“Você sabe me dizer com qual Total War começar para quem não conhece a franquia”? Argh, essa é uma das (tantas) perguntas que me deixam acordado à noite. Minha resposta costuma ser: “O que você está procurando? Uma experiência mais sandbox, batalhas épicas, quer reviver a história de um líder?”. Esse mesmo tipo de questionamento pode ser aplicado, em parte, a “Total War: Pharaoh” (Steam). Você esperava que esse fosse o retorno para uma “melhor” era de Total War? Para a maioria das pessoas, não vai ser.
Mas, o que é a “melhor” era de “Total War”? Para alguns, é o retorno às suas raízes com “Total War: Rome”; para outros é o período entre “Total War: Medieval II” e “Total War: Shogun II”. Bem, há até uma grande comunidade “Total War: Empire”, basta ver a quantidade de mods que todos esses jogos possuem. O que eles também possuem em comum: a ausência de histórias centradas em personagens específicos, um elemento introduzido em “Total War: Warhammer” e que agora é uma “marca registrada” da série.
Neste ponto, Pharaoh não modifica tanto a fórmula. O líder da sua facção, muito como em Three Kingdoms, ou, mais recentemente (no ângulo “histórico”), Total War: Troy, é o seu personagem principal. Não há “generais sem nome que não possuem uma árvore de habilidade”. Todos os generais recrutáveis são igualmente importantes para as suas campanhas de uma forma ou outra. Além disso, o seu personagem principal não pode morrer, apenas ficar ferido. Eu não imagino que isso venha a mudar tão cedo.
O principal motivo disso é que este formato dá a Total War o que ele tanto necessita para muitas pessoas: estrutura. Sem personagens históricos e seus arcos narrativos, o estilo “sandbox” dele toma conta e deixa muitos jogadores sem ideia do que fazer além de, bem, conquistar tudo. Esse ainda é um ponto majoritário para completar a campanha (mais sobre isso em breve). Mas, ao menos em “Total War: Pharaoh” a Creative Assembly tenta achar um meio termo entre os fãs que preferem o estilo sandbox “clássico” e os que preferem “seguir os passos da trajetória de um líder”.
Uma das principais diferenças no funcionamento dos líderes / generais em relação aos outros jogos da série em “Total War: Pharaoh” é o novo sistema de “atributos passivos”. Onde antes havia uma árvore de habilidade, agora há três tipos de atributos chamados “competências”. Estas são separadas em “presence”, “fortitude” e “ardor”. Alocar pontos em cada um desses atributos desbloqueia habilidades passivas ou ativas que são únicas para os generais ou a facção à qual eles pertencem.
Eu entendo muito bem como alguém pode ver esse sistema como um retrocesso para a franquia, como disse antes. Até o próprio “Rome II”, que depois de muitas atualizações possui um sistema mais “recheado” de habilidades passivas. Todavia, o sistema usado em “Total War: Pharaoh” traz um impacto muito maior. Se fosse para escolher entre um deles, eu iria com o de “Pharaoh”.
Para mim, uma das melhores, quiçá a melhor adição para a franquia, é o seu sistema de personalização de campanha. Este é outro diálogo contínuo entre a Creative Assembly e a comunidade para achar um meio termo no que tange as mecânicas e a campanha em si. O que antes era “exclusivo” para aqueles que sabiam editar arquivos ou criar mods, agora pode ser feito direto do jogo. Agora é possível definir a duração da campanha, agressividade da IA, diplomacia, o quanto de matéria-prima cada região possui, gastos com unidades ou quanto tempo demora para que as suas unidades se recuperem após uma batalha.
Como alguém que tem muito mais interesse em explorar o jogo em um modo “sandbox” ao invés de seguir uma história, ajuda a minimizar a sensação linear de “conquiste essa cidade e agora você pode ir direto para outra batalha gigante e completar a história”.
E, como disse anteriormente, vitórias minoritárias e majoritárias estão presentes em “Total War: Pharaoh”, e são um requisito para “completar totalmente” a campanha. Simplesmente há menos ênfase nesse ponto, mas elas são tão interessantes quanto seguir a história. Ouso dizer que as múltiplas condições de vitória – de tomar regiões sagradas até chegar no limite máximo de louvor a uma divindade – são mais atraentes que muitos outros objetivos que tive que completar em jogos anteriores.
Mas esses não são apenas os fatores contribuintes para fazer com que “Total War: Pharaoh” tenha a sua própria identidade. O período em que o jogo se passa é um dos mais impactantes da história da humanidade e raramente representado em jogos de forma extensiva. Em parte, pela ausência de referências históricas.
Embora “Total War” já tenha incluído a região do Egito em jogos anteriores – “Rome”, “Rome II”, “Attila” e outros jogos possuem pelo menos algumas províncias na região – ele nunca foi o foco. A ascensão e o colapso da Idade de Bronze não é só uma oportunidade perfeita para isso, mas uma ótima maneira da Creative Assembly demonstrar a sua capacidade de criar mapas de campanha com particularidades únicas.
A desenvolvedora tornou cada facção menos homogênea e desenvolveu um mapa de campanha que representa como diferentes tipos de culturas viveram e floresceram no Baixo e Alto Egito, assim como nas regiões adjacentes. Tomar um novo território não é apenas adicionar mais matéria-prima e recursos para a sua facção, mas também unidades nativas de uma região, que podem – e vão – fazer uma diferença crucial dentro e fora do campo de batalha.
A ideia em si não é nova — “Rome II” já contava com essa mecânica — mas foi só em “Pharaoh” que eu realmente senti que a composição de tropas tinha que ser pensada com mais cuidado. Um exemplo perfeito disso é Irsu, um dos líderes da facção Canaanita que se aproveita das guerras civis dos Hititas e dos Egípcios para tomar territórios por meio da mais pura destruição.
Nas dificuldades mais altas, o meu exército principal era composto de unidades de regiões que conquistei, ou, como eu gosto de chamar, “Já que eu não tenho unidades melhores, vai você mesmo”. Afinal, jogar como os Cananitas é como subir uma montanha gigantesca. Vá direto para o Egito e será apresentado às bigas. Decida partir para o território Hitita e prepare-se para caminhadas longas e tempestades, causando desgaste físico e moral que vai esvaziar os seus cofres.
É uma pena que “Total War: Pharaoh” só permita, no momento, dois tipos de “micro-vitórias” durante a campanha: torne-se um grande rei dos Hititas, ou garanta sua linha de sucessão como um Faraó. Isso faz jogar como Ramsés ou Seti no lado Egípcio, ou Suppiluliuma no lado dos Hititas fácil demais – tanto que esses são alguns dos personagens recomendados para “novatos”.
Por mais que eu entenda que esse foco é necessário por conta do período, eu espero que outros tipos de “micro-vitórias”, ainda mais anistóricas, sejam implementadas via DLCs. Afinal, se tornar um grande rei ou um Faraó é só metade da guerra.
O que faz “Total War: Pharaoh” se destacar tanto para mim é a sensação de terror e ansiedade constante por conta do colapso da Idade do Bronze. Toda campanha começa “lenta”, mas basta alguns turnos e você estará envolvido em alguma guerra civil, com suas cidades sendo atingidas por crises ou desastres naturais e a chegada do “Povo do Mar” – um dos tantos fatores que levou à queda de tantos reinos.
Diferente de “Total War: Three Kingdoms”, se tornar Faraó ou um Grande Rei não é um evento “único”; você pode perder essa posição em uma outra guerra civil e a chegada do “Povo do Mar” não depende das suas escolhas. Seja o caminho que escolher seguir, você vai sofrer para manter uma economia estável e cidades contentes.
Cansei de contar as vezes que eu “congelei” para avançar o turno. Minhas tropas estavam cansadas, com baixas imensuráveis devido aos múltiplos frontes de batalha em que as coloquei, e cidades estavam prestes a entrar em rebelião. “Será que é esse o turno que eu irei perder uma cidade majoritária? Será que as minhas tropas irão chegar a tempo de interromper um cerco? E se eu for atingido por secas?” Apertar o “enter” me dava medo, e isso só torna “Total War: Pharaoh” mais encantador. Nada melhor para provar isso do que as batalhas em si, que deixam o molde de “rush de cavalaria ou bigas” dos antecessores para uma maior ênfase em táticas.
A Creative Assembly já tinha mencionado no início do desenvolvimento que eles tinham reduzido a cadência das batalhas, mas eu não esperava uma mudança tão drástica. Lutas que durariam apenas 5 minutos em algo como Rome II agora podem se estender por mais de 20 minutos, se não for feito o uso devido dos múltiplos modificadores de terreno (por falar neles, “Total War: Pharaoh” possui um excelente tutorial sobre como eles funcionam. Aleluia Creative Assembly, já estava mais do que na hora). Há quem achou as mudanças “pequenas”, e a própria comunidade já criou mods que tornam as batalhas ainda mais desafiadoras.
Essa mudança acontece por meio da renovação de dois sistemas, o primeiro sendo a inclusão de um sistema competente de armaduras, e o segundo um maior impacto do clima – que eu já havia mencionado nas minhas primeiras impressões.
As armaduras funcionam como você imagina: quanto maior a armadura, mais tempo a unidade vai conseguir ficar na linha de frente tomando “chumbo grosso” (por favor não me corrijam sobre a não existência de armas de fogo durante a Idade do Bronze, eu sei disso). Habilidades passivas, armamentos específicos para destruir armaduras ou o uso de flancos são essenciais para derrotar essas tropas.
Claro que tais unidades também têm suas fraquezas, como o fato de ficarem cansadas com mais facilidade e perder moral muito rápido assim que a sua armadura é completamente destruída. Outra vez, isso vai variar de facção para facção e de líder para líder. Alguns possuem acesso a unidades mais fortes, enquanto outros apostam na velocidade de unidades leves. Outra vez, a forma como o mapa de campanha e as diferentes culturas da região foram dispostas ajudam e muito a especializar as suas tropas, mesmo com as limitações de tecnologia do período.
Mas, como também disse nas minhas primeiras impressões, as mudanças climáticas durante as batalhas é onde “Total War: Pharaoh” realmente brilha. Elas sempre fizeram parte da franquia, mas dessa vez o impacto de uma tempestade de areia ou chuvas são bem mais significativas. Uma grande diferença que eu vi da versão “preview” é uma maior aceleração nas mudanças do clima, o que – a meu ver – deixa as batalhas ainda mais gostosas e inesperadas.
Todavia, nem tudo funciona como se espera. Uma das mecânicas-chave que eu esperava que fosse mais comum de acontecer é o alastramento do fogo por vento. No momento ele atua mais como um efeito visual bonito – e certamente mais útil durante as batalhas de cerco do que em “Total War: Attila” – mas não vai mudar radicalmente o rumo de um conflito
As batalhas de cerco em si também sofrem do mesmo problema que fãs de longa data da série conhecem muito bem: a IA simplesmente não consegue gerenciar a proteção de uma cidade, e muitas vezes coloca todas as tropas em uma área específica, deixando lacunas imensas nas muralhas. Não é o pior que eu já vi — esse “troféu” ainda vai para Total War: Empire — mas ver tão pouca evolução em todos esses anos me faz querer que a Creative Assembly desse uma pausa longa e revisasse o seu sistema de pathfinding.
O mesmo se aplica à diplomacia, que é de longe a minha maior decepção em “Total War: Pharaoh”. Para um jogo ambientado em um período tão denso e cheio de intrigas, usar um sistema tão “básico” — que se resume a “seja meu amigo”, “prepare-se para a guerra”, ou “por favor não me ataque” — é um absurdo. A própria Creative Assembly demonstrou que é capaz de fazer algo melhor com o sistema de corte e dinâmicas dentro de cada facção, então por que não melhorar também a interação com outras facções? Esse sistema precisa ser refeito o quanto antes.
O que me leva à questão principal desta crítica: Total War: Pharaoh é um “sucessor” digno para o lado histórico da franquia? Em grande parte, sim. É fácil apontar para alguns sistemas que não estão funcionando muito bem, como os novos “Outposts” fora da cidade — que podem ser tanto econômicos, militares ou para a devoção de divindade. No caso de outposts militares, eles permitem que você mova as unidades múltiplas vezes por turno, ou a ausência de famílias.
Como digo para tantas pessoas, é impossível agradar a todos. Eu acho pouquíssimo provável que a série Total War volte a ser ao que era “antigamente”. A “era de ouro” que muitos sonham passou. Acredito que o meio termo que a Creative Assembly encontrou é um ótimo ponto de partida para uma nova era. Nem tudo vai funcionar, e nem sempre as peças vão cair no lugar como a desenvolvedora ou a comunidade espera.
Mas, após anos do que leio como “estagnação” com “Total War: Three Kingdoms” e “Total War: Warhammer”, “Total War: Pharaoh” dá mais passos para a frente do que para trás, e para mim isso é mais do que o suficiente. Pense assim: Ao menos ele não sucumbiu como as civilizações que são representadas no jogo. Isso, para mim, já é um avanço.
Total War: Pharaoh
Total - 8
8
Se você está na expectativa de que “Total War: Pharaoh” te faça reviver a “era de ouro” da franquia, ele não vai fazer isso. A Creative Assembly tenta encontrar um meio termo entre o “antigo” e o “novo”, e boa parte do tempo acerta. Alguns sistemas já estão bastante defasados e precisam ser revistos e refeitos, mas após anos de “estagnação”, é bom ver algum avanço no lado histórico de “Total War”.