Eu acho a frase “casa nova, vida nova” ou qualquer uma dessas variações que soltam por aí deveras engraçadas. Muitos acreditam que os fatores externos que interferem ou influenciam na vida são o principal empecilho para que uma mudança aconteça, e em certos momentos até concordo. Outras vezes, essa mudança precisa acontecer — antes de mais nada — internamente. É um caso que se aplica muitíssimo bem ao misto de adventure com gerenciamento e, agora também com combate em turnos, This is the Police 2 (Steam / GOG).
A sequência para o “quero ser político, mas não tão político mesmo que isso me coloque em uma posição do espectro político” game de gerenciamento da desenvolvedora Bielorussa Weappy Studio começa com um dos ganchos mais fortes que eu já vi nessa geração. Abandona a cidade grande e um polícial corrupto para se focar na cidadezinha de Sharpwood, que — inevitavelmente — demonstra a sua própria parcela de corrupção. Lilly Reed, uma recém-promovida a xerife, está encarregada de botar “ordem na casa”. Uma incursão dá errado, um de seus companheiros de equipe é alvejado e morre. Lilly, já desacreditada e considerada incapaz de gerir o departamento, perde ainda mais respeito entre os seus companheiros de equipe. Como eu vou fazer para conquistar a confiança deles de volta? Como eu farei para por a “ordem” em Sharpwood sendo uma xerife inexperiente? Não preciso, pois dois capítulos depois, o infame Jack Boyd — ex-chefe de polícia de Freeburg, foragido da justiça e um dos protagonistas mais asquerosos que tive o “prazer” de controlar em um jogo — ressurge e rouba toda a cena.
Levantei da cadeira e fui garantir que não era um sonho, que a Weappy Studio não havia feito isso, não tinha tomado essa decisão estúpida que eu acabara de ver. Voltei para o computador e, sim, eles fizeram.
Não que eu tenha um problema específico com o personagem de Boyd em si — dublado novamente por Jon St John, com a sua típica tentativa de não soar como um Duke Nukem com 50 anos de idade que fuma três maços por dia desde os 20 — mas sim o que ele simboliza. Boyd era o símbolo da corrupção em Freeburg; acobertava provas, vendia narcóticos, fechava parcerias com a máfia para garantir o seu “dinheiro da aposentadoria” (cerca de 500 mil dólares), e praticamente minou toda e qualquer tentativa de explicar a alma da corrupção em Freeburg. E faz o mesmo em Sharpwood.
Até mesmo a situação na qual Lilly e Boyd se conhecem é absurda. Boyd está preso após ter a sua casa invadida (o acaso do destino o leva para Sharpwood e calhou de ele alugar a mesma casa usada para uma gangue armazenar drogas). Quando Lilly se aproxima dele para dialogar, ele dá uma desculpa esfarrapada de que tudo foi uma grande armação — e parcialmente foi — e oferece os seus “serviços” de pôr ordem em Sharpwood, de tomar a frente no gerenciamento do Departamento de Polícia, enquanto Lilly fica por detrás das cenas fazendo Deus sabe o que. Isso não é só um roteiro ruim; é uma escrita frouxa, um terrível “bait and switch”. Em menos de duas horas, a Weappy Studios já havia queimado um personagem — possivelmente o personagem mais interessante de todo This is the Police 2 e protagonizado pela Sarah Hamilton, que deu as caras como a fantástica April Ryan nos adventures The Longest Journey e Dreamfall — para apostar no seguro.
O que aparentava ser uma história sobre vencer o preconceito dentro da força policial vira a balela de “Boyd se enfiando com a máfia, fugindo dela, vendendo drogas e usando métodos inescrupulosos para extrair informações dos suspeitos”. Eu aceitaria caso fosse uma crítica à força policial e à corrupção presente em todos os escalões, mas não é. É a (desnecessária) continuação da história de Boyd e uma tentativa da Weappy de absolvê-lo de qualquer erro que cometeu no passado. Não tenho como concordar com isso. É virar para mim e falar que aquela pessoa que causou mal a dezenas de outras pessoas, que traiu a confiança da sua própria família, merece uma segunda chance. Perdoar Boyd pelo que ele fez no primeiro This is The Police é algo que eu até cogitaria, mas colocá-lo novamente na frente de uma força policial? Jamais.
Essa tentativa de “apagar o passado” aparece de vez quando você percebe que a Weappy foge como o diabo foge da cruz de correr o risco de cair na crítica de ser “demasiadamente político” ou “insensível em relação a problemas reais de corrupção” como aconteceu com o primeiro This is the Police, e aposta em uma atitude Fargo-esque (perdoem o neologismo) tanto para as suas temáticas secundárias — o gerenciamento de casos no cotidiano de uma cidade pequena onde todos se conhecem — quanto na sua estética. Você não precisa ser um PhD em cinema — coisa que não sou nem um pouco — para perceber com clareza que This is the Police 2 sofreu forte influência tanto do filme “Fargo” dos irmãos Coen quanto da série de 2011. Porém, por mais forte que seja a tal influência, digo que a maneira que foi aplicada foi errônea.
Os filmes dos irmãos Coen tem um forte apelo de serem situações do cotidiano — se este cotidiano tivesse saído de uma dimensão alternativa — levadas ao extremo. “Fargo” é sobre um sequestro que não deu certo, “Onde os Fracos não têm vez” é sobre uma venda de drogas, e até “O Grande Lebowski” é sobre um tapete. Sim, um maldito tapete. E ao longo das duas ou mais horas de duração dos filmes, essas situações atingem um nível inesperado e alternam entre a seriedade e um humor mórbido. This the Police 2 esquece essa necessidade de fazer uma situação crescer, de aclimatar o jogador ou o espectador à situação.
No meu primeiro dia de tarefa eu já tinha casos como “Ah, fulana amarrou fulano em uma árvore e estava fazendo rituais pois ele estava amaldiçoado por tal coisa”, ou “Um homem achou ouviu disparos, mas na verdade eram latidos de um cachorro”. Não existe tempo de apreciar o conceito absurdo; você já é jogado de cara nele. Aí você ri a primeira, a segunda, até a terceira ou quarta vez se você forçar bastante a barra, mas depois de um tempo perde a graça. Não tem o impacto esperado, cedo ou tarde outro desses casos vai surgir, você vai ter que despachar mais uma viatura para descobrir se a denúncia é falsa ou não. Caso não seja, ter de lidar com as mesmas possibilidades e os mesmos fins: ou o suspeito preso, morto ou foragido. Isso se arrasta por capítulos e mais capítulos, todos quase sempre iniciados com um monólogo gigantesco e “imponente” de Boyd, ou uma discussão de Boyd com Lilly (as únicas cenas em que de ela de fato aparece).
Eu não administrava um departamento policial; eu estava mais para aqueles malabaristas que colocam vários pratos em cima de pequenos pedaços de madeira, torcendo para que nenhum deles caísse (creio que você já tenha visto algum vídeo desses pela internet). Clica ali, envia a viatura, vê mais um caso desinteressante, esboça um sorriso, acaba o dia e fecha a delegacia. Essa reclamação não é muito distante da que eu fiz quando joguei o primeiro This is The Police, pois é justamente o principal aspecto em que a Weappy não evoluiu praticamente em nada, não aprendeu em nada. Acho que os problemas estavam nas histórias, mais do que na interação com as mesmas.
Eu sentia que administrava — ou melhor, era babá – dos meus policiais. Um policial chegava bêbado demais e não conseguia trabalhar, outro policial era machista e não queria ir para uma ocorrência ao lado de uma mulher. “Já tenho que aturar a minha filha e a minha esposa em casa, eu não quero ter que aguentar isso no trabalho” – revirava os olhos toda vez que via essa frase, pois a minha vontade era de praticamente demitir o cara e mandar ele para algum lugar. E, se This is the Police 2 não me punisse em demasia, teria feito isso sem remorso. Mais uma vez This is the Police 2 dá nome, face aos policiais, mas, como as histórias em si, é incapaz de criar esse elo entre você e o seu subordinado. Para mim eles eram números e ícones que ficavam na parte inferior da tela até que fosse a hora deles de agir.
Digo até que a dificuldade da desenvolvedora vai além da dificuldade de criar elos; ela coloca esforços demasiados em áreas que não estavam presentes antes, e quando você pensa que não tem como piorar, piora. Dê olá ao combate “tático”.
Meto aspas no tático sem dó nem piedade, pois de tático não há nada. Esses eventos — que ocorrem em dias determinados — pedem para que você invada, prenda, ou mate todos os criminosos do local. Às vezes é uma agência dos Correios que foi dominada por criminosos, outra hora é o esconderijo de uma gangue, ou o que quer que sirva de justificativa para movimentar bonequinhos com uma visão isométrica. Negociação? Nada disso; o negócio aqui é invadir na bala mesmo, pois é o método mais eficaz da polícia de Sharpwood de resolver situações de risco.
Honestamente o combate tático é a parte mais divertida para mim em This is the Police 2 por conta do quão absurdo e mal implementado ele é. Feito em turnos, This is the Police 2 te dá um tutorial vergonhoso que te diz “você pode ficar do lado do criminoso caso tenha um cacetete, atordoá-lo e depois prendê-lo, ou usar um taser caso esteja em uma distância segura”. Cone de visão? O que é isso? Saber qual a distância máxima que um criminoso pode te ver? Não espere que haja nenhuma dessas opções.
É absurdo pensar que Swat 2, de 1998 – antes mesmo da série se tornar um shooter em primeira pessoa com Swat 3 e 4 – não só tinha um tutorial melhor, como mecânicas mais aprofundadas. Até mesmo ele – e posso escrever mais uns dois ou três artigos sobre os inúmeros problemas que enxergo atualmente em relação à forma como ele apresentava situações de risco e a maneira de erradicá-las – me permitia conversar e chegar em um acordo com ossuspeitos. E o fato da polícia de Sharpwood não ser uma força tática como a Swat não serve de desculpa para a ausência de tal mecânica.
A Weappy tenta – de coração, até – dar uma variada com um sistema de habilidades onde certos policiais são capazes de arrombar portas ou se esgueirar, usar um sistema de movimentação a là nu-XCOM (com coberturas médias e coberturas completas). Mas não dá, não desce. Você não melhora uma pizza entupindo de orégano se você esqueceu de por a mussarela em cima — aqui exemplificada pelo simples conceito de movimentação e posicionamento dos policiais. Como falei, o esquema mesmo era na bala, matar ou morrer. Se desse sorte, o policial chato ou alcólatra era alvejado; pagava um dinheirinho para o funeral dele e respirava aliviado que era um estorvo a menos na minha vida, tamanha era a minha simpatia por eles.
“Poxa Lucas, mas não tem nada que você gostou em This is The Police 2?” Pois então, caro leitor, tem sim! Na realidade, eu gosto de muitas coisas dele. Eu gosto da base que ele oferece para contar uma história — e isso vem desde o primeiro jogo. Eu gosto do novo sistema de investigação, que ocorre entre as missões; agora, ao invés de darem as pistas para você de bandeja, você tem que colocar policiais com alto nível de “inteligência” para encontrar novas evidências, ou outro ângulo para uma mesma história. Nesses pequenos, e raros momentos eu falava “Está vendo? This is The Police 2, quando se foca em um ponto específico, sabe o que faz”.
O difícil de engolir, é, novamente, o que está ao seu redor. É o fato de eu ter que aturar Boyd pela milésima vez após ter agradecido por ele ter “desaparecido” no final do primeiro This is the Police. É o sistema de combate tático que não funciona, é o humor que perde a graça mais rápido do que o meu almoço esfria em uma tarde fria na minha cidade. É com esses elementos que não consigo conviver.
Não adianta a Weappy Studio mudar a casa, mudar a cidade, mudar tudo, enquanto ela não entender que a mudança dela precisa ser interna. Precisa olhar para This is the Police 2, entender o que funciona ou não, e aprender a cortar sem dó. Enquanto isso não acontecer, não vai ter sequência no mundo que vá dar jeito.
This is the Police 2
Total - 5.5
5.5
Quanto mais This is The Police 2 tenta fugir do passado, mais rápido ele vai ao encontro dele. Cai nos mesmos buracos de seu antecessor, mas em contextos diferentes. Entrega uma narrativa ainda mais fraca, continua a apostar em um personagem asqueroso, e em cima de tudo coloca um sistema tático que não consegue se justificar. A base continua boa; só falta a Weappy finalmente entender o que quer fazer com ela.