Enquanto folheio os resultados financeiros gerados por TransRoad: USA (Steam), me recordo de que tinha comentado com um amigo três anos atrás que um dos meus sonhos era jogar um gerenciador de empresa de caminhão. Estava frustrado, porém. Eram cinco da manhã e não encontrava o dado que eu precisava. O Excel aberto, uma planilha com fórmulas, e a dificuldade em aceitar que essa não era a realização do meu sonho.
Acho irônico perceber que a minha maior preocupação com TransRoad: USA era justamente ele não ter o dado que eu precisava, pois, antes mesmo de encontrar essa barreira, havia ignorado ou superado tantas outras. Em sua essência, ele é o que deveria ser um gerenciador… sem as ferramentas que compõem um.
Seu conceito pode ser resumido em poucas frases: construa uma empresa de caminhão, contrate motoristas, feche contratos, aumente a frota, estabeleça uma maior reputação e gere lucro. Uma base excelente para um gerenciador e que dá um tremendo espaço para os detalhes que nós — amantes do gênero — gostamos tanto.
Criei então a minha primeira empresa no modo Quest, e assumi que seria uma boa base estrutural para aprender a jogar – mais simples e “focada” do que o modo campanha – modo esse que é tipicamente decepcionante nesse tipo de jogo. Lá estava eu, feliz da vida na minha sede em Nova York, olhando para contratos, vendo que tipos de caminhão estavam à venda, e projetando possíveis fontes de lucro.
Decidi não ousar muito de começo, focando em contratos simples que exigiam apenas duas ou três viagens para o transporte de materiais de construção ou peças de carro. Uma interface intuitiva me explicava a cada passo como eu deveria ajustar a tabela de entrega para o mínimo de viagens e o máximo de lucro. Arrastava um item ali, colocava no menu de entregas, dava OK e estampava um sorriso na cara.
E até esse ponto TransRoad: USA não havia mostrado as suas raízes. Tudo era muito superficial, quase automático. O dinheiro entrava na conta, eu comprava um novo caminhão, subia de nível e realizava novas entregas. Na terceira hora da mesma tarefa comecei a me indagar até que ponto eu iria ficar naquela zona de conforto. “Melhor comprar uma licença para transportar combustível e fazer entregas mais longas”, refleti. A decisão foi como revirar o solo com receio de descobrir o que havia debaixo dele, e o que eu vi não foi nada agradável.
Assim que saí dessa zona de conforto por mim estabelecida, a magia de TransRoad: USA se tornou em um pesadelo pessoal. Eu poderia – e deveria – ter parado de jogar nessa hora. Mas, não, fui teimoso. “Devo estar fazendo algo de errado”, pensei, pois nada havia mudado. Apesar do investimento, mal houve mudança no lucro mensal da minha empresa e recuperei em pouco tempo o gasto com a licença e novos contêineres de transporte. Com que diabos um jogo que oferece essa suposta escolha não me dá um resultado, seja ele favorável ou não? Hora de investigar.
O lucro de uma empresa em TransRoad: USA é gerada da seguinte forma: Cada contrato tem um custo indicado por cinco variáveis, sendo três delas fixas e duas delas, não. O salário do motorista, manutenção do caminhão e custo de transporte são as taxas fixas, enquanto o preço do combustível e o valor do produto que é transportado variam mensalmente.
À primeira vista, esse modelo econômico, apesar de simples, pode ser suficiente para garantir um certo grau de variação nas mecânicas. Isso, é claro, levando em conta que cada caminhão e motorista tem o custo fixo gerado a partir do tipo de contrato e tipo de caminhão. “Agora é só colocar o custo de combustível e o valor do produto que você tem o lucro, correto?”, você me questiona. Não é bem assim.
TransRoad: USA passa a falsa sensação de que o jogador tem essa escolha; de que trailers diferentes vão de fato aumentar o lucro. Ao mesmo tempo, ele não dá as informações cruciais necessárias para tomar esse tipo de decisão – algo que eu esperaria de qualquer gerenciador competente.
O custo de combustível, por exemplo, pode ser afetado por fatores externos — como um aumento no petróleo ou uma catástrofe — mas que não é refletido em um evento do jogo. Já o valor do produto no mercado, olha, senta e respira fundo… ele não te dá essa informação.
Não, é sério. Eu não estou de brincadeira. Eu literalmente abri a página de finanças do jogo e vi um gráfico de “X” e “Y” onde “X” era o eixo do tempo (em meses) no jogo e “Y” supostamente seria o preço de cada produto no mês. Esse segundo eixo não tinha números. Imagina chegar na Bolsa de Valores e perguntar: “Então, quanto as ações de empresa ‘Z’ subiram na última semana?” “Bastante”, alguém te responde. “Como assim, bastante?” “Bastante, ué”. É assim que soou o diálogo mental que tive com o gráfico.
Ao decidir misturar diferentes tipos de produtos na minha linha de transporte encontrei outro terrível problema de TransRoad: USA: a sua interface. Novamente, o tema superficialidade surgia na minha frente. Ele parecia ser moldado com a ideia de que um jogador iria transportar um tipo de carga e nada mais. Imagine olhar para um mapa dos Estados Unidos repleto de linhas com as rotas de 16 caminhões diferentes separados por 4 tabelas de horário e todas as linhas com a mesma cor. Você sentiu um nó na garganta, uma vontade de gritar? De dizer “Para, isso está errado”? Pois é, foi como eu me senti.
De que então servia o conceito de escolha no jogo? Como ele ia me incentivar a tomar riscos ou aumentar meu lucro? Meus supostos “competidores” jamais deram as caras no mapa; se eles existiam, nunca foram uma ameaça. Se eu optasse por continuar na mesma linha de serviço ou não, não fazia diferença. O jogo não respondia aos comandos que eu dava. Tudo indicava que um modelo foi colocado — o de transporte de carga — e as variáveis não foram testadas o suficiente.
Resolver esse tipo de impasse, do “travar” na hora de decidir entre “A” ou “B” é que me dá gosto de jogar qualquer tipo de gerenciador, seja na hora de contratar jogadores em um Football Manager ou Out of The Park Baseball, ou administrar uma equipe de corrida em Motorsport Manager. Entender nuances, decifrar números, tudo é tão gostoso quando você tem dados e interfaces agradáveis.
Aqui não. Eu estava frente a um dos mais confusos mapas que já vi, com informações desencontradas, e, para piorar, problemas de desempenho que faziam a taxa de quadros cair ao ponto de eu não me assustar se alguém de terno entrasse no meu quarto e começasse a explicar a apresentação que passava na minha tela. Raramente levanto questões técnicas em meus textos, mas TransRoad: USA superou tudo, ele literalmente congelou meu computador por dois minutos pelo menos umas dez vezes. Depois disso eu sinceramente deixei de contar.
Meu estado de negação chegou a níveis preocupantes. Estressado com toda a situação, manualmente anotei 100 contratos ao longo do tempo de seis meses no jogo dentro de uma planilha do Excel. Estava inconformado, ainda tentando entender como um jogo que deveria ser um gerenciador poderia carecer desse tipo de informação. Até Cities: Skylines, um construtor de cidades, tem um sistema de transporte mais transparente do que isso.
O relógio do meu computador marcava seis horas da manhã de uma quinta-feira. Finalmente, depois de horas de reflexão, encontrei o que precisava. A variação dos produtos era em média de 3%.
3%. É, de fato, as escolhas não são relevantes em TransRoad: USA.
“Ok, isso é idiota, eu não sou formado em economia, eu devia ter desistido há tempos”. Finalmente a realidade entrava na minha cabeça. Fechei o jogo, o Excel, e fui para a cama.
A minha busca por respostas chegou ao fim. Não existe, literalmente, nenhum componente de TransRoad: USA que justifique um sistema tão obtuso e irritante. Mas nem tudo foi perdido; ao menos aprendi a lição — nem que seja momentaneamente — de que eu preciso dormir melhor.
TransRoad: USA
Total - 2
2
O que poderia ter sido um excelente gerenciador de logística é prejudicado por terríveis decisões na interface, problemas de desempenho e um sistema de economia que não só é confuso como remove a necessidade de escolha. É melhor você fazer uma faculdade de logística ou economia do que jogar TransRoad USA.