Olhando de maneira superficial, toda batalha enfrentada na história da humanidade parece ser sobre números. Poderio de ataque e quantas unidades um exército tem parecem importar mais do que como um comandante faz uso delas. Os Tomb Kings de Total War: Warhammer II (Steam, R$35,99) dispõem de números de sobra. Mas, no caso dessa facção para o game de estratégia da Creative Assembly, números não necessariamente são a receita para o sucesso.
Não pretendo falar sobre o “lore” – deixo isto para os “historiadores” de Warhammer, mas o importante é entender que os Tomb Kings foram antes conhecidos como os Priest Kings e que um dia controlaram um poderoso império cerca de 2500 anos antes do Empire of Man (onde as primeiras tribos humanas surgiram). Ou seja, os Tomb Kings são agora esqueletos ambulantes dos antigos Priest Kings, buscando restaurar a glória do passado.
Ridículos em conceito (elogio que estendo para todas as facções de Warhammer) e peculiares em execução, os Tomb Kings não são nômades, mas mantê-los em um só lugar na campanha do Great Vortex é pedir para receber uma tela de derrota na cara.
Ao contrário das facções base, os Tomb Kings não têm interesse em controlar o Great Vortex, mas sim buscar os livros de Nagash, que dão bônus aleatórios de desenvolvimentos. Espalhados pelo mapa, não há como tomá-los sem irritar uma ou outra facção; a dificuldade, porém, não se extrai daí, mas em como manter um exército funcional em constante movimento sem perder o controle de outras áreas.
Tomb Kings é sobre números; é sobre manter um exército gigante na porta de cada cidade e saber que — provavelmente — ele não será o suficiente para impedir uma investida dos Lizardmen, Skaven e muito menos dos anões ou do Empire of Man.
Possivelmente o maior atrativo para quem não está habituado com os Tomb Kings vem das unidades não possuírem custo de manutenção, mas serem limitadas simplesmente pela quantidade do mesmo tipo que o jogador controla. Para uma grande quantidade de arqueiros em dois exércitos, é preciso ser controlador de grandes áreas de território e construir uma série de edifícios que permitam o recrutamento deles.
Território e controle são coisas que não pertencem ao vocabulário — em termos de gameplay — dos Tomb Kings. Tudo é uma corrida contra o tempo, tudo tem de ser planejado e relampejado. Eles têm cara de durões, de que vão destruir o mundo de Warhammer, mas no fundo são frágeis.
Recebimento de ouro nos turnos iniciais da campanha vem a conta-gotas. Cada moeda é contada na esperança de que você tenha o mínimo suficiente para construir uma nova edificação militar ou civil. Dúvidas atrás de dúvidas surgiam ao apertar “próximo turno”. Seria mais vantajoso aumentar a renda ou meu exército? E se uma outra facção viesse ao meu encontro, tentasse tomar uma das minhas cidades? Certamente as minhas tropas, por mais numerosas que sejam, não são o suficiente. Ora, são esqueletos.
Participar batalhas com os Tomb Kings é uma tarefa de puro stress e posicionamento — mais do que com outras facções. É preciso entender como quebrar a rota dos inimigos e criar bolsões de atrito. A linha de frente da facção são os Skeleton Warriors, os que chamo de “atrai trouxa”. Praticamente as unidades mais fracas do jogo (para comparação, eles não possuem nenhuma armadura, têm um dos menores bônus de avanço e menos da metade de danos por segundo de uma unidade básica dos Dark Elves), eles estão lá justamente para um único objetivo: serem mortos (e talvez atrasarem assim os inimigos).
Sem medo de alterar as mecânicas de batalha — e aleluia por isso — a Creative Assembly dá um atributo especial para as unidades dos Tomb Kings: a necessidade de agradar os deuses da morte. Quanto mais unidades mortas, mais bônus recebidos. Uma barra localizada no topo da tela indica o nível de oferendas dadas na batalha e quais os bônus disponíveis, que começam com a recuperação de pontos de vida das unidades e depois incluem a possibilidade de invocar unidades mais poderosas.
É satisfatório jogar todas as unidades que você tem na linha de frente e vê-las não só destruir a moral dos oponentes, mas durarem muito tempo mesmo com um potencial de ataque muito baixo. Claro que há um imenso risco ao fazer isso, porque se um dos seus flancos ficar exposto… pode dizer “adeus”.
Lordes lendários, heróis e Constructs — as unidades de grande porte dos Tomb Kings — ganham um atributo de suporte ao invés de serem as tais “unidades que podem mudar o curso de uma batalha”. Me pegava em encruzilhadas onde fui flanqueado, tinha de correr para salvar os meus soldados para que conseguissem recuperar pontos de vida o suficiente com o objetivo de maximizar a sua presença em campo e aumentar as “oferendas” aos deuses da morte para que unidades mais poderosas entrassem em campo o quanto antes. Para completar, a morte de um lorde lendário na batalha significava que todo o meu exército seria instantaneamente dizimado. Perdi a conta de quantas vezes prendi a respiração por estar tenso.
Minha tática preferencial foi atrair a atenção do oponente para que ele movesse um grande contingente de tropas para uma área isolada do mapa, fazer com que o atrito cansasse as unidades dele e então dava a cartada final com uma unidade mais poderosa; recuava as minhas tropas e repetia o processo. As poucas vezes que desgrudei os olhos da tela foram as minhas piores derrotas. Esqueci de bater em retirada ou não notava que o inimigo movimentava uma catapulta ou uma hidra para cima dos meus pobres esqueletos. “Sem descanso para você”, era o lema de Total War: Warhammer para os Tomb Kings.
Pontuo bem essas mudanças pois, a grosso modo, Total War: Warhammer não é tão variado em táticas quanto as versões históricas (Shogun, Rome II, Attila). Muitas batalhas eram ganhas no “ataque tudo junto e solte magias”; o que trazia um certo ar de similaridade à medida em que você avançava na campanha. Tomb Kings retoma a granularidade, mesmo que ainda bem superficial.
Claro que uma batalha não significava a vitória de uma campanha, e ao retornar aos mapas do Vortex ou Mortal Empires continuava tão tenso quanto antes. A tática que aplicava funcionava quando as minhas unidades eram variadas e estavam em um mapa onde fosse capaz de efetuá-las com eficácia. Em terrenos como desertos (lar dos Tomb Kings), ou batalhas em cidade? Nem tanto. Perdi as minhas quinze primeiras tentativas na campanha por estender demais o meu exército para defender a retaguarda, ou por não prestar atenção na ordem pública das cidades e acabar não tendo ouro para lidar com a compra, ou melhor, “crafting” de unidades.
Uma das funcionalidades exclusivas dos Tomb Kings são os Canopic Jars, usados para invocar rituais para os deuses que dão acessos a novas unidades. Tão escassos quanto carne em feira vegana, tê-los em mãos era questão de vida ou morte para estabelecer controle territorial. Eventos especiais os dão de tempos em tempos, mas nunca, nunca é o suficiente. Se atacar tinha de ser algo investido e certeiro, a movimentação no mapa de campanha era calma e cautelosa. Colocar um exército imenso frente a outro e apostar no “auto resolve”, que conclui automaticamente a batalha, era jogar demais com a sorte; e na maioria das vezes ela não estava do meu lado. E que jogue a primeira pedra quem nunca recorreu a essa opção dentro de uma campanha de Total War.
Restou-me uma única opção, uma que não esperava usar com tanta frequência em uma campanha de Total War: Diplomacia. Sim, aquela que critiquei em ambos meus textos sobre o jogo base, falando sobre o quão superficial e desnecessária parecia ser. Sua superficialidade se mantém a mesma; entretanto a quantidade de batalhas ou tratados de paz que efetuei em trocas de míseras moedas para conseguir novas unidades não está no papel. Criava pactos defensivos, pedia acesso militar para mover minhas unidades e recuperar os livros de Nagash, estudava o terreno e via quando era hora de avançar ou de defender. Sentia que jogava algo tão diferente do que estava habituado que nem parecia Total War.
É no “não parecer” que a Creative Assembly revela a sua capacidade de reinventar regras. Sai dos padrões aos quais já estava acostumada com as expansões do primeiro Total War para trazer algo “rejuvenescedor” para a franquia. Por isso que planejo voltar e completar a campanha mais vezes para pôr as minhas estratégias e táticas à prova.
Nas areias do deserto a Creative Assembly não só demonstrou que números são relevantes até certo ponto, mas que personalidade é um traço importantíssimo para uma facção. Tais personalidades – que a Creative Assembly tentou levar para Rome II com muito menos sucesso – indicam mais uma vez que a empresa está ciente de que é necessário fazer as facções se destacarem cada vez mais além de meros números ou novas unidades. Tomb Kings dá isso de sobra, e se torna uma expansão quase essencial para quem planeja gastar mais tempo com Total War: Warhammer II ou para quem quer sair do “mais do mesmo” (que já é bem diferente) do jogo base. Que isso seja um indício de que Total War: Three Kingdoms será tão variado e cheio de características próprias quanto os Tomb Kings.
Total War: Warhammer II: Rise of the Tomb Kings
Total - 9
9
Complexos de serem jogados, os Tomb Kings mostram uma Creative Assembly com mais liberdade, sem medo de adicionar mecânicas inusitadas e com mais vontade de alterar a fórmula de sua franquia principal. Total War: Warhammer II certamente começou com o pé direito no quesito conteúdo extra.