Compreender o limite das nossas habilidades é importantíssimo. Quando você estabelece qual é o seu limite, você aprende a iterar, expandir, e aplicar uma diferente visão sobre essas habilidades. Era importante para a Creative Assembly aceitar um dos seus limites em Total War: Warhammer 2, e compreender que o sistema diplomático do jogo não é lá essas coisas — ainda mais agora que temos Three Kingdoms para comparar — e que algumas das mecânicas não geram tanto engajamento quanto se imaginava. E é aceitando esse limite que a desenvolvedora consegue transformar The Hunter and The Beast (Steam), um DLC no qual eu não apostava muito, em potencialmente um dos melhores do game.
A Creative Assembly começa aqui aceitando que o sistema de hordas é, no final, decepcionante. O Chaos, por exemplo, tem um ritmo errático que não condiz com a luta pela sobrevivência no universo de Warhammer. Em suma, a maioria das horas de Warhammer pode ser reduzida para as ações de “atacar, esperar turnos para recuperar as tropas, atacar de novo, recuperar as tropas, verificar se possui alimentos suficiente” ad eternum — pra não falar da dificuldade de tais hordas interagirem com o já fraco sistema diplomático.
Em The Hunter and The Beast, a desenvolvedora joga esse sistema fora em favor de um sistema de vassalagem, muito mais apropriado para fazer o jogador compreender como fazer uso da movimentação de tropas e como gerar atrito. Isso tudo sem fazer com que o conceito de “horda” seja perdido.
Nakai, o principal guerreiro dos Lizardmen dessa expansão, mantém o que eu vejo como o conceito fundamental do que é Total War: Warhammer II: a guerra e desafio constante. Não havia um turno que eu não agonizasse sobre as minhas finanças, sobre a composição do meu exército ou sobre como completar os objetivos da campanha Eye of The Vortex — que incluem eliminar uma série de capitães do império e fazer com que eles deixem as terras dos Lizardmen.
Ao contrário das hordas tradicionais, Nakai usa um sistema de vassalos. Toda cidade que é tomada por ele passa para o controle de uma segunda facção e um templo para um dos três antigos deuses (que garantem bônus e rituais especiais) é erguido. Toda a construção e expansão das suas edificações é feita quando você coloca as suas tropas em modo de acampamento ou recrutamento.
Tive algumas críticas sobre o conceito de vassalos, pois no fundo eles são pouco úteis, já que não te ajudam em combate e só servem para a geração de renda e novos templos. Mas, por outro lado, eu fico aliviado, pois já lidei com a diplomacia de Total War: Warhammer II e não quero fazer isso de novo tão cedo. Além do que, o maior propósito deles não é acrescentar complexidade, mas sim instigar o jogador a tentar controlar diferentes frentes de batalha. Pois, acredite, a IA vai aproveitar qualquer oportunidade para te desestabilizar.
Assim ocorreu no trigésimo turno, quando os anões — sabe-se lá por qual motivo — decidiram aproveitar que eu estava distante da minha zona de controle enquanto tentava destruir os Skavens do Altar of the Horned Rat para atacar duas das minhas cidades. Tive que correr desesperadamente, usando mais March do que em muitas campanhas que já joguei, para defender as cidades e só depois entrar em um tratado de paz e finalmente dar conta dos Skaven. Foi por sorte que eu não entrei em uma espiral de erros e falhei a campanha.
Como eu teria falhado a campanha se até então tudo o que eu citei aponta para a necessidade de manter uma ótima mobilidade na região? Simples: o custo de manutenção das unidades dos Lizardmen é alto. Quanto mais territórios conquistados, mais unidades poderosas ao seu dispor, e mais difícil manter um saldo positivo. É um difícil equilíbrio que eu raramente consegui atingir. Dependia de rituais para aumentar o percentual de renda dos meus vassalos, e quando a duração desses rituais (que variam de 3 a 10 turnos) chegava ao fim, eu estava desesperado em busca do próximo território a ser conquistado.
Uma pena que eu nunca consegui enfrentar Nakai quando joguei no lado do império – o segundo foco dessa expansão que tem na linha de frente Markus Wulfhart. Por algum motivo bizarro (creio que seja por conta da IA que até hoje não sabe jogar com as hordas), a facção de Nakai poucas vezes sobrevivia além do 12º turno. Mesmo com isso, jogar com o Império se mantém como um desafio e tanto.
Essa é a primeira vez que o Império surge como uma facção jogável dentro da campanha Eye of the Vortex, sem contar as mudanças que foram feitas para Mortal Empires e que não serão cobertas por esse texto devido ao quão complexas elas são. Isso não só estabelece um interessante precedente para a Creative Assembly introduzir facções do primeiro Total War: Warhammer nessa campanha, mas também mostra que ela já sabe como fazer isso, e fazer bem.
A animosidade entre o colonialismo do Império e os desejos pelos espólios de Lustra já é conhecido pelos fãs do universo Tabletop. A Creative Assembly transformou a tensão entre as duas facções em uma situação de grande desvantagem para o jogador.
Enviado para se certificar que o estabelecimento de colônias ocorra como desejado pelo Império, o jogador na pele de Markus tem de lidar com dois sistemas que estão tentando te prejudicar. Você não tem acesso a unidades avançadas a não ser que o Império as envie do antigo continente, e tomar as regiões dos Lizardmen ou outras facções de Lustra aumenta a hostilidade. Quanto mais ganância, maior as chances de retaliação.
Como eu pulei de cabeça da campanha dos Lizardmen para a do Império, tentei aplicar a mesma técnica que serviu para a horda: atacar e atacar e atacar mais um pouco. O meu nível de hostilidade frente aos habitantes subiu de uma maneira tão rápida que no 15º turno já haviam duas tropas imensas de Lizardmen (cuja composição é alterada de acordo com a dificuldade selecionada no começo da campanha) nas minhas províncias, que trucidaram três das minhas colônias. Estava no vermelho, quase sem unidades para defesa, e tive que recuar para a minha capital. “Mal posso esperar para os reforços do império chegarem”, vi o contador e me toquei… ainda faltavam dez ou quinze turnos — no mínimo — para que cavalaria ou morteiros avançados pudessem chegar na minha porta. Fui trucidado mais uma vez e tive que recomeçar a minha campanha.
Markus, porém, tem algumas excelentes cartas na manga: os seus heróis especiais, que não só contam com habilidades exclusivas e diferentes das que eu já vi em um personagem do Império, como oferecem quests adicionais para desbloquear novas habilidades. Como desbloqueá-las? Explorando e tomando regiões. Se você for capaz de lidar com as hordas de Lizardmen, terá alguns dos melhores heróis à sua disposição.
São esses detalhes que tornam The Hunter and The Beast tão fascinante. Duas campanhas diferentes que convergem para demonstrar a necessidade de expandir e ao mesmo tempo fazer isso com devida cautela. Ela não depende de mecânicas absurdas como os Skaven de The Prophet and the Warlock para criar essa sensação de atrito e animosidade, mas do próprio “Lore” por trás de Warhammer.
É por isso que eu reafirmo a minha posição de que The Beast and the Hunter é um dos melhores DLCs para Total War: Warhammer II. Acredito que em breve a Creative Assembly vai lançar algumas atualizações para refinar a campanha do Império e fazer com que o combate contra Nakai seja possível. Mas o que importa é que a desenvolvedora entendeu os limites da franquia, da estrutura na qual ela trabalha, e a usou ao seu limite.
Total War: Warhammer II - The Hunter and The Beast
Total - 9
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Com duas campanhas bem distintas, The Hunter and the Beast demonstra diferentes formas de aplicar pressão no jogador, instigá-lo a explorar, e ainda reforçar a noção de cautela e risco sem depender de mecânicas situacionais ou supérfluas.