Se alguma coisa é para ser tirada de 2024 acerca da Creative Assembly, é que ele foi um ano de um doloroso aprendizado para a desenvolvedora: projetos cancelados no ano anterior, uma perda de confiança da comunidade, e a lenta mas cadenciada reconquista da mesma. “Total War: Warhammer 3” recebeu a devida atenção com atualizações contínuas e um DLC muito bom, “Thrones of Decay”. Nada tinha me preparado para o anúncio e o subsequente lançamento de “Total War: Pharaoh – Dynasties” (Steam) — um projeto que eu não sei como saiu do papel.
Quando eu joguei “Total War: Pharaoh” em 2023, apontei-o como um competente misto entre o que a comunidade considerava “novo” e “antigo” da franquia “Total War”. A comunidade não me acompanhou. Não é à toa; um preço altíssimo, poucas facções, e mecânicas que já tinham se tornado infames na comunidade desde a era “Sagas”. “Total War: Pharaoh – Dynasties” basicamente joga “fora” um pedaço da sua própria essência e fala “Ok, vocês não gostam disso, que tal isto então”?
A sensação que eu tive ao começar uma nova campanha em “Total War: Pharaoh – Dynasties” não era a de “Ah sim, agora Pharaoh está completo”. Isso poderia muito bem ser feito com atualizações ou DLCs pagos e gratuitos, o bom e velho método da Creative Assembly. Não, a mudança é muito mais profunda e, como todo bom jogo de estratégia, ela está nos detalhes.
Na superfície, “Total War: Pharaoh – Dynasties” se transforma de um jogo focado na região do Egito para um gigantesco jogo de estratégia da Idade do Bronze — exatamente o que eu e mais tantos outros fãs esperavam que a desenvolvedora fizesse um dia. O mapa foi consideravelmente expandido para incluir a região do mar Egeu; Tróia, Babilônia e Micênia se tornam facções jogáveis, e o jogo agora possui um sistema de dinastias. Foi embora a era de heróis e personagens que não podem ser mortos, apenas feridos.
Tudo isso é muito bom de se ver e eu não nego que eu tive ótimos momentos com a minha campanha com a Babilônia. Novos objetivos, tipos de conquista, deuses e novas linhas “narrativas” a serem seguidas. “Total War: Pharaoh – Dynasties” não abandonou esse aspecto, ao menos no que diz respeito às facções majoritárias. E, dado o período de ascensão e declínio da Idade do Bronze, é o jogo que mais faz sentido possuir. Mas, sabe o que me deixou feliz mesmo? Jogar com facções minoritárias.
Por boa parte de uma década a comunidade de Total War tem carregado nas costas as facções minoritárias dos jogos da franquia. Mods adicionam novas unidades, alteram províncias, reajustam valores de dano e fazem com que facções que muito bem poderiam estar nos jogos — e às vezes não estão por questão de tempo e dinheiro — se tornem uma realidade.
Jogar com a Assíria é uma experiência completamente diferente de jogar com a Babilônia. A facção minoritária (para o período) pode não ter todos os detalhes visuais ou uma narrativa complementar, mas ela compensa o que falta com uma experiência tão próxima do estilo “sandbox” dos Total War antigos que, se não fossem por outros sistemas presentes em “Total War: Pharaoh – Dynasties”, eu podia muito bem me convencer que ele foi lançado antes mesmo da série “Warhammer” e da mudança de foco da Creative Assembly.
É fascinante ver uma série de mecânicas que estavam “inacabadas”, ou que não faziam muito sentido no contexto de “Total War: Pharaoh” ganharem a devida relevância em “Total War: Pharaoh – Dynasties”. Para começo, diplomacia — o calcanhar de aquiles da franquia inteira — agora é mais útil, graças ao sistema de dinastias e casamentos para fortalecer relações. É uma adição não só essencial para “Pharaoh”, mas para a franquia no geral.
Embora ela não resolva todo o problema da diplomacia entre nações, como a ainda presente incapacidade da IA de seguir os seus planos ou atacar o oponente durante uma guerra com mais de um aliado, é um passo adiante que devia ter sido feito anos atrás. O sistema de cortes, um dos maiores avanços que a versão original de “Pharaoh” trouxe, agora faz mais sentido quando múltiplas facções estão na luta pelo comando e você faz parte de uma facção minoritária. Usar seus favores para adquirir unidades de elite deixou de ser luxo para virar uma necessidade.
Até o sistema de recursos, tão enraizado pela franquia “Sagas” e ainda um dos meus sistemas favoritos que a Creative Assembly criou, ganha maior ênfase — tanto na esfera diplomática, com mais tratados, como na escolha de conquista territorial. Você vai abocanhar um território que produz bronze, ou ouro? Qual tipo de recurso a sua nação gasta mais?
Falando em conquista, um dos grandes “avanços” de “Total War: Pharaoh – Dynasties” é na agressividade da IA. Se você era um daqueles que achava que até então a IA de “Total War” era passiva demais, esses tempos acabaram. Na minha partida com a Assíria, não demorou 10 turnos para a Babilônia tentar abocanhar uma das minhas cidades, uma jogada que eu nunca havia visto a IA fazer.
Por consequência, o sistema de “outposts” — que não tinham muito uso até então — serve como um componente tático essencial para sobreviver a investidas com qualquer nação. Equilibrar gastos, recursos, tropas, e manter uma população contente é muito mais difícil em “Total War: Pharaoh – Dynasties” do que em outros jogos da série.
Isso se estende para as próprias batalhas táticas com o novo sistema de letalidade e “campo de visão”. Um dos grandes avanços da versão original de “Total War: Pharaoh” foi uma repaginação do sistema de armaduras onde, quanto mais armadura, mais a unidade “dura” no campo de batalha — e vice-versa. “Total War: Pharaoh – Dynasties” estende isso para englobar um sistema relativamente rudimentar, mas ainda assim interessantíssimo, de “campo de visão”.
Em suma, unidades que utilizam certos tipos de capacetes agora vão ter seu campo de visão reduzido e não vão atuar tão bem como unidades de ataque rápido. Aliado a alterações e elevações no terreno, essas unidades têm mais dificuldades de enxergar tropas que estão em uma formação mais “aberta” ou em mato alto.
Quem acompanha o cenário tático, principalmente Wargames, não vai se impressionar nem um pouco com o sistema. Mas, para a série “Total War” esse é um avanço fenomenal. “Total War: Pharaoh – Dynasties” pega o que podia ser muito bem uma quantidade pouco “variada” de tropas, dado o período, adiciona pontos positivos e negativos para cada uma delas — ao ponto que eu tive que repensar muitas vezes a formação dos meus exércitos.
Isso é particularmente notável quando se joga de Tróia ou Micênica. Tropas mais bem armadas e com proteção extra, mas que podem ser flanqueadas com certa facilidade dependendo do mapa. Eis que então entra o sistema de “letalidade”. Letalidade não é nada mais do que a chance de uma tropa não só perder moral, mas unidades com um único golpe. Os valores variam de acordo com o tipo de unidade, terreno e outras tantas variantes. Eu gosto mais do sistema no papel do que a sua atual implementação em “Total War: Pharaoh – Dynasties”.
Um dos grandes “problemas” que surge com o novo sistema de letalidade é um aumento considerável do dano de arqueiros, fundeiros ou tropas híbridas com lanças. Quem é da “era antiga” do primeiro “Rome: Total War” vai muito bem se lembrar como a cavalaria poderia dizimar exércitos inteiros com uma ou duas investidas. Agora é a vez dos arqueiros fazerem isso. Nem mesmo as poderosas tropas de Tróia são capazes de aguentar uma chuva de flechas — e olha que a maioria delas estão armadas de escudo. Entendo muito bem a presença de artilharia nos campos de batalha desde antes de Alexandre o Grande, mas centenas de arqueiros não deveriam estar no mesmo nível ou causar o mesmo dano tanto físico quanto psicológico de uma balista.
A “falha” não seria tão grande se “Total War: Pharaoh – Dynasties” tivesse um sistema mais similar ao de “Total War: Three Kingdoms”, com formações avançadas e a possibilidade de reduzir as chances de ser esmagado antes mesmo de chegar no inimigo. O fato de não ter por conta da sua origem em “Sagas” é doloroso. Mas, como eu disse no parágrafo anterior, a implementação não pode ser das melhores e eu a prefiro em teoria, mas é irrefutável que é outro avanço crucial da Creative Assembly.
Aliado com os avanços já presentes no sistema de clima, como apontei na minha crítica anterior, a Creative Assembly chegou bem, mas bem perto de criar um dos meus sistemas de batalha favoritos de qualquer “Total War”. Se eu não tivesse caído de amores pelo sistema de obstáculos que “Three Kingdoms” utiliza e pelas edificações de cerco adicionais de “Warhammer III”, este seria o mais próximo da perfeição. Quem sabe, em um jogo futuro, a desenvolvedora consiga mesclar todos esses sistemas em um grande jogo.
Mas, como reiteirei tantas vezes nesse artigo, “Total War: Pharaoh – Dynasties” não vai “solucionar” questões como os períodos de ascensão e crise, a invasão do Povo do Mar e o eventual “colapso” da Idade do Bronze, muito menos deixar de lado as múltiplas guerras entre facções. Remover isso para um conceito “puramente” sandbox seria eliminar a essência do período e a tensão que ele traz.
Se algo, o que eu mais vejo é a comunidade de estratégia mais e mais interessada em sistemas de ascensão e declínio. Seja as crises de “endgame” de “Stellaris” — que na minha visão foram um dos componentes mais influentes do 4X — mods de declínio de impérios para “Europa Universalis IV” e, mais recentemente, o próprio “Field of Glory – Empires” e “Field of Glory – Kingdoms”. Pode não ser uma solução que agrade a todos, mas com certeza é uma que ainda vai receber muitas iterações em jogos de estratégia de médio a grande escopo.
“Iterar”, quiçá seja essa a palavra que define tão bem “Total War: Pharaoh – Dynasties”. Ele podia ter “morrido” como o patinho feio da franquia, tal como aconteceu com “Thrones of Britannia” — embora este ainda tenha os seus fãs — mas a Creative Assembly Sofia iterou no que funcionou, e no que não funcionou, jogou fora e trouxe de volta o que tantos queriam por anos.
Agora sim, eu falo sem a menor sombra de dúvidas: esse é o melhor híbrido do “Total War” antigo com a nova era de “Total War”. Esse é o novo patamar que a Creative Assembly precisa, no mínimo, atingir com o seu próximo grande projeto histórico. Por mais falhas que ainda persistam de alguma forma, seja por conta da origem de “Pharaoh”, “Total War: Pharaoh – Dynasties” é uma volta por cima raríssima de ver na indústria de jogos. É o jogo definitivo da Idade do Bronze e um que eu voltarei a visitar por anos, especialmente se a comunidade de mods crescer e novas facções, mecânicas, e adições, surgirem.
Total War: Pharaoh - Dynasties
Total - 9.5
9.5
A Creative Assembly Sofia podia muito bem ter deixado “Total War: Pharaoh” de lado e marcado como um “projeto fracassado”. Ao invés disso, ela o transformou em um excelente jogo de estratégia que abraça alguns dos melhores aspectos de “Total War” no geral. “Total War: Pharaoh - Dynasties” é uma fantástica representação das tensões da Idade do Bronze. Com o novo mapa, sistema de batalha, mais facções, narrativa sem perder o estilo “sandbox”, a desenvolvedora estabeleceu um novo patamar de qualidade para os seus jogos históricos. Se isso for um aperitivo do que está por vir em 2025/2026, acho que é hora de começar a ter fé na capacidade e competência da Creative Assembly no geral.