Como vocês gostam de suco de abacaxi com hortelã? Juro que eu não entendo; tentei provar várias vezes e não desce. Entendo gostarem de hortelã e de abacaxi, mas os dois juntos? Não consigo compreender como esses elementos se juntam. E isso vem de alguém que acha arroz com passas algo bem “ok”, diria que até gostoso. Digo, portanto, que The Messenger (Steam, Nintendo Switch) é o “meu” suco de abacaxi com hortelã.
Eu entendo de coração qual era a ideia do estúdio canadense Sabotage para The Messenger: fazer um Ninja Gaiden “moderno”, mas que conservasse o estilo e a “pegada” dos anteriores. Coloco moderno entre aspas pois é uma palavra extremamente subjetiva. Para alguns, moderno é alavancar o design de um jogo; para outros, é refinar um design já presente. No caso de The Messenger, prefiro trocar “moderno” por “conveniente”.
Vidas e continues vão embora em favor de um (generosíssimo) sistema de checkpoint — facilmente identificável por quase sempre estar junto da loja onde você pode comprar novas habilidades passivas — que certamente vai estar logo depois de alguma área com muitas plataformas, antes de um chefão ou no começo da fase. Morreu na área pela milésima vez? Não tem problema; você sabe que vai recomeçar somente algumas telas atrás. A “punição” vem em forma do Sofismundo, um diabinho que te segue e coleta os pontos obtidos do inimigo para você não ter como evoluir o seu personagem. Um pouco irritante nas primeiras fases, mas assim que você libera a habilidade passiva de cortar praticamente pela metade a quantidade de pontos que ele precisa para ir embora, vira apenas um leve incômodo.
Essas conveniências — que muitos podem identificar como “moderno” — fazem com que as fases de The Messenger fluam com muito mais “naturalidade”. Entrava em uma fase e já sabia de cara o que esperar: provavelmente um ou outro inimigo novo, seções de plataforma que vão me fazer morrer para um espinho ou por não ter acertado o timing de um pulo, e depois um chefão que vai me matar quatro, cinco, ou dez vezes até eu decorar o padrão de ataque dele, tomar menos dano do que causar dano, eliminá-lo e seguir para a próxima fase. Perfeito.
Se eu parasse o texto por aqui, assim como eu gostaria que The Messenger tivesse parado antes de entrar na era 16-bit, ele seria uma excelentíssima homenagem a Ninja Gaiden. As seções de plataforma dos dois terços iniciais são satisfatórias; a Sabotage acertou e conseguiu criar um “momentum” na hora do pulo — mais visível quando você obtém todos os equipamentos e habilidades passivas, o que permite combinar “combos” que incluem pulos duplos com o uso de um gancho — que merece destaque e atenção de muitos desenvolvedores de jogos de plataforma. A cereja no topo do bolo viria com a história, bem consciente da paródia / homenagem que presta, e capaz de se carregar pelas seis ou sete horas iniciais. Mas, como nada é simples nessa vida, nada pode ser uma mera homenagem, a Sabotage tenta se reinventar ao trazer essa mistura de 16-bit e, posteriormente, o aspecto metroidvania.
Quando eu penso na evolução da era 8 para 16-bit, ao menos no que diz respeito aos consoles mais populares da época, vejo mais do que uma mera evolução visual e técnica; há também o abraçar de novas mecânicas. Tome como exemplo a diferença entre Mega Man e Mega Man X: ainda que sejam séries separadas, compartilham certas mecânicas e pilares de jogabilidade. Só a fase introdutória de Mega Man X é uma bela demonstração da Capcom que fala “Aqui estão algumas das mecânicas principais, nossa evolução em relação à era 8-bit que você vai usar ao longo do jogo, e nas próximas horas iremos misturá-las, condensá-las, expandi-las, reinventar como você interage com elas”, e de cara — para bem ou para o mal — é completamente diferente tanto em ritmo, tom, velocidade e momentum em relação à franquia original (casos que podem ser ainda mais explorados e relacionados se levarmos em conta Mega Man 9 e 10, lançados em 2008 e 2010, respectivamente).The Messenger nunca chega a transmitir essa evolução de mecânicas para a era 16-bit.
As áreas são mais “bonitas” quando você entra no reino dos 16-bit; os sprites têm mais cores, mas a base em si, os elementos que compõem a interação com o cenário, continuam os mesmos da era 8-bit. Você pula nas mesmas plataformas, esquiva dos mesmos espinhos, luta com os mesmos monstros – algo que vai ficar muito repetitivo pela carência de novos inimigos – e foge das mesmas armadilhas (uma serra giratória vira duas serras menores, mas o timing para evitá-las é quase o mesmo). Para não desmerecer o trabalho da Sabotage, ela até tenta unificar as duas eras por meio de “quebra-cabeças” que requerem que você prossiga por uma área via uma determinada rota, porém isso raramente parece algo natural, especialmente devido ao aspecto de “metroidvania” que ele abraça mais para o final da história.
Chamar de metroidvania, honestamente, é estender a nomenclatura do que é ou não é um até que fãs desse subgênero entrem em guerra – similar ao que acontece com roguelikes/lites ou seja lá o nome que você quer dar a eles. A realidade é que The Messenger é um jogo de plataforma com seções não-lineares que podem ser revisitadas tanto a partir de um hub ou depois de completar a fase em si; mas, no jogo, fica difícil achar um bom motivo para que ele seja assim. As fases iniciais são, ironicamente, lineares demais para serem usadas para tal conceito, e o punhado que é liberado após você ganhar o poder de poder voltar as fases ainda é tratado com uma certa linearidade. Você nunca tem aquele “Ah, então essa área se conecta com essa?”. Não há exploração em si; apenas usar um hub para revisitar novas áreas, ver no mapa onde você não foi, e torcer para você ter encontrado o local certo para seguir a história.
Se as fases fossem colocadas de maneira linear, sem me fazer caçar por colecionáveis ou ficar abrindo o mapa — já que os indicadores de novas áreas a serem exploradas são praticamente inexistentes — daria no mesmo resultado. Só lembrava que The Messenger não era linear quando ficava sem saber para onde ir. “Melhor olhar o mapa, ah… não, eu já vasculhei essa área toda, deixa eu voltar para o hub”. Falava com um NPC no hub, ele me respondia com uma “profecia” e eu tinha de adivinhar para onde eu tinha de ir. Uma nova área e era a mesma coisa de sempre: pula ali, quica ali, usa um gancho, etc. O ritmo e o momentum da movimentação continuavam ótimos – mas o frescor havia ido embora. Nem mesmo as piadas ajudavam a segurar a frustração. Imagine você estar em um carro a 100km/h, freiar bruscamente e decidir ir a 20km/h no último trecho da estrada; é isso que The Messenger faz nos momentos finais.
O que segurou as pontas foram os (pouquíssimos) chefões depois que The Messenger vira um “metroidvania”, mas só por causa da implementação de mecânicas inteligentes — quiçá a única coisa que me fez parar e falar “essa foi uma sacada boa”. Volto, portanto, na mesma questão: e se o jogo fosse linear? E se essas batalhas tivessem acompanhado o ritmo da primeira parte do jogo e ainda assim apresentassem tais situações inteligentes?
Não posso prover tais respostas. Afinal, não sou parte do time da Sabotage, e no fim eu respeito a decisão deles — mesmo que não concorde com ela. Todavia, uma parte de mim insiste em acreditar que a “culpa” de The Messenger querer inovar tanto, abraçar tantos “estilos”, é a saturação do mercado de jogos independentes, especialmente em plataformas / ação 2D – onde muitos sequer prestariam atenção nele se ele seguisse um viés mais tradicional.
Mas, vale a pena inovar por inovar? Colocar tantas “buzzwords” atrás da caixa: Metroidvania, moderno, isso ou aquilo, para um resultado que podia ter sido enxugado? No fim, nem tudo que é “moderno”, “inovador”, etc., equivale a algo excepcional. No caso de The Messenger, é um passo a mais — um bem desengonçado — sem uma boa justificativa.
The Messenger
Total - 7
7
The Messenger homenageia a era 8-bit / 16-bit e traz conveniências que o tornam menos frustrante. Entretanto, raramente justifica a necessidade de uma nova “era” além da evolução visual, ainda mais considerando a não-linearidade maçante trazida pelo faux-metroidvania. Para os futuros ninjas, recomendo paciência; em doses cavalares, de preferência.