Assim que começam uma frase com “Então, esse jogo aqui é como X”, já fico com o pé atrás. Isso significa que você quer criar uma certa expectativa e paralelos com outros gêneros ou jogos, o que rapidamente pode se tornar um tiro pela culatra. É especialmente o caso de Tower 57 (PC), o carismático shooter fruto de um Kickstarter realizado em 2015 pela Pixwerk.
A primeira vez que ouvi falar do game foi durante seu Kickstarter, ocorrido em 2015. “Que nem os clássicos de Amiga”, diziam os desenvolvedores; “Belíssimo pixel art”, etc. Não vou dizer que a apresentação do projeto estava errada, na realidade ele é exatamente o que foi prometido: um jogo “similar” a games como Chaos Engine, e com uma estética fabulosa. Dá pra ver o esforço da Pixwerk em desenvolver um mundo tangível; pena que a maneira como interagimos com esse mundo desperta o sentimento de que todo esse esforço foi em vão.
Pense em um jogo como uma cadeia hierárquica de decisões; você tem decisões de alto escalão – como selecionar o personagem e evoluí-lo (caso o jogo tenha elementos de progressão) – e decisões de baixo escalão – priorização de inimigos, compra de equipamentos e seleção de armas.
Digamos então que você pega o conceito de um jogo como um Chaos Engine, que tem essa seleção de personagens e priorização tanto de armamentos como inimigos. Agora adicione um elemento de progressão que envolve melhorar os personagens e também os equipamentos. Soa excelente, não? Agora transforme toda essa cadeia hierárquica em uma cadeia horizontal. É basicamente Tower 57.
Ao transformá-la em uma horizontal, a Pixwerk ao mesmo tempo fala para o jogador “jogue da maneira que você quiser” e “não jogue da maneira que você quer pois não temos como comportar o seu estilo de jogo”.
Esse falso senso de escolha começa já na tela de seleção de personagem, quando o jogo te pede para escolher três personagens, com a ideia de que eles seriam uma equipe. A realidade é que é bem provável que você passe mais da metade do jogo com um deles e raramente use os outros, já que não há como trocá-los em tempo real; isso só é possível em pontos específicos via um “armário mágico” (na falta de um termo melhor). Esse ponto em específico já abre uma “caixa de pandora” de problemas.
Tower 57 tenta trazer como elemento diferencial a progressão de personagem, onde o jogador pode usar dinheiro coletado nas fases para trocar partes do corpo por partes robóticas, aumentando o dano, movimentação ou pontos de vida. O que teoricamente deveria ser um processo complexo de escolhas se torna uma assustadora mistureba quando você precisa escolher e ao mesmo tempo não pode escolher qual personagem evoluir.
Você tem o seu personagem principal, ou aquele ao qual você se apegou mais. Ao morrer em uma fase você então troca para o personagem secundário. Adivinha? Ele não tem nenhum dos aperfeiçoamentos ou equipamentos que o anterior possuía. Instantaneamente a curva de dificuldade vai de uma subida graciosa para uma montanha russa de sentimentos e emoções que vão de “eu quero desistir” para “não sei como eu sobrevivi a esse chefão com esse personagem fraco”.
Mesmo que às vezes dê pra sentir esse senso de vitória ao passar de uma área repleta de inimigos com um personagem secundário, a tendência é cair no vale da irritação e decepção. É uma punição dada gratuitamente por um sistema que te ofereceu escolhas sem apresentar os pontos negativos com clareza.
A crítica também se estende para a evolução das armas, que, novamente, podem ser aprimoradas com dinheiro e em áreas específicas. Com o formato mais “genérico possível”, Tower 57 cai no terrível erro de tentar recompensar o jogador via melhorias insignificantes, como 10% de aumento de dano de uma submetralhadora, sem que exista um retorno visual desse investimento.
Na minha primeira partida até completar o game, decidi que o “Don”, um gangster armado com uma metralhadora, seria um dos meus personagens principais. Prontamente evoluí as habilidades e equipamentos dele, para que tivesse regeneração de vida e uma metralhadora com mais capacidade de munição e dano. Isso resultou em absolutamente nada. Don morreu, por um descuido meu, na quarta fase e tive de jogar o restante da fase com uma policial que não só estava sem as melhorias de Don, mas que possuía uma espingarda que era consideravelmente mais forte mesmo sem nenhuma evolução aplicada a ela.
Para o que, então serviu o dinheiro que eu gastei na evolução da minha arma? Por que existe um sistema que pede investimento do jogador sendo que o mesmo não é tangível? A única habilidade que me foi realmente útil foi transformar as munições em munições inflamáveis. Ao menos sabia que causava dano contínuo no inimigo, era ao menos uma maneira de dizer a mim mesmo “pelo menos o esforço não foi em vão”.
“Esforço”. Temos a tendência de esperar que sejamos recompensados por ele, de preferência instantaneamente. Tower 57 decidiu seguir por esse rumo, dizendo ao jogador que essas melhorias realmente iam ser importantes, que ele seria recompensado. Mas, dado a forma que ele horizontaliza a importância de decisões, a noção de recompensa vai embora.
Como uma gota do veneno mais poderoso em um poço de um vilarejo, esse sistema horizontal, baseado na recompensa invisível, se espalha e prejudica qualquer decisão restante a ser feita em Tower 57.
Inúmeras vezes me peguei pensando “Será que eu teria vencido essa batalha caso estivesse com meu personagem principal?”, ou “Teria sido uma boa escolha amplificar o dano dessa arma ao invés de comprar novas pernas robóticas que melhoram a distância do meu dash”? Decisões importantes como essas, sejam de alto ou baixo calibre, não precisam ser escondidas por uma cortina de fumaça; nem horizontalizadas da forma que Tower 57 propõe.
Exemplos de um conjunto de mecânicas que acomodam inúmeras mentalidades de se aproximar de um objetivo é o que não faltam, do (também lançado em 2017) Serious Sam Bogus Detour, que recompensa o jogador por melhorias passivas assim que certos “desafios” são completados ao (ainda injustamente criticado ao meu ver) Agents of Mayhem, este último um primoroso exemplo de como é possível fundir três personagens em um só sem que eles percam a sua personalidade.
Tudo isso me leva a perguntar por que nós, jogadores, somos tão dependentes dessa necessidade de recompensa imediata, apesar de saber que esse é um tema que merece uma discussão muito maior do que a que pode existir emum mero texto sobre um shooter top-down, mesmo que esse seja um produto dessa mentalidade.
Isso porque, se essa necessidade de recompensa imediata fosse removida, eu não teria nada a não ser elogios para Tower 57. Os mapas são extremamente detalhados, podem ser completados por caminhos não-lineares, os chefões são bem trabalhados e contam com diferentes etapas que pedem mais e mais atenção do jogador.
Pergunte-se a si mesmo: quantas vezes você jogou um top down shooter nos últimos meses ou anos em que ficou claro o quanto uma desenvolvedora se esforçou para colocar inimigos diferentes em cada fase, cada um com seus padrões de ataque e variações dos mesmos de acordo com a dificuldade? Esse é o nível de detalhe que a Pixwerk atingiu com o game. Eles até mesmo possuem armas especiais que podem ser obtidas após serem eliminados. Mas, provavelmente você vai optar em não coletá-las por receio de que te prejudique nas próximas fases. Afinal, o jogo te condicionou a usar sistema de progressão. Para que trocar o certo pelo duvidoso?
No seu âmago, Tower 57 te dá uma recompensa, infelizmente tão invisível quanto as outras: o senso de que você passou de fase. O problema é, como em tantos outros casos, a camada de carne e gordura que foi colocada em cima dele.
Jogar Tower 57 é como fazer uma viagem e se preparar demais. Você coloca a roupa na mochila, depois um par extra de tênis, aí mais roupas e depois uma meia dúzia de remédios por motivos de “vai que preciso”. No fim acaba que você não precisa de nada disso e só carregou esse peso extra à toa. Não é ruim, mas poderia ter sido muito melhor se tivesse aprendido a quantidade exata de bagagem que deveria carregar.
Tower 57
Total - 5
5
Tower 57 mostra o esqueleto bom shooter top-down que é arrastado para baixo devido a um sistema de recompensas desnecessário, progressão que não consegue decidir se ele deve se adaptar ao estilo do jogador ou se quer que ele siga um caminho específico, e que acaba assim punindo o jogador desnecessariamente. É um produto da era de recompensas invisíveis, da maximização de funcionalidades, e da decisão de ignorar o minimalismo que os shooters de Amiga, fonte de inspiração para o game, tinham.