Não é costumeiro eu me arrepender de uma crítica, mas olhando os anos que se passaram no Hu3Br e a cobertura que dei a alguns jogos, fica difícil não m edecepcionar. Em 2018 eu dei ênfase a Bard’s Tale IV, um jogo decepcionante que, na minha visão, era o tão “esperado” lançamento da InXile. Vaporum, o dungeon crawler da Fatbot Games, lançado um ano antes, ficou para escanteio. Agora com a sua “sequência” — Vaporum: Lockdown — lançada (Steam / GOG), eu não quero que isso aconteça de novo. Afinal, a Fatbot Games não só produziu um dungeon crawler competente, como também um dungeon crawler consistente.
Como o jogo de 2017, Vaporum: Lockdown segue o conceito revivido por Legends of Grimrock, e retirado das páginas amareladas de quem tem uma cópia física do clássico Dungeon Master de 1992. Movimentação em grid e combate em tempo real, uma base que considero sólida para desenvolver um Dungeon Crawler. Não é à toa que Legend of Grimrock fez sucesso e sua sequência expandiu o mapa com mais conteúdo. Todavia, o sucesso não chegou para Legend of Grimrock II da mesma maneira que o original.
Não culpo a Fatbot Games por seguir uma receita “pré-pronta” e não arriscar demais; afinal, Vaporum: Lockdown era para ser uma expansão, mas cresceu em escopo até se tornar um prelúdio dos acontecimentos do jogo original. Como uma maneira de “compensar”, a desenvolvedora redobrou os esforços em dar uma maior atenção a história — com uma ótima protagonista — proporcionar puzzles melhores, e alguns refinamentos agradabilíssimos.
Veja bem, no fundo do meu coração o que eu queria mesmo era um Vaporum 2 – e há ótimos motivos para isso, os quais eu descrevo mais abaixo. Mas levando em conta a “seca” dos últimos anos — onde jogos como Das Geisterschiff e Der Geisterturm tentam tapar buraco em meio a mais um dungeon crawler medieval genérico — a estética “Steampunk” de Vaporum: Lockdown funciona mais do que bem para quebrar essa monotonia. Não digo só em um aspecto visual, mas também de jogabilidade.
Vaporum já seguia um estilo de combate próprio, mas carecia de uma identidade mais forte. Lockdown resolve isso ao introduzir uma maior variedade de builds que não só condizem com o universo, mas também te dão opções mais divertidas ao lutar contra inimigos e o ambiente.
A build que usei entre 2017 e 2018 em Vaporum se focava em ser o mais durável possível. O que, convenhamos, nem sempre é a maneira mais engajadora de se aventurar por um dungeon crawler. Morri poucas vezes, mas cada batalha durava uma eternidade.
Para a protagonista Ellie Teller, de Vaporum: Lockdown, eu escolhi um Exo Rig (nome dado a roupa usada na torre onde o RPG se passa) focado em combate, e lá pela metade da história eu me arrisquei em criar uma build “híbrida” com uns requintes de “magia”. Funcionou surpreendentemente melhor do que eu esperava. E, agora que sento para escrever essa crítica, vejo que a decisão de uma build híbrida foi ótima; creio que teria me dado muito mal – ou ao menos teria uma dose extra de dor de cabeça – com certas lutas.
Um dos “problemas” mais notáveis em dungeon crawlers com combate em tempo real é a facilidade de se esquivar dos ataques de inimigos. Legend of Grimrock ficou bem conhecido por isso e até virou um jogo “fácil”; tudo o que o jogador precisava fazer era decorar o tempo e trocar de tile antes que o inimigo atacasse. O primeiro Vaporum já tinha acabado com esta festa ao colocar inimigos mais perspicazes em relação ao posicionamento. Lockdown vai além aumentando a variedade de ataques e melhorando a IA no geral.
Tenho um imenso respeito e admiração por desenvolvedores que melhoram a IA; como já muito bem pontuei em inúmeros textos, IA não vende jogo e a Fatbot em momento algum mencionou tais melhorias. Você enxerga isso enquanto explora as dungeons e derrota inimigos.
Isso é tão recompensador que é difícil de pôr em palavras quando uma equipe tem tamanho cuidado com seu projeto. Adoro Dungeon Crawlers, mas me apaixono por eles ainda mais quando o seu âmbito vai além de oferecer pontos de experiência e equipamentos melhores.
Para você ter uma noção, até os inimigos que retornam do Vaporum original estão com padrões de ataque diferentes. Eu fiquei encurralado por dois ratos no tutorial — os mesmos ratos que três anos atrás eu tinha despachado como se fosse nada. Se a minha experiência de combate te assustou, não se preocupe; Vaporum e Vaporum: Lockdown possuem um modo opcional — Time Stop — que deixa você “congelar o tempo” por tempo indeterminado para que pense na próxima ação. Não chega a ser um sistema de turnos, mas um meio termo para quem não gosta de ficar desesperado quando dezenas de inimigos pulam em você. Pensando bem, eu devia ter aproveitado mais esse sistema; creio que eu teria gasto menos itens de cura, droga!
Entretanto, ele não me salvaria de falhar dezenas de vezes nos novos puzzles. Eles ainda seguem a estrutura “sokoban” de empurra / puxa caixa presente no Vaporum original e Legend of Grimrock, mas dessa vez a desenvolvedora não hesitou em colocar mais camadas de lógica (como uma caixa + uma alavanca + timings específicos ou bolas de energia que ativam em intervalos diferentes) ou buracos que te matam instantaneamente.
Para demonstrar a minha incapacidade de resolver quebra cabeças — antes que algum de vocês pense que eu sou um gênio nessas coisas — eu esqueci de reativar uma alavanca para fechar um buraco e dei um passo para trás. Morri e tive que voltar para o último save de 30 minutos. Depois dessa o quick save virou meu melhor amigo.
Chega a arrastar o jogo para baixo? Não, porém acredito que daqui para frente a Fatbot precisa olhar um pouco mais além das suas atuais fontes de inspiração. Clássicos como Bard’s Tale I-III, Ishar ou até Might and Magic — ao menos até o quarto jogo da franquia — usavam um sistema de grids e ainda conseguiam passar a ideia de um mundo abrangente.
Mas, ainda que eu some todos os refinamentos trazidos por Vaporum: Lockdown, eu ainda queria que a Fatbot tivesse expandido um pouquinho mais a ambientação do jogo em si. A narrativa é bem conduzida com a nova protagonista, mas entregue demais via texto ou audio logs. A trilha sonora e os efeitos sonoros são fantásticos — a sensação claustrofóbica de estar preso em uma Exo Rig, os barulhos que ela faz ao se movimentar, os bizarros contorcer de metais e os vapores na distância me fazem sentir que estou em uma torre que não conheço. Mas aí eu me movimento e minha mente me fala: “não se esqueça, você ainda está em um dungeon crawler, você ainda está teoricamente navegando para baixo mesmo que o jogo indique que não, a maioria das ações que você fará são lineares”.
É por conta disso que eu sonho com um Vaporum 2, com mais história sobre a torre de Vaporum demonstrada de um jeito visual. Quero adentrar uma sala e não ver só barris, pedaços de metais espalhados ou linhas de produção, mas também uma área para descanso de funcionários, manutenção de robôs. São esses detalhes que dão uma dose extra de pertencimento, que criam um mundo onde eu posso olhar e falar “alguém viveu por aqui, ou ao menos usou esse lugar para algo”. Nem que fosse uma pequena cantina, nem que bloqueasse um ou dois tiles — só me dê algo para atiçar a minha imaginação.
Porém, como bem disse bem no começo do texto, Vaporum: Lockdown é mais Vaporum 1.5 do que Vaporum 2, e estou mais do que ciente das atuais limitações da Fatbot Games — e da bela audácia de lançar um dungeon crawler em 2020 — e como mesmo assim conseguiu usar a uma estrutura que aparentava já ter “dado o que tinha para dar” ao seu máximo. Se isso garantir que daqui a três, quatro, cinco ou seis anos nós tenhamos Vaporum 2, me dou por mais do que satisfeito.
Vaporum: Lockdown
Total - 9
9
Levando em conta que Vaporum: Lockdown surgiu como uma expansão para o jogo base, o trabalho da Fatbot Games em ampliar uma estrutura similar e entregar algo refinado é fantástica. Uma ambientação mais envolvente e outras formas de explorar a narrativa além de audio logs e texto seriam ótimas surpresas. Espero encontrar o que faltou em Vaporum: Lockdown em um futuro Vaporum 2 que, por favor, precisa acontecer.