Em uma ponto da quest principal de Final Fantasy XIV: Stormblood, você é obrigado a falar com um personagem que está do outro lado da cidade três vezes para avançar a trama. Essas três vezes poderiam ter sido resumidas em uma cinemática. Independentemente do resultado, o MMO da Square-Enix me perguntava até onde eu realmente me importava com a história. E, Vampyr (Steam / PlayStation 4 / Xbox One), é especialmente bom em fazer isso por mais de 25 horas.
Com a sutileza de uma marreta, a nova aventura da DotNod (Life is Strange) pergunta a você “o que é ser um vampiro e quais as decisões você vai tomar sendo um?”, antes de perguntar a si mesma se ela é capaz de dar essas respostas. O protagonista, Dr Jonathan Reid, está tão perdido quanto a trama que ele tenta seguir: largado no mundo como um recém tornado vampiro, preso a uma Londres que sucumbe a um estranho caso de gripe, sedento por sangue e explicações.
Mas antes de ter qualquer explicação, Reid precisa aprender a lidar com a sua nova condição de vampiro — a “necessidade” de sangue, de “matar” para sobreviver. E que forma melhor de aprender do que um sistema de escolhas? Seja você o juiz, júri, e executor dos habitantes de Londres. Decida quem vive ou morre, quem merece ver o nascer do sol, ou sucumbir diante da noite infinita. Ah, se fosse tão simples escolher… ironicamente, na realidade é. Muito fácil, aliás.
As melhores decisões, ou as que têm um impacto intenso, são aquelas que você faz quando está sob pressão, ou cujo impacto você é ao menos parcialmente incapaz de perceber. Vampyr não faz nem um nem outro. Com medo de que você possa se confundir ou se perder, ele deixa tudo claro como água cristalina vinda de uma nascente. Quatro distritos, dezenas de personagens — você escolhe quem vai ser curado ou vai sucumbir à estranha gripe. Vá até os distritos para prosseguir com a trama, converse com essas pessoas, entenda o passado delas, e decida o futuro de cada uma.
O que era para ser um instrumento de empatia rapidamente se torna um de apatia quando Vampyr decide que um diário (com nomes de locais ou NPCs) é um luxo, ao invés de uma necessidade. Eu sou relativamente bom em memorizar coisas, especialmente números, mas eu não conseguia — nem se me pagassem — decorar todos os nomes de todos os personagens com quem eu cruzei na história. O jogo te oferece só uma imagem e as dicas que você liberou via conversação – dicas essas que servem para “enriquecer” o nível da experiência obtida caso você decida matá-los.
E grande parte do jogo gira em torno dessa tensão. Matar ou não matar? Se eu não matar ninguém, Vampyr teoricamente se torna mais difícil, já que a maneira mais rápida de ganhar pontos de experiência é justamente tirar a vida de civis. Na prática, as três horas iniciais e as cinco finais realmente colocam esse sistema à prova. Passei o resto do tempo sendo uma babá dos habitantes. Vá até o esconderijo (afinal, você é um vampiro), crie medicamentos, e entregue a quem estiver adoecido. Escassez de remédios em meio uma epidemia? Não na Londres de Vampyr!
Seria mesmo Londres? Indago, pois os nomes das regiões são iguais — Whitechapel, East End, West End — mas o jogo raramente consegue passar uma noção real de que você está na cidade. Ruas claustrofóbicas, a constante escuridão da noite e a neblina (talvez a única coisa típica de Londres) dificultam a sensação de estar presente em mundo “real”. Salvo menções de acontecimentos do período, como as sufragistas ou a Grande Guerra, você não se sente parte de uma cidade maior, especialmente uma englobada em uma epidemia. Até os próprios distritos — a não ser que você avance na história — parecem ser divididos por barreiras tanto reais (portas trancadas), como imaginárias (os sistemas e acontecimentos); uma ótima ferramenta para impedir o avanço de uma gripe no mundo dos jogos.
Como um vilão cujo monólogo é longo demais para perceber que o herói (ou a heroína) está desfazendo seus planos, Vampyr se pega envolto nessa falácia de “escolha” por muito tempo até perceber que, no fundo, ele é linear demais. Quebre um pouco as barreiras, saia um pouco do caminho desenhado pela DotNod, e você vai quebrar a “lógica”. Não falo de bugs – mesmo que o ocasional “personagem preso em uma parte do cenário” ocorra – mas sim dos diálogos entre Jonathan Reid e os habitantes de Londres.
Em um certo momento do jogo eu fui para West End, a área “rica” de Londres, indagar sobre uma possível conexão da região com a gripe e os membros de uma suposta “sociedade de elite” dos vampiros. Antes de avançar na história, porém, decidi conversar com alguns dos moradores da região. Por eu não ter seguido o “roteiro” da DotNod em relação a qual ordem eu devia conversar com essas pessoas, destravei linhas de diálogo que sequer sabia para que serviam. A mulher com quem acabei de falar tem uma irmã? Deixa eu ver no meu diário— ah sim, esqueci que Vampyr não tem. Sim, isto inclui até mesmo uma breve descrição dos habitantes; se não fosse pelo meu fiel bloco de anotações, tudo isso teria se perdido na minha mente.
Voltei para as docas (uma das áreas iniciais) para entregar um remédio e aproveitei para completar uma sidequest que faltava. Uma moradora havia perdido seu colar, e o filho dela pediu minha ajuda para achá-lo. Oh, céus, que perda terrível. Londres sucumbia à gripe e lá estava Jonathan Reid em uma busca de “onde está o Wally” por um colar. Eu o encontrei depois de questionar outras pessoas da região, usar um pouco da típica “detective vision” (no caso de Vampyr, apertar o analógico esquerdo faz o mundo ao seu redor ficar cinza e você só enxergar rastros de sangue) entreguei para ele e ganhei 100 xelins. Não, não tinha nada demais por trás – não que toda quest precise ter – mas ao menos me dê algum relato mais interessante, faça com que eu me sinta parte daquele mundo. Usar o detective vision, um dos sistemas menos recompensadores para se resolver um caso de investigação, só diminuiu a impressão de que eu causava de fato um impacto naquele ambiente. O gosto só fica mais amargo ao pensar que 2018 também foi o ano em que eu me apaixonei pelo fantástico Pillars of Eternity II.
Eu estava — e ainda estou — frustrado. Queria interagir com as pessoas, mas raramente sentia vontade, pois via como uma obrigação ao invés de uma conveniência. Eu esperava uma evolução do sistema de diálogo de Life is Strange – ainda o melhor jogo da DontNod – e fui apresentado a uma involução dele. Fulano podia até ter uma história interessante para me contar, mas no fim do dia ele não era mais nada do que um saco de “experiência” pedindo para ser morto. E, ainda assim, só matei uma pessoa por conta própria.
Como falei, o sistema de “decisões” só é posto à prova nas horas iniciais, e finais, de Vampyr. De resto ele simplesmente está “lá”; presente, mas sem importunar o suficiente para que eu me importasse. Experiência só pode ser usada para uma coisa: aumentar a sua capacidade de combate, já que a habilidade de hipnotizar e matar pessoas é — mais uma vez — atrelada à narrativa (avance e você terá como hipnotizar habitantes de níveis mais altos que o seu).
O combate é claramente inspirado pelo gerenciamento de stamina e ataque de Bloodborne. Por mais que seja a parte que, junto com a trilha sonora, “melhor funciona” em Vampyr, não justifica matar as pessoas para isso. Ele está presente em menos da metade do jogo, inimigos raramente são uma ameaça e, quando são, você quase sempre tem uma maneira de despistá-los.
Minha maior interação com os habitantes — além da ocasional sidequest que raramente provia alguma recompensa ou linhas interessantes — era obviamente cuidar da saúde deles para que o distrito no qual eles habitam não se tornasse um território hostil. Esse é outro ponto forte de Vampyr que, teoricamente, é sufocado pela sua linearidade e necessidade de garantir que você tenha todas as ferramentas e oportunidades de ver “tudo” em uma só jogada. Não há crise de remédios em Londres, pois é você quem os fabrica, e os materiais podem ser encontrados em qualquer lixeira da região. Tensão em decidir quem vive, ou quem morre? Quem dera; o máximo que eu fiz foi me despencar de um lado ao outro de Londres e entregar medicamentos. Fabrica, entrega, cura. Fabrica, entrega, cura.
Me tornei uma linha de montagem de remédios, uma farmácia ambulante, e fiquei apático ao sofrimento dos habitantes de Londres. Me tornei apático até mesmo em relação à história, e suas reviravoltas são ritmadas como uma bateria de escola de samba. Tem cara de vilão? Então pode ter certeza que há algo de errado. Nem mesmo o enredo por trás da busca de Reid por um lugar no mundo foi capaz de impedir um bocejo.
Até tentei criar alguma esperança para que o enredo principal trouxesse um pouco mais de valia para as minhas escolhas. De certa forma trouxe, se não fosse o fato que Vampyr tenta ao máximo influenciar as escolhas. Não quero entrar em spoilers, mas o final de cada capítulo é marcado por uma decisão importante; que é praticamente aludida o tempo todo que você estiver naquele capítulo. Algo como “olha só, viu? aquele é o vilão” paira sobre todo o diálogo que envolvia algum acontecimento importante. Foi uma escolha sua, ou você foi condicionado a aceitar aquilo como verdade? Pelo tom que Vampyr usa, está mais para a “rota” que ele espera que você siga. O final “verdadeiro”, sem espaço para ambiguidades. O Bem ou o mal? Esperava que essas divisões fossem menos óbvias em Vampyr.
Como Reid — cujo objetivo na vida teoricamente era salvar vidas — apatia não é o meu forte. E Vampyr, ao gerar esse sentimento, também não conseguiu me prender. Ele fazia as perguntas erradas, e me dava respostas ainda mais erradas ainda. O que é ser um vampiro? Eu não sei. Raramente me senti um, não tinha desejo de sangue, tampouco me senti um “excluído” da sociedade. Se você remover o fato que suas habilidades usam sangue (e, diferentemente do sangue que você tira dos civis, este pode ser obtido de inimigos), nem mesmo Vampyr lembra que você é um vampiro.
Vampyr está tão envolvido no seu amor próprio pelas suas “escolhas”, e em querer gerar uma falsa tensão de uma Londres carente de esperança, que se esquece que ainda é um jogo – e que, como tal, precisa ser jogado, fornecer interações relevantes, e prover motivos para essa interação. Ele tropeça em si mesmo, na sua própria ambição, no seu próprio orgulho. Londres, no fim das contas, só é mais um invólucro para um jogo. É tão morto quanto os vampiros que a habitam, tão sem alma quanto o ato de matar um inocente em uma viela. Se depender de mim, que Londres queime na calada da noite.
Vampyr
Total - 5.5
5.5
Tão preocupado em te dar opções, mas nunca demais; em criar tensão, mas incapaz de te incentivar a arriscar, Vampyr se afoga na sua própria premissa. Gera apatia em relação a uma história previsível, e para com uma Londres que não passa de um conto - um bonito, bem estruturado, bem modelado, e vazio conto.