Você já olhou para duas edições do mesmo livro e falou “bom, eles não podem ser tão diferentes assim; talvez uma reimpressão, uma capa nova, ou adições extras no apêndice”, mas a partir do momento em que você começa a prestar atenção nos detalhes, um abismo se cria e as duas edições não são nada parecidas? Pois é, é mais ou menos o que acontece com “Forge of The Chaos Dwarfs” (Steam), o mais recente DLC para Total War: Warhammer III.
Mecanicamente, os três lordes – Astragoth, Drazhoath, e Zhatan – compartilham dos mesmos sistemas de gerenciamento. Isto em si não é nenhuma novidade para Total War: Warhammer III, já que a Creative Assembly tende a usar o mesmo tipo de “arquétipo” quando uma nova facção é adicionada. O que me faz parcialmente mais interessado em jogar com eles do que com outra facção é, para a surpresa de ninguém, gerenciamento.
Eu sou um jogador de longa data da franquia Total War; vi ela mudar, por exemplo, de um sistema de diplomacia baseado em agentes que eram enviados de lá pra cá, como em Rome: Total War, para um sistema de diplomacia que pode ser ativado no toque de um botão. Eu concordo que algumas mudanças foram para o bem da franquia; não consigo imaginar alguém tendo que administrar diplomatas, espiões, heróis (que agora atuam como espiões), e lordes lendários em Total War: Warhammer III sem se sentir entediado. Mas eu sinto falta dessa camada extra, e os Chaos Dwarfs adicionam isso através de seu sistema de economia e produção.
Ao invés de seguirem um estilo “tradicional” de expansão populacional, os Chaos Dwarfs enxergam o seu povo como tendo uma única função: mão de obra. Ao conquistar uma cidade você precisa escolher entre obter mais mão de obra, mais dinheiro, mais recursos para construções ou mais armamentos.
Não é a primeira vez que uma facção usa esse sistema e muitos podem até olhar para mim e dizer “Lucas, mas é tudo uma questão de semântica!”. Concordo em partes. Por mais que esse sistema tenha aparecido de uma forma ou outra em Total War: Warhammer, ele não foi usado com tamanha extensão como os Chaos Dwarfs usam.
As minhas três campanhas – cada uma com um dos três lordes na dificuldade lendária – revelaram o quão rápido uma economia mal estruturada aliada a um péssimo gerenciamento de exército pode fazer a sua campanha desmoronar em questão de segundos.
Afinal, o principal objetivo na campanha tradicional (e, a partir da atualização 3.1, um objetivo opcional no Immortal Empires) é construir a Grande Broca de Hashut e obter poderes especiais. A broca não só requer um investimento absurdo – que vai durar praticamente a partida toda – como várias das suas partes ocupam slots que poderiam ser usados para outros tipos de edificações.
A cereja no topo do bolo é que, além de matéria-prima para a broca, algumas das melhores unidades dos Chaos Dwarfs estão “bloqueadas” por trás de armamentos que são ou fabricados em cidades-fábricas ou trazidos por caravanas (mais sobre isso em breve). Ah sim, eu já mencionei que você precisa também de dinheiro para fazer toda essa economia girar? Pois é.
Se você leu e pensou “então é melhor expandir o quanto antes?”, você acertou em cheio. Expandir, expandir, expandir até dizer chega é a melhor estratégia de early game com os Chaos Dwarfs. Só tem um pequeno problema, você é odiado por tudo e por todos – até mesmo outros lordes que lutam por um local na torre de Zharr. Diplomacia? Só se for em teoria.
É aí que os pequenos detalhes entre os líderes começam a se mostrar ainda mais aparentes. Os bônus de 5% em recuperar as unidades após uma batalha de Astragoth foram cruciais quando eu enfrentei as hordas de Skaven e Greenskins que estavam pelo meu caminho. Por outro lado, a diminuição de 25% de upkeep de unidades K’daai para Drazhoath o tornam um excelente lorde do mid game para frente.
Os três lordes podem compartilhar o mesmo exército, mas os caminhos que te levam até a batalha final da campanha não poderiam ser mais variados. Este é o tipo de adição que me agrada em Total War: Warhammer. Eu vi ao longo dos anos muitos outros lordes com bônus patéticos que sequer alteravam o estilo da campanha além da área inicial. Depois de dois turnos você acabava com o mesmo arroz e feijão de sempre, algo que eu vi poucas vezes acontecer com os Chaos Dwarfs.
Isso até se estende para o multiplayer, que explorei mais a fundo graças à demora na produção desta matéria. A maioria dos jogadores ainda vai se agarrar ao “meta” — que se resume basicamente em “compre a unidade mais barata e jogue-a para cima do inimigo” — e isso não é tão diferente para os Chaos Dwarfs.
Em contrapartida, muitas dessas táticas podem ser interrompidas devido ao majestoso arsenal de armas de fogo ou unidades com alto alcance de área. Claro que elas acabam sendo um pouco preciosas demais, e requerem o dobro de cuidado na hora de movimentar no campo de batalha, mas para alguém que lutou contra jogadores que usavam e abusavam de unidades baratas dos Khorne, conseguir parar uma investida “barata” com canhões ou máquinas gigantescas demoníacas é extremamente satisfatório.
Mas, apesar de tantas coisas boas que vieram com os Chaos Dwarfs, ainda há uma série de oportunidades perdidas pela Creative Assembly. A primeira e mais óbvia delas é o sistema de caravanas. A estrutura base dele é a mesma de Grand Cathay. Escolha um líder, defina uma rota e decida eventos que podem aparecer durante o trajeto. As rotas usadas pelos Chaos Dwarfs são mais difíceis, devido à natureza antagonista deles, e por consequência mais eventos negativos surgem, mas bem que eu gostaria de um sistema mais elaborado – ao menos elaborado ao ponto de conseguir interagir com as mecânicas econômicas dos Chaos Dwarfs.
Eu aplico a mesma crítica para a torre de Zharr; em termos de “lore” é um exímio exemplo de como os Chaos Dwarfs se odeiam, e da mais absoluta desorganização e birras internas que existem entre os lordes. Na prática os benefícios são baixíssimos.
Primeiro que obter a sua principal moeda, “Conclave”, requer que você sacrifique seus trabalhadores ou tenha construções únicas. Considerando que a economia da facção já é um pouco “avançada”, em comparação com outras facções de “Total War: Warhammer III”, decidir entre expandir e dominar seus oponentes ou +1% de produção ao garantir um assento na torre de Zharr e gastar conclave, eu vou para a primeira opção sem sombra de dúvidas.
Há espaço para melhorias na torre de Zharr e a própria comunidade, por meio de mods, já fez isso. Todavia, um sistema mais elaborado, com bônus mais potentes, significaria que a Creative Assembly teria que melhorar a IA dos seus aliados e oponentes na campanha, já que os dois outros lordes também batalham por assentos na torre de Zharr. E, se tem algo que eu aprendi ao longo da minha cobertura da série Total War é que IA é um assunto complicado, complexo, e que mudanças demoram muito para acontecer. Eu consigo muito bem ver a Creative Assembly revisitando os Chaos Dwarfs no futuro para adicionar tais melhorias, mas não imagino que elas virão tão cedo – ao menos não em 2023.
Outro ponto que é impossível de não mencionar é a nova região dos Chaos Dwarfs, que faz com que todos os lordes acabem lutando contra os mesmos tipos de inimigos independentemente de como expandirem. Como disse antes, o segredo está nos detalhes e em como cada lorde luta com esses inimigos e quais são os seus bônus – que só vão evoluindo à medida em que a campanha progride.
Sei que posso deixar muito fã de Warhammer irritado com tal proposta, mas bem que Creative Assembly podia ter colocado os lordes mais afastados e tornado suas brigas internas mais interessantes por meio de eventos para que uma eventual batalha entre eles fosse mais impactante. E antes que grite “mas o lore”, lembre que Grand Cathay sequer era uma facção direito antes de dar as caras em “Total War: Warhammer III”.
Seria muito fácil para mim fechar essa crítica com “Mas como toda facção, ela não é essencial para todo fã de Total War: Warhammer III”, mas isso se aplica a praticamente toda facção pós-lançamento desde meados de Total War: Warhammer II. O que eu vejo nos Chaos Dwarfs é diferente; é uma tentativa ao mesmo tempo ambiciosa e auto restritiva da Creative Assembly de pegar uma facção e adicionar ainda mais mecânicas em um jogo que já está inchado delas sem perturbar demais o equilíbrio do restante do jogo.
Em termos de campanha, ela foi parcialmente bem-sucedida e eu realmente torço para que ela volte aos Chaos Dwarfs para aparar as arestas que foram deixadas. Mas é nas batalhas que os Chaos Dwarfs realmente brilham, seja no modo online ou no modo offline. A variedade de novas unidades, as animações e tudo que diz respeito a “mais unidades” sem cair em muitas “reskins” — embora algumas existam ali e acolá — dá um banho de qualidade em comparação aos “Champions of Chaos” – o primeiro DLC lançado para “Total War: Warhammer III”.
A única coisa que eu não irei defender de jeito algum é o preço praticado pela sua publisher SEGA no Brasil. R$99,00 para três novos lordes lendários é absurdo, mas isso pode ser estendido para os novos preços praticados pela publisher no país e não necessariamente estão ligados a Total War. Saudades do tempo que jogos e DLCs eram mais acessíveis para o público em geral.
Eu me vejo muito bem retornando para jogar os Chaos Dwarfs, seja casualmente, seja de forma competitiva, caso o tempo me permita, ou com uma nova leva de mods, agora que eles foram propriamente implementados no Immortal Empires na atualização 3.1. É uma facção interessantíssima de se jogar e com variedade o suficiente para durar o restante do tempo de vida de “Total War: Warhammer III”. E, se você simplesmente quer novos “brinquedos”, ou usar uma máquina gigante de fogo contra os seus inimigos, não pense duas vezes em comprá-lo.
Total - 8.5
8.5
Os três lordes lendários que formam os Chaos Dwarfs podem parecer similares, mas seu estilo de jogo e expansão mudam drasticamente ao longo da campanha. Suas mecânicas econômicas são o meu maior atraente e, embora alguns aspectos — como a reutilização do sistema de caravanas de Grand Cathay, assim como a Torre de Zharr — acabem dando a sensação de serem “inúteis”, tomar territórios e ver as tropas de anões, goblins e máquinas esmigalhando os inimigos não tem preço.