Esses dias passei em frente à TV e alguém assistia uma partida de Tênis. “Tênis, a essa altura? Os campeonatos não tinham sido suspensos?”, perguntei. Demorou alguns minutos para eu perceber que era na verdade um VT de uma das partidas de Gustavo Kuerten, o Guga. Que tempos peculiares em que vivemos, não? Talvez seja por isso que eu abracei os esportes digitais. Me desafiei a bater meus próprios recordes em Automobilista 2 e tentei lutar contra a frustração ao jogar TT Isle of Man Ride on the Edge 2 (Steam / PlayStation 4 / Xbox One) da KT Gaming.
DiRT Rally 2.0 talvez seja a comparação mais direta e mais esdrúxula que posso fazer com o trabalho da KT Gaming. A sensação de intensidade, a vibração de vencer uma corrida, é muito satisfatória. Mas o que de fato separa os dois jogos fica para o modo carreira e a jogabilidade em si.
Onde a Codemasters decidiu optar por um sistema mais direto, a KT Gaming prefere o que chamo de modo carreira retirado do livro “Como fazer um modo carreira” de Gran Turismo. Um calendário elaborado com corridas, desafios e uma boa dose de grind. Ainda bem que ela não flertou com sistemas narrativos como vistos em F1 2019; tendo a abominá-los de todas as formas possíveis.
Mesmo que ela tivesse flertado, ainda teria um grande problema para solucionar: o grind. Para a KT Gaming, grind equivale a dar mais tempo para que jogadores inexperientes se acomodem com a vasta diferença de jogar algo como MotoGP – este último voltado para pistas focadas com mais espaço para manobras arriscadas, ao contrário das ruas estreitas dos eventos separados entre partes da Irlanda, Reino Unido e Isle of Man.
É uma prática comum em de jogos de corrida, e uma com a qual eu concordo em partes. O que me incomoda mais é a decisão da KT Gaming em limitar a quantidade de personalização da sua moto e botar todas as assistências no máximo sem ao menos perguntar qual o seu grau de familiaridade com o gênero.
As minhas primeiras corridas trouxeram a sensação de pilotar a moto mais pesada já construída pela humanidade; curvas que já são difíceis ficam ainda mais traiçoeiras, você não entende o ponto de frenagem e a “racing line” mais atrapalha do que ajuda.
Devo salientar o caso da racing line acima de todos, pois é raro ver um jogo “errar” tão feio em um conceito que era para ser simples. Ela parece ter sido feita para um tipo de moto específica do jogo ao invés de se adaptar para as diferentes categorias e propriedades da vasta seleção de motos disponíveis. O resultado é um sistema inconsistente, onde ela frequentemente te indica que curvas fechadas precisam do máximo de frenagem, ao mesmo tempo permitindo que você mantenha uma velocidade alta em curvas mais brandas.
Em vários testes que fiz nas mais variadas motos, a racing line ficava mais e mais inconsistente. Não é levado em conta o peso, as condições do asfalto, ou sequer a categoria à qual a moto pertence. Batidas e mais batidas foram minhas maiores companheiras; ora na parede, ora em algum cercado por frear cedo demais, ou ao acabar fora do asfalto depois de perder o controle da moto.
Além de criar um péssimo hábito para qualquer tipo de jogador, você só vai ter a chance de se livrar dele depois de seis ou sete horas de jogo – tempo médio para você ter dinheiro suficiente para comprar novas peças. Depois disso você pode personalizar a sua moto com diferentes parâmetros de suspensão, freios, potência do motor, marcha e por aí vai.
Por que não usar um sistema como o de F1 2019, DiRT Rally 2.0, Forza Motorsport ou até WRC8? O uso de um painel de configuração básico e um avançado já teria diminuído horrores a minha irritação com a racing line.
O segundo e mais assustador dos problemas fica para as assistências. Deixe-as ligadas e TT Isle of Man 2 tenta te guiar sozinho, desligue todas e é notável o quão pouco a KT Gaming trabalhou em refinar a sua física e feedback. Não há como entender o que causa a vibração no controle. Seriam as ondulações na pista ou meu pneu que está esquentando demais durante a frenagem e perdendo aderência? É um mistério que ainda estou para desvendar, já que um sistema de telemetria não está presente.
Com uma falta de modo de prática ou time trial, segui em frente na base da tentativa e erro, suor, lágrimas, e batidas. Principalmente batidas. Foi aqui que entrou a minha experiência em jogos que demandam mais atenção como Assetto Corsa ou o já mencionado Automobilista. Todavia, tais jogos oferecem ferramentas para diminuir essa frustração – sejam elas externas como o Sim Racing Tools, ou o próprio sistema de análise interno de cada volta. Aqui eu só tinha a minha esperança de que uma hora ou outra eu ia pegar o jeito. E peguei.
Daí para frente foi só “alegria”. As batidas diminuíram, consegui avançar na carreira e começar a apreciar o quão bom é o design das pistas, como a IA é desafiadora sem depender do tradicional “rubberbanding”. Ainda é difícil de entender exatamente o que o controle quer me passar em termos de feedback, mas ao menos agora eu sei os pontos de frenagem da maioria das pistas. Posso competir em tabelas de liderança e quem sabe ficarei em alguma posição decente no futuro.
Até mesmo o grind, de que tanto reclamo – e vou continuar a reclamar – é tolerável pois, quanto mais terminar em primeiro, mais rápido você chega aos eventos principais. E ainda estou para ver um jogo de corrida que consegue colocar uma pista que demora 2 horas para ser completada e não te deixar entediado em momento algum.
Mas é impossível olhar para todos os problemas e não me questionar: De quem foi a decisão de limitar os recursos providos para o jogador no começo de TT Isle of Man 2? A Big Ben ou uma KT Gaming que esperava conquistar uma maior base de fãs? Seja qual for a resposta, ela não faz o menor sentido para mim. A corrida em si já é um nicho, e aqueles que buscam apreciá-la seja pela TV ou por um formato digital estão mais do que dispostos a treinar para chegar no pódio. Por que não investir nisso ao invés de tentar agradar uma comunidade que vai falar pela milésima vez “isso é difícil demais” e talvez abandonar nas primeiras horas de jogo? Não há assistência, racing line ou grind de “familiarização” que ajude nesse aspecto. Isle of Man é um jogo de nicho e ponto final.
Depois de duas versões medianas, mantenho o jogo na minha lista de jogos de corrida — não porque o ache fantástico, mas porque é o único fora Assetto Corsa que consegue, dentro dos seus limites, trazer o quão fantástica a corrida pode ser. Só queria que o caminho até ela fosse menos tortuoso, menos cheio de buracos (e não falo os buracos da pista) e de decisões de design confusas.
TT Isle of Man 2
Total - 6
6
Podia ser melhor
TT Isle of Man 2 faz pouco para melhorar os problemas de jogabilidade do antecessor. Se algo, piora com o grind para tentar atrair um novo público para um jogo de nicho e carece de ferramentas para quem está mais interessado no aspecto de “simulação”. É uma competente recriação da corrida, mas uma que precisa de muito tempo e esforço para alcançar todo o glamour que é assistir ou pilotar motos andando a 230km/h ou mais em ruas estreitas. Ao menos é melhor do que os VTs que passam na TV.