O “ditado” de que só apreciamos algumas coisas quando mais velhos não é algo que imaginaria ressoar tanto comigo enquanto jogava Tropico 6. Tropico é uma daquelas séries que me acompanhou por boa parte da minha vida, mas sempre em segundo plano. Originalmente meu interesse veio, ironicamente, pela sua trilha sonora — também influenciado por ter visto Buena Vista Social Club quando bem novo. Portanto, para mim, era só mais um gerenciador de cidades com um ritmo caribenho / cubano. O primeiro jogo da série pouco se destacava em uma era onde ainda tínhamos coisa como Caesar III, Zeus e Pharaoh. Foi só em Tropico 4 – e agora em Tropico 6 (Steam) – que eu consegui realmente abraçar a magia que a franquia pode realmente causar em você.
Ao invés de tentar reinventar completamente a roda como feito em Tropico 5 (e o inevitável desastre que isso causou), Tropico 6 volta-se para o básico, buscando dentro de si mesmo qual é o seu posicionamento em relação ao que propõe. Uso, portanto, “gerenciador de cidades” com muitíssima cautela, pois o vejo como um gerenciador de pessoas – algo que está sim no núcleo erguido pela Haemimont Games — atualmente responsável por Surviving Mars — e que foi agora expandido e refinado pela Limbic.
É preciso lembrar que Tropico veio bem antes do mercado ser inundado por jogos que buscam inspiração em Dwarf Fortress (Rimworld, Prison Architect, etc.), uma era onde Frostpunk – que considero um dos melhores jogos de estratégia e gerenciamento de pessoas com um viés narrativo – era nada mais do que rascunhos em um papel. Nesse período Tropico já brincava com a ideia de que uma cidade era composta por múltiplas facetas, grupos sociais que tanto a dividiam como a uniam.
Tropico 6 em muitas áreas se assemelha ao que se poderia chamar de Tropico 4.5 — os mesmos tipos de construções, algumas novas leis, outras funcionalidades desnecessárias removidas; o mesmo “loop” de construir a economia, gerar lucro e lidar com demandas vindas da população e dos grandes poderes de acordo com o período histórico (Colonial, Segunda Guerra Mundial ou Guerra Fria). É a resposta da Kalypso Media às severas críticas feitas a Tropico 5, e que resultaramna escolha de um novo desenvolvedor para uma franquia deste calibre.
Mas há áreas onde chamar Tropico 6 de 4.5 não é tão correto. Bata o olho na primeira ilha e você verá que agora ela é composta de pequenas ilhas menores, permitindo a construção de pontes, permitindo uma maior “liberdade” criativa para estabelecer a sua nação “perfeita”. A adição dessa funcionalidade de infraestrutura vai além de criar beleza: é uma ferramenta que também pode ser usada para fins segregativos. Essa singela alteração dispara um efeito dominó que resulta no que a Limbic realmente almeja com Tropico 6: a final destruição da utopia preestabelecida nos jogos anteriores.
Desde que comecei a jogar Tropico 6, frequentemente voltei para o meu artigo sobre Cities Skylines e a sua aparente falta de interatividade. Reclamei que a cidade era passiva, da pouca interatividade. Mencionei brevemente Rimworld, Dwarf Fortress, mas não cogitei Tropico. O motivo é bem simples: Tropico 4 tratava os habitantes como seres “secundários”. Faça as missões, entupa de igrejas, bares e escolas, e eles estarão contentes. Esse esquema não funciona mais em Tropico 6.
Não dá para agradar todo mundo. Como um redator, eu deveria saber de cor e salteado essa frase — mesmo que ainda lute continuamente com ela diariamente, pois no fim eu ainda desejo que todos estejam contentes com as suas escolhas, e a sua vida. Essa vontade se transpõe muito para o estilo de interação com o cenário e os habitantes que estabeleci em Tropico 6. Nem de longe as minhas ilhas estavam o caos que eu criava em Tropico 4; organização era a regra. Comunidades eram construídas tendo em mente que serviços básicos — como hospital e escolas — deviam estar presentes nas redondezas. A taxa de crime devia ser reduzida. Bancos, caso necessário, precisariam estar próximos a áreas de ampla cobertura policial. Mas era o auge da Guerra Fria, era a batalha ideológica do Oeste contra o Leste. E, por mais que eu deseje ignorar — e por mais que o próprio jogo tente fazer o mesmo ou deixar o tom mais leve — ainda é sobre regimes ditatoriais e como você constrói a sua nação sobre um povo oprimido e teoricamente com poucas oportunidades.
Aponto “teoricamente”, pois nas minhas cidades eu tentava incentivar ao máximo o uso de mão de obra local ao invés de obter imigrantes. Mas o jogo não era feito para o meu estilo utópico. As demandas crescentes frequentemente me forçavam a escolher um lado. Construía academias de polícia para os militares, prisões para manter os supostos “inimigos do estado” fora das ruas, ou dava abertura aos direitos dos trabalhadores e os provia com mais oportunidades amplas?
Eu não vou ignorar o elefante na sala: o tom leve de Tropico pode esconder muito bem, mas a noção de que eu tenha que acabar forçando meus trabalhadores a um regime mais longo e árduo é tão sombrio quanto as histórias que surgiram de Frostpunk. É sentir que eu, de certa forma, falhei como líder, ao limitar os votos para o “alto clero” da minha sociedade com receio de retaliação da população. Foi uma escolha consciente: eu tinha de atender as demandas de exportação de rum e manufatura para ter dinheiro em caixa e poder expandir os serviços da minha cidade.
Eu não me sentia, nem me sinto, orgulhoso com o que tive de fazer. As revoltas vieram inevitavelmente. Quando não era da população descontente com o terrível tratamento a que os submeti, era dos militares; uma possível tentativa de golpe, uma nação dividida, e eu acuado no meio disso tudo. Teria eu sido um péssimo presidente? Presidente que nada; eu assumi o cargo com a intenção de jamais deixá-lo. É a mecânica do jogo: saia do comando e você “perde”.
A partir desse ponto foi que eu comecei a me conectar um pouco mais com as diferentes facetas da sociedade que compunha a minha humilde ilha. Abra um almanaque e lá estarão listados todos os habitantes da cidade, as suas diferentes afiliações, os seus locais de trabalho, seus anseios e seus desejos. Anteriormente eu ignorava isso; agora me sentia terrivelmente implicado a entender o que se passava por detrás daqueles rostos digitais. Queria saber por que eles detestavam o que eu fazia (além do óbvio, é claro), ou porque amavam. Tropico 6 não chega a ser algo tão profundo como Dwarf Fortress ou Rimworld — além do que, não é o ponto a que a Limbic quer chegar com esse grau de simulação. Mas saber que eles estão lá, saber que eles existem, me traz um estranho conforto.
Decidi então seguir a vida de uma pequena atendente de um dos bancos da minha cidade. Na saída do seu trabalho (ou o que eu assumo ser a saída, o ciclo de dia e noite de Tropico 6 é um pouco destrambelhado quando os “turnos” ocorrem mensalmente), a vi ser atacada por dois assaltantes. Uma pequena batalha se desenrolou e cada um foi para o seu canto. Não sei se ela realmente foi assaltada ou não, ou se foi uma discussão e nada de valor havia de fato sido perdido. Desconsiderei as dinâmicas de classe e imediatamente mandei prender os dois suspeitos. Eles serviriam como trabalhadores penais na minha prisão, elevando a minha renda graças ao edital de “colônia penal”, através do qual importava presos indesejados de países de “primeiro mundo” para levantar mais renda para a minha pequena nação.
Evito levantar o ponto de se Tropico 6 é realmente divertido ou não para não ficar eternamente na prisão da subjetividade. Eu ri enquanto jogava, especialmente quando Penúltimo — o meu braço direito do governo — aparecia vestido de pirata para me contar de uma nova “expedição” que aconteceria em busca de tesouros. Desligava o jogo, parava e pensava “eu realmente fui tão cruel assim, será que havia outro caminho? Um mais brando? Mais honesto? Mais… humano comigo mesmo e com os outros ao meu redor?”
Não são questões que Tropico 6 vai ser dispor a responder; não é o propósito dele. O propósito dele é deixar você livre para construir a cidade, e, agora mais do que nunca, compreender que os avatares digitais que nela vivem não estão lá para o seu bel prazer, dispostos a aceitar quaisquer coisas que você jogar na frente deles. Eles vão reclamar, vão resmungar, vão se revoltar. Vão “compreender” — ainda que programados a responder a comandos — que o que você decide faz mal a eles.
Algumas coisas você só realmente aprecia com o tempo, e os singelos toques da Limbic fazem que Tropico 6 se eleve acima de qualquer versão lançada até então. São também alterações que, se não fosse pela minha mudança de visão de mundo, também poderiam passar despercebidas. É um belo momento para refrescar a mente e lembrar que não dá para agradar a todos, mas ainda assim pode-se tentar dar o maior conforto possível, e fazer um esforço em nome da compreensão, mesmo que em uma pequena nação cercada por água e influência dos grandes poderes. E que as suas ações, inevitavelmente, vão ter um custo – muitas vezes doloroso.
Tropico 6
Total - 9
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Tropico 6 ainda é carismático, e fiel à sua proposta de construir um pequeno império por quaisquer meios possíveis. Ao mesmo tempo, a mão da Limbic aponta um maior cuidado em demonstrar que esse império não é formado unicamente de seres sem face, e que as suas ações podem ser mais dolorosas do que imagina. É a franquia em seu auge, em sua proposta e sua honestidade sobre os temas tratados.