Há uma beleza singular em explorar o espaço que poucos jogos conseguem traduzir para mecânicas. No Man’s Sky me trouxe o prazer de deslumbrar cenários quase saídos de um livro de sci-fi dos anos 70. The Long Journey Home, disponível no Steam por R$72,99, me leva para o espaço não apenas para vistas espetaculares, mas também para me fazer sentir emoções. E em jogos, é algo raro de acontecer.
Após um pulo espacial, a tripulação de uma espaçonave se vê no canto do universo conhecido, sem comunicação com a Terra e agora tem de fazer — literalmente — a sua jornada de volta para casa. Com um universo gerado proceduralmente, o loop de gameplay consiste em explorar terrenos bizarros, conhecer novas raças e tomar escolhas muito, mas muito difíceis.
O que me trouxe atenção a primeiro momento para The Long Journey Home é o quão tematicamente semelhante é a Star Control II, mesmo que estruturalmente pegue emprestado de dezenas de outros games e gêneros. O clássico da Toys for Bob / Accolade era mecanicamente simples, mas compensava pela imensidão de raças e coisas para fazer. The Long Journey Home segue essa linha no início, depois se transforma para algo que eu não esperava. O foco sai de constantemente interagir “fisicamente” com o ambiente a sua volta para entregar uma narrativa consistente e peculiar, quase como a Failbetter Games faz com Sunless Sea.
Uma pergunta que espero que todo desenvolvedor se faça ao produzir jogos com foco em permadeath é: “É divertido perder três horas de progresso? ” Em muitos casos eu vou te dizer que não, que na realidade é muito irritante. The Long Journey me deixa empolgado pelas possibilidades que abrem e o conhecimento que obtive ao lidar com problemas da nave.
Com a opção de selecionar até cinco tripulantes, é a granularidade com a qual eles lidam com as situações que dá o diferencial para The Long Journey Home. Podendo escolher quatro de um total de dez, três tipos de nave e três tipos de aeronaves de pouso abrem um impressionante leque de opções para como a jornada se desenrola.
Na primeira jornada optei por usar uma configuração “segura”. Um piloto, um médico, um cientista, e uma astronauta tanto a nave como a aeronave de pouso padrão. O “setup” já demonstra as limitações e vantagens destes personagens. Meu piloto era a garantia que a aeronave de pouso não sofreria tantas avarias ao aterrissar — apesar de ter feito ele quebrar a costela duas vezes —, enquanto a minha astronauta garantia que a nave estava em bom estado com consertos estruturais.
O que os distingue de outros personagens, tão estereotipados dentro da mídia sci-fi é que no fim do dia, eles são nada mais do que meros humanos presos sem uma situação de risco. Meu médico se culpava por todos os problemas da missão enquanto a cientista tentava consolá-lo. A astronauta se sentia inútil por não ter as ferramentas para fazer o trabalho ao qual fora designada.
Essa “humanidade” se estende profundamente para a interação com outras raças, o componente que faz as viagens de The Long Journey Home tão preciosas. Cientistas entusiastas, seres que ainda funcionam por um sistema hierárquico, todos desenvolvidos com uma dose leve de humor. Na visão deles, encontrar humanos não necessariamente é algo hostil. Alguns pedem ajuda para salvar uma população presa em um planeta com alta gravidade, outros te convidam para um banquete real. Foram horas nessas conversas, onde o game da Daedalic vira quase uma Visual Novel de tanto texto. Não me importava, queria saber mais sobre a visão deles do universo, daqueles mundos, de outras espécies.
Por conta disto, até mesmo o combate vira uma ferramenta de segundo plano, algo quase emergencial. Na primeira batalha — intencionalmente causada após atingir uma sonda — me questionei se valeu realmente a pena destruí-la. Por que eu disparei o gatilho para algo que não me fazia mal? Quem sabe ela tivesse informações de uma estação de combustível próxima. É duro aceitar que nunca vou ter a resposta para esta pergunta.
É importante ressaltar a forma que ele reprime a violência, pois é por meio dessa repressão que as escolhas de The Long Journey Home ficam ainda mais sérias. Um pulo entre sistemas pode fazer com que uma das peças deixe de funcionar, ou quem sabe um dano estrutural faz com que os sistemas de suporte de vida sofram uma avaria tão séria que faz com que a tripulação asfixie até a morte. Eventos como esses são aleatórios e podem trazer muito rápido ao fim de uma partida.
No caso do problema estrutural eu tinha uma solução a minha frente, acessar um planeta de um grupo de cientistas e obter um equipamento para consertar os danos estruturais. Qual a vida que importa mais? A da tripulação ou irritar uma facção? Quem garante que ao sair do planeta eu não seria atacado por uma tropa e tudo seria em vão? Demorei demais para pensar. Um a um os meus tripulantes morreram. O último — o médico — estava em um estado tão deplorável, tão deprimido que não sabia como lidar com aquilo tudo. Nem eu sabia. Deixei a nave seguir seu rumo, soltei os controles e vi a tela ficar preta. Era o fim daquela jornada.
Foram horas até conseguir voltar para The Long Journey Home. Ainda tinha em mente todas as aventuras que a última jornada me trouxe, como a vez que eu encontrei um artefato durante uma expedição a uma nave destruída e achei uma ótima ideia dar para meu piloto verificar do que se tratava, apenas para que ele deixasse cair no chão e quebrasse. Ou da busca por mais matéria prima — usadas para consertos e combustível — me levaram para um planeta de lava e quase perdi minha nave de aterrissagem por conta disto.
Se não tivesse tomado meu tempo com o game, acho que nem mesmo esse texto estaria criado. Eventos como os descritos acima são apenas uma fração do que encontrei e a variedade é tão impressionante, tão vasta que sinto que ainda tenho muito a descobrir em The Long Journey Home.
Dado o histórico da Daedalic com adventures, não é de impressionar o ritmo mais lento optado para The Long Journey Home. É uma maneira inteligente, quiçá até peculiar de se formar um jogo com elementos de permadeath. A pressão existe, a noção de que vai morrer cedo ou tarde é presente. Por mais punitivos que sejam, eles estão lá para extrair ainda mais a importância de que é conseguir extrair a sua história, traçar o seu caminho. É a concretização do finito dentro do infinito, de ser capaz de aceitar que a morte, cedo ou tarde é inevitável e se precisa aproveitar o máximo do que tem.
Como alguém que prioriza sistemas acima de narrativa, razão acima de emoção, encontrar um jogo que consegue estabelecer um diálogo comigo, fazer me importar com os personagens, comigo mesmo, assim como foi com SOMA, Nier Automata e outros de uma lista bem seleta, é uma das melhores surpresas que eu posso receber. Só de pensar em tudo que eu vi, nos planetas de lava, de estranhas criaturas e plantas, já tenho vontade de correr e voltar para ver o que mais me espera.
The Long Journey Home não é para aqueles que querem domínio do espaço, que querem um controle minucioso sobre sua nave e sua equipe. É para quem quer vislumbrar o espaço, para quem sonha acordado com a oportunidade de um dia ver a Terra de um outro ângulo. Aqueles que, como eu, querem se perder em um mundo cheio de segredos com um grupo de amigos — mesmo que imaginários — e sair de lá se sentindo satisfeito. Uma brilhante obra com uma narrativa gostosa de acompanhar, com visuais e momentos que te marcam por muito tempo. A Terra pode ser o objetivo final, mas é a jornada que vai marcar.
The Long Journey Home
Tota - 9.5
9.5
The Long Journey Home não é apenas um jogo no espaço. É um jogo sobre o universo e todos os seres que fazem parte dele. Os que nos torna humanos, quais decisões temos de tomar para sobreviver e se essas decisões valem a pena. Uma inteligente maneira de atrelar narrativa a geração procedural e fazer com que cada um pense antes de agir. Deixa ótimas lembranças e espero ter outras tantas para contar em breve.