Sabe aquele tipo de jogo que aparece no Steam, você lê o título, vê a capa e não dá nada por ele? Mas você é um teimoso e mesmo assim o pega? E depois disso ele consome uma manhã, uma tarde, uma noite, o horário do almoço e do jantar? Pois então, no mês de abril este jogo se chamou “Wall World” (Steam). Sinceramente, uma baita surpresa, se levar em conta que jogos de “defender uma base” tendem a não prender ou manter a minha atenção e estou um tanto desgastado deles. O segredo? Metaprogressão na medida certa.
Aqueles que são leitores mais assíduos do site ficarão assustados com tal afirmação acima. “Metaprogressão? Mas o Lucas não desce a bronca nesse sistema desde sempre?”. É verdade, eu detesto a maioria dos sistemas de metaprogressão. Vide “Rogue Legacy 2”, que “incha” o roguelite de forma desnecessária. Outros – ainda mais em jogos de cartas – tendem a ser usados como uma forma de “aprendizado”, mas só prestam para espaçar ainda mais a obtenção de novas cartas e, por consequência, falham em prender o meu interesse. No caso de “Wall World”, é o contrário. A sua premissa simples de controlar uma aranha, minerar e defendê-la é na realidade uma excelente receita para a inclusão de tal sistema.
Aliás, quem leu a descrição acima pode se lembrar de outro jogo recente que usa uma premissa similar: “Dome Keeper”. Embora similares em temática, sua execução não podia ser mais distante. Enquanto “Dome Keeper” foca em prover uma gigantesca caverna para você explorar, “Wall World” é sobre se manter em constante movimento e com múltiplas cavernas.
Cada run se inicia com você na base de uma gigantesca parede, um dos poucos locais seguros da Terra, agora que ela foi infestada por monstros. Seu objetivo é escalá-la com seu robô, encontrar cavernas, perfurá-las, obter matérias-primas e, em raros casos, cavernas especiais que possuem mais informações sobre a história por trás da infestação dos monstros.
Este é outro ponto que me faz gostar de “Wall World”: a sua história — ainda que escassa — já é um excelente pano de fundo para eu começar outra partida. Por que os humanos se mudaram para gigantescas paredes para sobreviver a monstros? Como isso aconteceu e como isso pode ser revertido? Acredite se quiser, a desenvolvedora Alawar Premium consegue entregar essas e muitas outras respostas de maneira bastante satisfatória.
Mas é na hora mesmo de partir para ação, ou melhor, escavação, que “Wall World” me prende. A variedade do layout de cavernas e onde estão as matérias-primas para melhorar o seu robô, seu equipamento ou sua torre de defesa são excepcionais. Outra vez a desenvolvedora acerta o ponto de equilíbrio entre nunca ficar demais em uma caverna (o que pode tornar entediante), mas também não fazer com que o jogo seja maçante ao decidir usar uma quantidade relativamente “baixa” de matérias-primas.
Outro ponto crucial para que a receita funcione é o “tempo limite”, por assim dizer. Você tem no máximo 15 minutos para completar todas as ações antes de um “chefão” aparecer. Ou seja, corra atrás de minérios e prepare-se para uma gigantesca batalha. Não se preocupe, você vai morrer a primeira, a segunda, a terceira e muito provavelmente a quarta vez.
Mas aí é que está a chave: são “só” 15 minutos. Não é uma partida de “Vampire Survivors” — outro jogo que eu adoro — que pode durar 30 minutos ou mais. Então começa uma jogadinha ali, outra acolá, e depois mais umazinha antes de dormir. Pronto, é assim que “Wall World” te fisga.
E como muito bem disse no começo do texto, a metaprogressão dele acompanha a sua progressão como um conhecido que anda ao seu lado, mas não de forma que te impeça de progredir, ou simplesmente para estender artificialmente o tempo de jogo. Duas ou três runs bem-feitas já mais do que bastavam para, por exemplo, liberar novos propulsores para a minha aranha, o que garantia uma maior perfuração na caverna, o que me salvava um bom tempo ao não ter que perfurar 10 ou mais pedras.
Quando não era isso, era um novo sistema de defesa como mísseis automáticos. O jogo, é claro, não termina por aí ou só depende da metaprogressão para existir. Há relíquias e outras habilidades raras nas cavernas. Não quero dar spoilers, pois encontrá-las foi um ponto de grande felicidade para mim. Mas, para dar uma palhinha, imagine você encontrar uma relíquia que libera o uso temporário de bombas para detonar cavernas? Isso vai mudar como uma run progride ou até como você navega pelas cavernas.
Da mesma forma, a dificuldade de “Wall World” progride de mão dada com todos os outros sistemas até então mencionados. Melhorou sua aranha robô? Então pode se preparar que a primeira onda de inimigos não vai ser a mesma da de quando você começou o jogo. A dificuldade dinâmica também se ajusta ao tipo de relíquia que você encontrou.
Se for para criticar algo do sistema de metraprogressão, é que infelizmente ele ainda é uma peça-chave para o funcionamento do jogo. Não é possível, por exemplo, estabelecer uma “run-desafio” onde você restaura a sua aranha para o modo original e tenta completar todo o mapa com ela.
Na realidade, eu acredito que isso venha a ser impossível, dado que algumas melhorias são quase essenciais para você desviar de certos ataques. Mas esse sistema não entrou na frente da minha diversão ou muito menos ficou me importunando para que eu desse mais atenção a ele. Tudo se encaixa com bastante naturalidade em “Wall World”, e se não fosse por esse sistema, acredito que “Wall World” teria me impressionado bem mesmo.
Eu vejo uma oportunidade imensa de “Wall World” se expandir com futuras atualizações — se é que elas virão ou não. Senti falta de diferentes tipos de biomas, de mais armas para o seu robô, de mais opções de mineração; elementos nos quais “Dome Keeper” tem a vantagem. Mas, pelo mero preço de R$10,89 — não que preço equivalha a conteúdo de qualidade — ele oferece muito mais do que eu imaginava, ainda mais considerando a quantidade de horas que ele prazerosamente engoliu da minha vida.
Ainda não sei se “Wall World” e “Dome Keeper” foram exceções à regra e netos bastardos do clássico “Missile Command”, mas se a indústria achar uma boa ideia continuar a lançar esses jogos com mecânicas ainda mais aprofundadas, eu vou ficar muito feliz, não só em cobrir, mas em colocá-los na minha rotação diária. Depois de tantos “Tower Defense” que usavam e abusavam da mesma base de “lanes” – sendo a grande exceção o fantástico e obscuro “Creeper World” –, ambos os jogos ofereceram a deliciosa variedade de que eu tanto necessitava. Se você busca essa variedade também, vai fundo, mas não me culpe se você perder uma tarde inteira jogando “Wall World”.
Wall World
Total - 9
9
“Wall World” mostra que metaprogressão não necessariamente é algo negativo; pelo contrário, ela pode muito bem andar de mãos dadas com o jogo quando bem usada. Aliado a um sistema de exploração revigorante, mecânicas de defesa de base competentes e – para a minha surpresa – uma boa história, o título da Alawar Premium é uma ótima adição para 2023.