia vai muito além de decidirmos se desejamos macro ou micro gerenciamento, se queremos inovação ou conforto. Vem da nossa dificuldade de aceitar novas ideias.
Tempos atrás, antes da publicação desse artigo, me lembro de comentar — e espero um dia escrever mais sobre isso — como Age of Empires III foi, e ainda é, um dos jogos mais “injustiçados” da série. Lançado em um mundo pós Warcraft III e pré-Starcraft II, a Ensemble Studios se via em um limbo de ideias e inovação. Mudar a temática da era medieval, que tantos amavam, era uma aposta ousada. Manter o estilo tradicional que o tornou um clássico, também era arriscado. Ela acabou por apostar no primeiro, com um sistema de progressão por “facção”, a possibilidade de enviar e trazer comboios da Europa (aqui abraçada na temática da “conquista” do novo mundo), e de forçar o jogador ainda mais a explorar. O jogo foi um “fracasso”.
Nos tempos de hoje, até o louvável Company of Heroes 2 — visto como um dos melhores jogos da Relic Entertainment — ou jogos como Sudden Strike 4, Battlefleet Gothic: Armada 2 (e a lista vai longe) tiveram ou têm algum tipo de progressão “fora da partida” ou resultante do seu desempenho da partida. Essas recompensas variam de buffs ou debuffs para as unidades a aumento de pontos de controle e por aí vai. Estaria então a Ensemble errada na sua decisão de guinar Age of Empires III para um novo estilo de jogo, ou somente à frente de seu tempo?
Isso que me frustra tanto quando olho para Warparty: a noção de que devemos existir unicamente em uma cápsula do tempo, lembrar dos tempos áureos sem termos a capacidade cognitiva de criticá-los. De que devemos nos manter presos ao estilo de estratégia popularizado nos anos 90, que é o “correto”, que é o “simples”, ou que é o “old-school”. Você não pensa, só age.
Warparty cai na mesma decepção que foi 8bit Armies em 2016, ou Empires Apart em 2017, ou Bannermen no começo de 2019. Construa um jogo de estratégia com base no arquétipo dos anos 90 e você eventualmente terá uma base sólida. Não é necessariamente errado, mas também não é necessariamente o que a comunidade — tampouco eu — deseja. Veja Age of Empires Definitive Edition: quantos se lembram da existência dele? Os que se lembram, viram nessa nova versão que foi um bom jogo para o período, mas que as suas falhas atualmente estão mais evidentes do que nunca.
Você não precisa sempre evoluir o design dos jogos, eu entendo isso; evolução não acontece da noite para o dia – é algo progressivo, lento, muitas vezes demora anos. Mas também não dá para ter mais um jogo de estratégia para ser jogado em uma pilha de tantas outras “homenagens”. Está mais do que na hora de sairmos da nossa zona de conforto. Como jogadores, como comunidades, como um todo.
Warparty
Total - 4
4
Com a temática pré-histórica sendo a única coisa que o separa dos inúmeros jogos que evocam o “espírito dos anos 90”, Warparty é aplicação do conceito “jogo de estratégia” da maneira mais segura e desinteressante possível. Não há dinossauro que o salve do tédio, não há tintura nova que me evite de pensar que eu só voltei no tempo. Tudo bem olhar para o passado, mas não dá pra seguir para o futuro ficando na pré-história.