Você gosta de estourar cabeças, de ver sangue voando, de se sentir no controle da situação o tempo todo, de mutilar dezenas de corpos a torto e a direito até você cansar? Que ótimo, pois essa é a premissa básica de Trepang2 (Steam), o shooter da Trepang Studios que por anos ficou mostrando teasers após teasers do que poderia ser um sucessor espiritual para o fantástico F.E.A.R.. Agora que eu completei a sua campanha principal, eu acredito que o termo “sucessor espiritual” funciona apenas em partes.
A Trepang Studios se especializou em uma característica nesses últimos anos do longo período de desenvolvimento de Trepang2: garantir que a jogabilidade fosse a mais suave, mais responsiva e mais caótica possível. Embora o arsenal de armas do game não seja algo gigantesco, cada arma tem as suas características próprias e um excelente “retorno”, tanto no que diz respeito aos visuais quanto a sua usabilidade durante o combate.
Este elemento foi o primeiro que eu notei quando comecei a sua campanha como o “Subject 106”, um super soldado que está preso em um complexo de altíssima segurança, e, graças a um soldado misterioso, consegue escapar e se juntar à uma força-tarefa secreta. Seu objetivo? Destruir a organização “Horizon”, que supostamente não só o confinou por anos, mas também é uma das organizações com mais poder no universo de Trepang2 — capazes de manipular governos e realizar experimentos secretos.
Esse é o máximo que eu vou me estender acerca de qualquer aspecto narrativo de Trepang2; qualquer menção adicional sobre o absoluto desastre que é a campanha seria uma perda de tempo. A Trepang Studios olhou para F.E.A.R. e falou “E se nós criássemos a nossa própria interpretação, mas com um tom mais ‘atual”‘, por assim dizer. O resultado são missões desconectadas, uma tentativa banal de tentar ser “sério” apenas pelo bel prazer de ser sério — afinal, um shooter não pode ter o menor elemento de humor, ou ele não pode ser categorizado como um shooter no estilo F.E.A.R.
A falta de coerência e até ritmo nas missões é palpável. Algumas são longas demais, outras são curtas demais, a Trepang Studios sempre instiga o jogador com “olha só essa ideia que nós tivemos para esta missão em específico”, e nunca passa disso: uma ideia. No fim, você está fazendo as mesmas missões que são compostas de: ande até o ponto “A”, entre em uma arena, vá até o ponto “B”, entre em outra arena.
Eu fiz a mesma crítica sobre algumas partes de “Warhammer 40K: Boltgun”, mas ao menos a Auroch Digital teve a capacidade de introduzir não só novas ideias, como trazer um senso excelentíssimo de continuidade entre cada uma das missões. Em Trepang2, o que eu via eram apenas missões desconectadas que aparentam ter sido inseridas no jogo para justificar que o jogo tenha algum “peso” ou “conteúdo”.
Até ousaria dizer que há uma tentativa de introduzir um arco narrativo ou temas por meio de entradas de codex ou intel que você obtém durante as missões, mas convenhamos, em um jogo onde você passa varando de arena para arena destruindo tudo o que tem pela frente, quem vai ter tempo ou paciência de ler um, dois ou três parágrafos sobre alguma história, sendo que a própria missão onde esses documentos são achados não dá a mínima para eles. E, do que eu li — que já foi mais do que eu devia — os textos são no máximo superficiais.
O mesmo se aplica às missões secundárias de Trepang 2, outra tentativa da Trepang Studios em tentar oferecer algo “fora do comum” só para retornar ao seguro. Quer saber a maior diferença entre uma missão oficial e uma missão secundária? Elas são mais curtas e ao invés de um corredor longo, você já parte para uma arena onde precisa eliminar uma quantidade “X” de inimigos ou defender um objeto (servidor, área de controle) contra uma onda de inimigos.
O elemento de “terror” — se é que posso chamar isso de terror — não é nada mais do que uma cópia de clichês dos últimos cinco anos que não amontoa a nada. Ideias repaginadas, engolidas e regurgitadas sem a menor noção do propósito inicial delas, a não ser “é uma boa escolha estética”. Trepang2 mostra um assustador distanciamento entre a obra em que ele queria se inspirar e o propósito da mesma.
“Mas Lucas, se a jogabilidade é tão boa, por que você está tão frustrado em jogar essas missões?” Pelo potencial desperdiçado, caro leitor. Toda vez que eu acessava uma nova missão secundária, pensava “Ok, dessa vez vem algo de especial”… e nada. Para piorar, ela tira o brilho do melhor componente de Trepang2: o simulador de combate.
A maioria das demos apresentadas por Trepang2 ao longo do seu período de desenvolvimento eram unicamente focadas em eliminar uma horda de inimigos. E, por mim, estaria mais do que bem se esta fosse a única proposta do jogo. O simulador de combate — outro modo de jogo onde você luta contra hordas de inimigos — é onde Trepang2 se sai melhor, justamente por ter uma série de opções — como arenas diferentes — e onde você consegue melhor utilizar o arsenal para vários propósitos.
Mas, ao invés de “liberar” o simulador de cara, a Trepang Studios te força não só a completar as missões primárias e secundárias, mas também requer que você as complete em dificuldades altas para liberar certos tipos de armamentos, encontrar melhorias “secretas” para as armas ou equipamentos especiais. Eu até entendo a necessidade de um senso de progressão, e também não me importo de rejogar fases em dificuldades altas…se elas ao menos prestassem.
Se não fosse pela minha infinita teimosia, meu masoquismo e minha paciência extrema — além da óbvia necessidade de completá-las para finalizar essa matéria — eu teria largado de lado. Em parte, fico feliz que não fiz, pois assim que liberei todas as áreas e equipamentos, eu pude apreciar Trepang2 pelo o que ele realmente é: um jogo de arena de combate com uma IA competente e ação frenética.
Eu encontrei o jogo que eu tinha apreciado nas demos, que eu estava tão ansioso para pôr as minhas mãos, e não fiquei decepcionado. A quantidade absurda de horas que eu já gastei eliminando meus inimigos das mais diferentes e criativas formas nesse simulador ultrapassou o tempo que eu joguei a campanha.
Este que é o grande “X” da questão quando se fala sobre Trepang2. Se ele tivesse sido lançado alguns anos atrás como um arena shooter que por acaso combinava alguns elementos de F.E.A.R. — especialmente no combate — eu já estaria mais do que satisfeito. Se ele desse as caras em 2018 ou até mesmo 2019 ele seria um tremendo sucesso na minha mão.
Mas a Trepang Studios, como toda desenvolvedora — o que é em parte compreensível — queria mais. Mais ação, mais história, mais narrativa. Ela buscava um propósito para jogar Trepang2 quando o propósito estava ali na frente da equipe: destruir os seus inimigos de formas inimagináveis e com toda a violência possível.
Quem dera os esforços da Trepang Studios fossem voltados para melhorar o simulador de combate, quem sabe adicionar uma tabela de lideranças, adicionar outros modos e ainda mais tipos de inimigos — aliás, muitos desses tipos sequer aparecem na campanha oficial e só estão presentes em certas arenas. Mas não, Trepang2 tinha que sugar mais de F.E.A.R. e outras fontes. Precisava criar uma “identidade própria” sem ao menos entender a sua própria. Estabelecer um vínculo com o “passado” sem olhar de forma crítica para ele e pensar “por que esse jogo foi um sucesso na época?”. Estendo essa crítica para tantos outros shooter “retro” ou “boomer shooters”, como as pessoas gostam de chamá-los.
Acredito que sim, Trepang2 se supera na sua jogabilidade, e vale a pena ser jogado puramente pelo seu fantástico simulador de combate. Mas, para experienciá-lo, você precisa ter um estômago forte — muito forte — para aguentar o restante do jogo. Quem sabe no futuro, e com versões de console confirmadas, a Trepang Studios não revisite o shooter para adicionar mais conteúdo, refinar certas partes do combate ou, se os astros se alinharem, permitirem que novos jogadores acessem a melhor parte dele sem ter que sofrer com todo o resto.
Trepang2
Total - 6
6
Trepang2 se carrega exclusivamente pela sua jogabilidade e o seu simulador de combate, que são excepcionais. Todo o restante é uma pífia tentativa de tentar fazer um jogo que visa ser uma homenagem a F.E.A.R. sem ao menos entender o que fez ele funcionar, muito menos tantos outros shooters da época. É uma ótima escolha se você está com saudade do combate do shooter da Monolith, mas fora isso, há outros shooters muito melhores para você gastar o seu tempo em 2023.