Decidir escrever sobre Uurnog Uurnlimited me colocou em uma posição complicada: como você reflete sobre um jogo que se encaixa dentro de um gênero, mas foge de todos os padrões dele? Como é ver o todo – as partes que o compõem – equivaler a nada? Se essa descrição já deu um nó na sua cabeça, essa é a essência dele – nós infinitos que se desentrelaçam à sua frente.
Imagine por um instante que você está em uma confeitaria, e à sua frente está um bolo de camadas sendo preparado. Uma camada, um recheio, outra camada, outro recheio. Assim é a evolução das mecânicas que compõem um jogo, a metodologia aplicada pelo desenvolvedor para te manter preso a ele, para te fazer seguir em frente. Shooters podem adicionar novas armas; RPGs, novas magias e progressões de níveis; jogos de estratégia liberam novas unidades ao longo da campanha. Jogos que envolvem quebra-cabeças não necessariamente seguem essa progressão (apesar de muitos deles irem acrescentando novas peças ou conceitos ao longo do jogo).
O conceito de quebra-cabeça por si só tende a ser colocado para escanteio quando aplicado a um gênero do qual ele não é o carro-chefe, e quando ele é, tende a seguir a mesma receita de bolo. The Witness, por exemplo, te dá uma base de ensino – o ato de traçar uma linha do ponto “A” ao “B” – e depois aplica variações ou redefine regras; todas essas dentro de um sistema rígido. No caso de The Witness, o puzzle é o objeto e a solução a consequência. Uurnog? Uurnog torna o puzzle uma consequência, a consequência da exploração.
E, sim, eu sei que a última frase deve ter feito você acirrar os olhos e pensar “Do que diabos ele está falando?”. Mas, imagine que você pegue a liberdade de um immersive sim (Thief, System Shock, Dishonored) e aplique a um puzzle game. Soa maluco? Demais, porém funciona.
Uurnog te dá um único objetivo: colete “X” itens espalhados pelo mapa; estes, vão de animais a blocos específicos. O conceito de blocos é o primeiro elemento para que o game funcione. Todos os elementos do game são considerados blocos. Um animal é um bloco, um inimigo é um bloco, um bloco é um bloco, uma chave é um bloco. A estética obviamente diverge entre eles, mas a funcionalidade básica – carregar, arremessar, guardar no inventário, ativar uma ação especial – atua como uma base que traz familiaridade, você não fica preso ao tentar entender o que “A” ou “B” faz, mas como atuam no cenário.
Sem exageros: as minhas primeiras duas horas de Uurnog foram unicamente focadas na exploração. Nem expansivo demais como um Metroid, Hollow Knight ou The Witness, mas também não linear o suficiente, ele dá indicadores que sempre te deixam com uma pulga atrás da orelha. “O que será que tem ali depois daquele desfiladeiro?” ou então um “Aquele bloco me parece estranho, como movê-lo?”. Ele mostra e esconde no grau certo, sempre com leves empurrõezinhos para que eu fosse adiante.
Ia adiante, encontrava uma chave, abria uma porta e me dava de frente com um mundo psicodélico com uma trilha sonora em constante mudança (com um singular sistema de geração procedural sonora que altera o tom das notas de acordo com as ações do jogador) e seres enigmáticos. Alguns passos a mais e me deparava com um bloco diferente que, ao utilizar, dava um resultado diferente do que tinha visto até então; um bloco-inimigo me dava a habilidade de disparar projéteis e eliminar outros blocos-inimigos. Já um bloco com a seta para cima permite com que outro bloco seja inserido dentro e atue como uma catapulta.
Blocos, blocos, blocos, blocos. Quando percebi estava na Save Room – uma sala onde você acessa diferentes mundos e pode armazenar equipamentos (que também são blocos) – empilhando blocos. Era bloco-dinheiro, bloco vermelho, bloco azul, verde. Um arco-íris de quadrados.
A essência da Save Room é o segundo elemento mais importante de Uurnog. Toda vez que seu personagem morre, ele é automaticamente transportado para ela e todos os supostos quebra-cabeças dos mundos são retornados para seu estado original; as únicas coisas que permanecem no mesmo estado são itens armazenados nessa sala. Como, então, você decifra qual é a solução correta para um quebra-cabeça? Simples, não existe.
Uurnog basicamente dá a liberdade ao jogador de esbarrar em um puzzle como consequência da exploração. O mesmo puzzle eu resolvi de inúmeras maneiras. Já fui de empilhar blocos para pegar um dos animais que faltava na coleção a fazer uma bizarra catapulta de blocos onde o ativar de um gatilho causaria uma reação em cadeia, empurrando outros blocos que por sua vez explodiriam uma parede. O motivo de eu ter feito uma arapuca desse tamanho? Me pergunto o mesmo. Só sei que eu empilhei blocos suficientes para desenvolver soluções mirabolantes e andava com eles para lá e para cá no meu inventário, que permite que eu carregue quatro tipos de blocos por vez.
Essa falta de rigidez e subversão de expectativas é onde Uurnog prega peças no jogador. Em incontáveis momentos ele é assustadoramente obtuso e frustrante, mas nunca ao ponto de me querer fazer desistir. Felizmente, anos dando murro em ponta de faca para resolver quebra-cabeças em Myst 1-5 treinaram bastante a minha paciência.. Pisei em bloco que me fez morrer pois não sabia que ele era aparentemente venenoso (e adivinhe, o personagem controlado pelo jogador também conta como um bloco). Esbarrei em explosivos. O que mais doía era ver que tinha chegado tão longe em uma possível solução para acessar uma área e sem querer pisei em falso e morri, sabendo que tudo voltaria ao seu estado original. Nessas horas é que eu respirava fundo, contava até 10 e me lembrava que ao menos na Save Room eu tinha blocos suficientes para tentar de novo sem gastar outros 30 minutos coletando-os.
Mas o mais incrível de tudo que vi foram as lutas contra chefões. Sim, chefões.
Como se luta contra um “chefão” sendo que Urrnog nem mesmo tem uma estrutura rígida? Com a melhor arma da humanidade: a imaginação. Fui armado com blocos que disparam, blocos que explodem contra um chefão voador e nada deu certo. Minha ideia? Sobreviver o suficiente para deixar alguns blocos, voltar para a Save Room para buscar mais e fazer uma minitorre da destruição. Assim que o chefão chegou próximo a ele, ativei um dos blocos gatilho e o arremessei. Ah, aquele gosto de satisfação de ter criado uma solução com ferramentas inusitadas!
Também extraio de Uurnog a mesma satisfação que tenho ao jogar o então em desenvolvimento Opus Magnum da Zacthronics. Este último é um peculiar jogo onde você deve criar máquinas para converter e produzir elementos. Ambos reforçam a ideia de que o jogador não precisa necessariamente otimizar o processo; há vários caminhos e maneiras para chegar ao resultado final exigido.
Não tenho dúvidas de que alguém certamente já encontrou métodos mais rápidos de coletar todos os objetos para completar Uurnog, assim como presumo que as minhas “soluções” foram mais trabalhosas que o necessário.
Mas de que importa no fim das contas? O resultado foi o mesmo, eu criei o meu desafio, estabeleci os meus limites e atingi a meta que eu estipulei. Para um jogo que usa blocos para estabelecer mecânicas, Uurnog é uma massa de modelar sem forma.
Pode ser que nessa massa você encontre motivação ao criar soluções para problemas invisíveis, ou prefira explorar e apreciar o cenário, ou até jogue pelo simples prazer de empilhar blocos. Eu não sei qual caminho vai seguir, apenas sei que Uurnog Uurnlimited é facilmente um dos jogos de “quebra-cabeça” – se é que tal categoria faz jus a sua ambição – mais criativos que joguei em 2017.
Uurnog Uurnlimited
Total - 9.5
9.5
Uurnog Uurnlimited é um delicioso convite à criatividade. Estruturalmente não-linear, ele cria a sensação de satisfação ao deixar o jogador decifrar seus segredos pela perspicácia ao invés de seguir moldes rígidos. Afinal de contas, de rigidez já basta ter de lidar com os problemas da vida, né?