Acompanhar o trabalho da Creative Assembly, seja como crítico ou como fã, é muitas vezes uma imensa montanha russa. Quando a expansão “Mythos” (Steam) foi anunciada para Total War Saga: Troy (Steam), vi boa parte da comunidade comemorar e falar que Troy devia ter sido isso desde o começo. “Devia?”, pensei. Uma coisa eu digo de cara: Mythos é o melhor conteúdo que a Creative Assembly fez para Troy. Isso fez dele um jogo melhor? Essa resposta, é claro, é bem mais complexa.
O meu interesse por Total War Sagas: Troy é quase que estritamente ligado às mecânicas que ele traz de novo para a franquia, já que vejo os spin-offs como uma incubadora de ideias — que a Creative Assembly pode ou não levar à frente para os próximos jogos. Uma dessas mecânicas é a minha tão adorada inclusão de matéria-prima não só para o recrutamento de unidades, mas também para uso em cerimônias aos deuses.
Obviamente Mythos faz um competente uso das matérias-primas no novo modo “mitológico” do jogo. As unidades básicas, antes representadas como uma versão não fantasiosa, agora possuem um novo visual e têm seus custos de recrutamento ajustados. Eu posso, por exemplo, ter no primeiro turno como Tróia gigantes no meu exército – até cogitei recrutá-los até ver os custos de materiais. Minhas províncias não geram bronze e recrutá-los seria um tiro no pé a longo prazo.
Sendo assim, o jogo de equilíbrio entre recursos, diplomacia (sim, ela ainda continua mediana, já que traz o mesmo sistema de Total War: Warhammer e não os nuances de Three Kingdoms), batalha e narrativa se mantém forte. Meu problema mesmo está com a inclusão dos novos monstros míticos.
O processo de recrutá-los em si, se colocado em um contexto separado das mecânicas de Troy, é fantástico. É o tipo de cadeia de eventos que a Creative Assembly se esforçou tanto para criar no desenvolvimento de Total War: Warhammer – com os seus altos e baixos – dando frutos. Embora você tenha de escolher entre ter o Grifo, a Hidra ou Cerberus, os eventos dos três são fantásticos.
Grande parte disso vem da maneira que ele afeta o seu exército; é preciso que você tenha um exército auxiliar para ir em expedições e completar “dilemas”. No caso da Hidra, o primeiro monstro que eu “capturei”, eu tive que escolher entre obter experiências para os meus soldados ou novas unidades, vê-las perder pontos de vida ou ficarem com fadiga no começo de múltiplas batalhas. Após completar os cinco dilemas – que acredite, demoram mais do que você imagina – você então é levado para a batalha “final” para então ter a Hidra no seu exército.
Mais uma vez a Creative Assembly dá um show de como montar batalhas épicas e difíceis. Não é só chegar com um bando de soldados, dar um tapa bem forte na Hidra e sair vitorioso. Há uma série de fatores a serem considerados como reforços do “culto da hidra” caso suas escolhas tenham sido diferentes, outros seres mitológicos servindo de apoio para conter o seu avanço ou sacerdotes que adoram lançar ataques devastadores contra o seu exército.
Nessa parte foram os deuses do save scum que me fizeram ganhar a batalha. Devo ter reiniciado ela dez vezes. Não sei se foi por incapacidade minha de entender as táticas do inimigo, o sono (não lutem batalhas grandes de Total War às quatro da manhã), ou puro azar. O que importa é que no fim das contas eu tinha a Hidra do meu lado e um exército poderosíssimo. É aí então que Total War: Troy vira algo trivial.
Ainda que eu tenha mencionado a necessidade de dois exércitos – um base e um para as expedições – os bônus dados pela cadeia de eventos, como novas unidades, reduz e muito a necessidade de se preocupar em equilibrar os gastos de matéria-prima, mais do que já era feito no jogo base. Existe uma pequena variação entre os seres mitológicos, como Cerberus, que pode fazer você perder um herói lendário, mas ainda assim é um sacrifício que vale a pena para ter uma unidade tão poderosa.
Eu não exagero quando menciono o poder dessas unidades mitológicas. Elas possuem os seus recursos próprios que são risíveis quando comparados com o restante de Troy. A minha Hidra usa um recurso chamado “vitalidade” que é obtido a cada turno que ela está em um exército. O custo? 10% de atrito, o que não significa muito em Troy.
Você pode usar a vitalidade para ativar ataques venenosos para todas as suas unidades e reduzir o custo de construção de certos edifícios. Caso não use e o recurso acumule, a Hidra tem um aumento de +50% de pontos de vida e +40% de dano da distância. Isso porque eu nem entrei nas habilidades passivas obtidas ao subir a Hidra de nível, como adicionar dois slots para unidades únicas no seu exército assim que a Hidra chega ao nível 3. Resumindo, a Hidra é um trator gigante que passa por cima de todos os exércitos do jogo e você pode esperar o mesmo das outras duas criaturas mitológicas.
Em um piscar de olhos você precisa se preocupar muito menos com as relações entre os seus aliados, em oferecer sacrifícios aos deuses, em que tipo de província conquistar de acordo com o material produzido. A não ser, é claro, que o material produzido gere algum tratado comercial benéfico para você. É como voltar à estaca zero da camada estratégica.
Óbvio que isso vai alternar de acordo com o herói que você escolher no começo da campanha. As amazonas e seu modo “horda” são muito mais difíceis de lidar no processo de obter uma criatura mitológica do que Tróia. Mas, com o devido tempo e esforço, você consegue uma, e o resto é passar por cima da IA que não sabe lidar com tamanho poderio.
Eu queria muito que a Creative Assembly tivesse trabalhado em um sistema de manutenção mais bem integrado com a proposta de recursos de Troy. Nem mesmo Total War: Warhammer me deixa fazer o que bem quero com tamanha gratuidade, e olha que eu sou fã de jogar com os Skaven que já são “quebrados” para começo de conversa, vide Prophet and the Warlock.
O que então me faz voltar ao comentário original de muitos fãs de Total War: É isso que Total War Saga: Troy devia ter sido desde o começo? Pode ser que sim, mas também é preciso levar em consideração que o lançamento original dele ocorreu em agosto de 2020 quando Total War: Warhammer II ainda estava sendo trabalhado ativamente.
Não consigo imaginar uma situação mais desconfortável do que uma empresa ter dois jogos cujas propostas são tão similares. A Creative Assembly estava entre a cruz e a espada e escolheu o caminho menos “pejorativo” para ela. Se ele tivesse sido adiado para este ano, mesmo que tivesse mantido a exclusividade da Epic Games Store, e ter integrado melhor Mythos no repertório, aí sim eu concordaria que é o que ele devia ter sido desde o começo.
Mythos tem uma direção e um público bem claro: aqueles que sonham em controlar essas criaturas míticas e aproveitar o conto da Ilíada da forma mais fantasiosa possível. Como disse no início do texto, grande parte do que é adicionado por Mythos é muito competente e até que se integra bem no jogo – seja esse o aspecto visual, as novas unidades ou os novos campos de batalha.
Ironicamente, a inclusão de Mythos e da atualização 1.6 que adiciona o modo “histórico” acabou tornando Total War: Troy o meu favorito para jogar com uma parcela extra de realismo. O sistema de matéria-prima aliado com a fragilidade das suas tropas faz com que ele seja muito mais complexo e o jogo de equilíbrio fica bem mais apertado.
Frente a todos os pormenores, uma coisa é certa: Total War Saga: Troy está muito melhor e mais coeso em múltiplas frentes em comparação ao caos e desbalanceamento que ele era no lançamento. Você ainda vai ter que lidar com uma IA menos refinada do que Three Kingdoms, o sistema de diplomacia ainda é precário, mas acho que a esta altura todo fã de Total War já espera isso, até que a Creative Assembly venha com seu novo projeto ambientado no período dos Três Reinos.
É um jogo que vale a pena conhecer com ou sem a expansão Mythos. Há dezenas de pequenas ideias, como maior impacto do terreno na movimentação das unidades, o sistema de sacrifícios e divindades mais robusto do que Total War: Warhammer, e é claro o uso mais proeminente de matéria-prima para o seu exército, que já mencionei tanto que você deve estar cansado de ler. Mythos dá aquele sabor adicional, mas eu vou esperar algumas atualizações – caso elas venham – para revisitar o modo “mitológico”.
Total War Saga: Troy - Mythos
Total - 8.5
8.5
Mythos é, no mínimo, uma expansão interessante para Total War Saga: Troy. Muitas das ideias que ela traz – como uma interpretação mais fantasiosa – se encaixam na proposta do jogo. Entretanto, as criaturas míticas são poderosas demais e fazem com que jogar a campanha com a maioria dos heróis seja um tanto trivial. Se o seu desejo é controlá-las, vá em frente, mas certifique-se de selecionar a dificuldade mais alta.