Thrones of Britannia (Steam) é a maior “chacoalhada” na fórmula tradicional de Total War desde Empire: Total War. Também é um dos games mais fracos da série. Ambas as frases são verídicas, e demonstram perfeitamente o quão divisivo o spin-off da Creative Assembly é.
Digo até que Thrones of Britannia vai além de um mero spin-off; ele é a continuação do processo de incubação de ideias da Creative Assembly, iniciada originalmente com Empire Divided para Total War: Rome II. Inicie uma partida e você já dá de cara com dezenas de novidades em relação ao gerenciamento do seu império, relações com vassalos e, acima de tudo, diplomacia.
Na tentativa de tirar algum aprendizado de Crusader Kings 2, a Creative Assembly redobra os esforços em dar alguma personalidade aos seus vassalos, e aparentemente a melhor forma é torná-los voláteis. Um deslize e alguém da sua facção estará descontente com alguma decisão sua. Wesseaxna, a primeira facção que decidi experimentar, já me demonstrou isso muito bem.
Não havia meio termo para os meus vassalos; ou alguém estava descontente por conta de eu ter decidido tomar um território inimigo, ou porque não o apoiei em uma decisão, ou devido a eu não ter construído uma nova edificação quando ele queria. Essas coisas de vassalos na época medieval. Independentemente do que era, bastaram um ou dois turnos para a lealdade deles cair assustadoramente, até que isso resultasse em rebeliões e guerras civis. Essas rebeliões surgem tanto relacionadas às minhas ações como às ações da IA e, se isso torna o mapa de Thrones of Britannia um dos mais “vivos” da franquia, por outro lado mostra uma séria falha em oferecer qualquer granularidade diplomática, coisa que menciono desde Total War: Warhammer. Qualquer resultado sempre acaba em uma questão de “tudo ou nada”: ou é do jeito do vassalo ou ele irá se rebelar. Resolva os problemas internos o quanto antes e que se dane os objetivos principais da campanha.
A questão se agrava quando se joga com facções em posições mais complexas, o que foi o caso do grande Exército Viking, aqui representado por Nortrumbia e Eastengla. Eastengla é uma facção que se apoia bastante na guerra; saqueie outras províncias, destrua seu inimigo, domine. Ao mesmo tempo em que você tem essa necessidade de saquear e destruir, um sistema de fervor de guerra era usado para garantir que eu não “estendesse demais” o meu domínio. Muitas batalhas — mesmo que vitoriosas — diminuíam esse fervor e me impediam de prosseguir a minha conquista territorial.
Inicialmente, vi isso como um bizarro sistema de “soft cap” que não fazia sentido, ainda mais quando se considera a densidade do mapa (uma cidade pode estar a menos de um turno de distância). Olhava confuso para a tela: “por que vocês querem que eu faça X, mas só querem que X ocorra quando vocês desejarem? Por que você quer que eu resolva os problemas internos ao invés de avançar?”. Não tardou para eu entender que o problema de Thrones of Britannia residia especialmente nas suas condições de vitória.
Cada facção tem três tipos de vitórias: curtas, longas e suprema. As curtas tendem a ser relacionadas a obtenção de fama (conquiste territórios, torne uma facção inimiga em vassalos, etc), controle de povoados ou vitória de reinado — que pede para que você controle completamente determinadas províncias. Já as vitória longas são variáveis das vitórias curtas; se uma vitória curta requer o controle de 40 províncias, uma vitória longa requer 110. Por fim, a vitória suprema varia de acordo com as facções. No caso de Wesseaxna, a eliminação da frota invasora viking. A ideia é boa pois provê incentivo tanto a curto como longo prazo; isso é, se não fosse absolutamente fácil realizar qualquer tipo de vitória que não seja a suprema.
Wesseaxna começa com três das quatro províncias necessárias para uma vitória de Reinado curta (Hamtunsci, Kent e Middel Seaxe) e, devido à abundância de alimentos, ouro e cidades a serem saqueadas ou destruídas, é fácil tomar Staeffordscir sem muito esforço. De certa forma, a própria dominação de Staeffordscir alimenta a vitória de fama curta (fama é obtida ao aumentar o fervor de guerra e ocupação de povoados) e a vitória de conquista curta (controle de 80 povoados). O efeito de bola de neve é devastador para o ritmo da campanha de Thrones of Britannia. Tive partidas onde havia terminado metade das minhas conquistas pelo vigésimo turno ou, se estivesse com muita sorte, já no décimo quinto turno.
Antes de você pensar que eu sou um exímio estrategista em Total War, entenda que eu jogava da maneira mais desleixada possível. Deixava para resolver crises no último segundo, não prestava atenção em quais construções eu tinha ou não. Por que deveria? Tudo o que eu precisava o mapa me dava de sobra, especialmente porque Thrones of Britannia troca o sistema de “upkeep” — pagar uma quantidade de ouro por turnos para manter os seus exércitos eficiantes em combate — por um “suprimento” de alimentos. Tenha muitas fazendas e você terá um exército imenso. E o que não falta no mapa são fazendas pedindo para serem dominadas. Já deu para perceber que não demora muito para você ficar poderosíssimo, não é mesmo?
Quando eu percebi o potencial de ter um exército imenso e dominar as ilhas britânicas com extrema facilidade, as principais “novidades” de Thrones of Britannia perderam o brilho. Não existe a necessidade de eu interagir com vassalos, ou me preocupar com ordem pública, se eu posso facilmente controlar as províncias com um punho de ferro e ter exércitos na porta de cada cidade. Deixei de ser um líder e me tornei um tirano.
Esse deslize não é uma exclusividade da Creative Assembly, mas sim o exemplo de um efeito muito maior — e muito bem pontuado por Mark Brown em seu vídeo “How Designers protect players from themselves”. No vídeo ele argumenta inúmeras técnicas que desenvolvedores estabeleceram para que nós, os jogadores, não sigamos pelo caminho que é mais rápido e seguro. Vide o exemplo dado por ele (e que foi usado por mim continuamente) do reboot de XCOM: a mecânica de Overwatch. Um soldado que entrar em Overwatch irá automaticamente disparar contra um inimigo que se mover. O jogador, ciente disso, irá optar pela rota segura, que é mover os personagens lentamente pelo mapa e sempre terminar o seu turno com a habilidade de Overwatch. Por causa disso, tanto a primeira expansão de XCOM como XCOM 2 começaram a introduzir timers nas missões, forçando o jogador a tomar riscos.
Esses sistemas também estão presentes em Thrones of Britannia. Todavia, devido ao desbalanceamento e densidade de recursos do mapa, não são capazes de impedir ninguém de simplesmente dominar o mapa e esperar até que a oportunidade de vitória suprema apareça. Vide a nova mecânica de recrutamento, que agora não requer que toda província tenha uma edificação de infantaria / cavalaria. A Creative Assembly simplifica o sistema, mas em troca faz com que todas as unidades sejam colocadas em campo em menor número. É preciso, portanto, esperar de três a quatro turnos para que ela atinja 100% de eficácia. Todavia, as chances de você realmente ser atacado enquanto essas unidades estão enfraquecidas são pífias.
Não é só esse o sistema presente; a própria movimentação das unidades por território inimigo — que causa uma redução de eficácia e números por conta do atrito — já é algo presente desde os primórdios de Total War, mas ineficaz aqui.
Para um exemplo concreto, deixa eu te relembrar como funciona a campanha de Total War: Warhammer II. A vitória das principais raças requer o controle do Vórtex, uma imensa estrutura localizada na Isle of the Dead da região de Ulthuan. É preciso preparar-se por dezenas de turnos, e então iniciar um ritual e defender a região na qual ele ocorre – considerando também os recursos necessários para o ritual, posicionamento de exércitos e os pormenores. Igualmente, interromper um ritual inimigo requer quase a mesma taxa de preparo — designar exércitos, usar uma frota de invasão caso o ritual não seja na mesma região que estão as suas províncias, verificar se as suas províncias estão defendidas de um possível ataque inimigo.
Perceba como uma mecânica como essa requer toda uma carga de planejamento tanto a curto como a longo prazo, como você é incentivado a se arriscar (invadir uma região inimiga), a estocar mantimentos ou até garantir que a ordem pública não seja um problema.
Retorno para as atitudes dos meus vassalos. Quando falei que a possível rebelião dos meus vassalos é uma questão de “tudo ou nada”, é em grande parte porque eles não me dão nenhuma vontade de efetuar um planejamento ou plano de contenção. É mais fácil deixar tudo estourar e rapidamente tomar o poder para mim do que ter de lidar com o drama que eles causam. Pelo visto Thrones of Britannia se esqueceu de uma importante lição de Crusader Kings 2: vassalos não existem em um vácuo. Uma atitude hostil frente a um deles deveria causar um efeito dominó, coisa que raramente aparece ao longo da campanha.
No fim, acaba que até mesmo a tentativa de dar maior destaque a narrativa é autossabotada pela falta de mecânicas que previnam o jogador de se tornar poderoso demais. Para que me preocupar em manter uma ou outra facção aliada contente, se eu tinha um exército imenso e poder de sobra para dizimá-los do mapa? Decisões sobre a construção de uma edificação, um casamento ou uma rixa entre líderes? Por mim que se explodam.
Me abstenho de comentários sobre as batalhas em si pela frase “Se você jogou um Total War histórico, você jogou todos eles”, e essa frase ressoa muito bem com o que vi em Thrones of Britannia. Baseado na engine do Attila, a maior mudança aparece na remoção do terrível filtro laranja / amarelo que está presente tanto em Attila como em Rome II. Fora isso, espere batalhas nas quais a IA ainda não sabe como fazer um cerco a cidades, clique inúmeras vezes para garantir que as tropas de fato vão para o lugar certo, e torça para que elas não decidam pegar o caminho mais longo.
Gosto muito dos elementos trazidos por Thrones of Britannia, quando os olho de maneira isolada. O sistema de vassalos é uma excelentíssima ideia; introduzir uma narrativa mais forte é algo que a franquia precisa há muito tempo e até mesmo o sistema de recrutamento de tropas é algo que me atrai. Assim que você coloca todos na mesma tigela, você tem essa zona onde nada se une com nada e os elementos não conseguem estabelecer um diálogo entre si; o mesmo resultado que vi em Empire Divided, dessa vez com uma camada extra de polimento.
Mesmo que o resultado seja decepcionante, é um interessante avanço de um ponto de vista de design. Thrones of Britannia não cumpre o que promete, o que é uma pena, mas ao menos me dá esperanças de que a Creative Assembly consiga entender o que aconteceu de errado e possa aplicar esse aprendizado em Total War: Three Kingdoms.
Total War Saga: Thrones of Britannia
Total - 6.5
6.5
Thrones of Britannia está borbulhando de novas ideias e mecânicas que poderiam ser descritas como “inovadoras” para a Creative Assembly, mas que infelizmente só funcionam de forma isolada. O resultado é um game de estratégia decepcionante, com sérios problemas de balanceamento e oportunidades perdidas. Que o aprendizado obtido aqui seja bem aplicado em Total War: Three Kingdoms.