Dois momentos importantíssimos vão marcar 2023 na comunidade de jogos: a quantidade absurda de lançamentos de altíssima qualidade, e a forma como uma grande parte deles vai “passar batido” pela maioria dos jogadores. Se fosse outro ano, eu estaria no mais puro alvoroço após completar “The Lamplighters League” (Steam / Xbox). Em 2023? Estou “apenas” muitíssimo contente, e se isso já não é um bom indicador, eu não sei o que é.
A desenvolvedora pode ter deixado para trás os campos de batalha futuristas de “Battletech” ou as singulares cidades de “Shadowrun”, mas bastou iniciar a campanha de “The Lamplighters League” que a assinatura da equipe que me trouxe tanta diversão e situações memoráveis era notável.
O universo Pulp / Noir de “The Lamplighters League”, onde você assume a tarefa de impedir que a organização The Banished Court tome o controle de uma peculiar torre com poder de alterar o tempo e o destino, poderia ser muito bem mais um recheado de estereótipos. Aqui a narrativa brilha como o Sol. Personagens extravagantes, cheios de traços particulares e com interações dentro e fora do campo de batalha enchem a tela de uma energia amigável e ao mesmo tempo misteriosa.
Começando com apenas três novos recrutas, você deve formar uma equipe de mercenários sem escrúpulos para enfrentar os três Scions da Banished Court, viajando pelo mundo para impedir o progresso deles como puder. Isso ocorre por meio de uma camada estratégica e tática.
A camada tática é separada em semanas, com cada semana iniciando com uma recapitulação das suas ações e o espaço para a Harebrained Schemes flexionar os seus músculos narrativos. A história da Banished Court é contada pelo Sr. L – o último membro da antiga Lamplighters League. Os “agentes” recrutados por ele — ou talvez fosse melhor chamá-los simplesmente de mercenários — não compram de cara a história que ele conta. “Torre que controla o tempo? Eu não acredito nesse papo, mas o dinheiro é bom e que se dane” é uma resposta comum.
A melhor forma de descrever a estrutura de “Lamplighters League” é uma corrida contra o tempo. Você deve enviar três agentes em uma missão por semana, enquanto um quarto agente é usado para reconhecimento e obtenção de novas informações – e, por consequência, novos tipos de missões ou novos recrutas. Só que você não está sozinho nessa; os Scions da Banished Court têm seus próprios objetivos. Uma missão completada por você pode reduzir o tempo de um deles, mas avançar os dos outros.
Não é um sistema tão drástico quanto o sistema de pânico visto no também lançado em 2023 “Aliens Dark Descent”, que quase me fez morrer de tanta ansiedade, mas não é um que deve ser ignorado. Se uma missão difícil aparece no mapa, você pode até ignorá-la pelas primeiras semanas, mas ignore-a por muito tempo e pode se preparar para o pior. Mas, quando é hora de partir para a ação e impedir os planos da Banished Court, “Lamplighters League” faz isso com um sucesso moderado.
Uma das grandes promessas dele é o seu elemento de furtividade, que em tese permite completar missões sem que você tenha que entrar em combate. Eu acredito que isso possa até fazer parte da ideia original de “The Lamplighters League”, mas a aplicação desse sistema na versão de lançamento é, no mínimo, decepcionante.
Grande parte do problema se resume ao controle limitado de câmera e dos seus agentes. Ao invés de escolhê-los separadamente ou via ícones, você precisa usar “TAB” ou o botão associado no controle. Posicioná-los em locais onde patrulhas inimigas não vão encontrá-los é um trabalho gigantesco e muitas vezes pouco recompensador. Tanto que na maioria das vezes eu preferi preparar emboscadas do que evitar completamente o combate. Isso não significa, no entanto, que eu não tenha conseguido o feito de sair ileso de um confronto contra os inimigos.
Uma coisa é certa sobre todas as missões de “The Lamplighters League”: você sempre vai estar em desvantagem em questão de número, mas isso é facilmente compensado pelas incríveis habilidades dos seus agentes.
Cada um deles tem múltiplas habilidades que fogem do padrão, sendo uma delas sempre uma “habilidade-assinatura” que pode mudar o rumo de uma batalha. É difícil listar os meus favoritos, mas se fosse para fazer, eu colocaria Lateef e sua incrível capacidade de criar armadilhas, ou Ana Sofia, cujas habilidades médicas me salvaram de enrascadas, ou mesmo a já citada Ingrid, que estapeia todos os inimigos que vê pela frente. Dito isso, alguns deles se sobressaem em sua utilidade mais do que outros.
Eu perdi a conta de em quantas missões levei Lateef junto comigo; suas iscas são perfeitas para distrair os inimigos, ao ponto de fazer certos combates triviais. Jogue uma isca, fuja, espere os inimigos se agruparem, jogue uma granada de fogo e outra granada elétrica e veja eles derreterem na sua frente.
Claro que nem sempre as coisas ocorriam como eu planejava – e essa pode ser uma das melhores partes de “The Lamplighters League” – e escapar virava uma questão de vida ou morte. Por sorte, nesses momentos eu estava com agentes como o incrível Fedir, que atua como um Tank, ou Judith, que também é capaz de proteger aliados de fogo inimigo.
O histórico da desenvolvedora em criar jogos táticos também mostra suas garras no quesito de mecânicas avançadas. Quem jogou Battletech vai ficar feliz em saber que o sistema de evasão foi parcialmente implementado em “The Lamplighters League”. Agentes espiões podem dar buffs em si mesmos ou em aliados para que as chances de serem atingidos sejam reduzidas consideravelmente.
Uma nova mecânica que eu gostei muito de ver foi a de estresse. Tantos os agentes quantos os inimigos acumulam estresse. Há certos personagens que até “funcionam melhor” sob estresse, enquanto os inimigos tendem a fugir ou ficarem incapacitados caso o estresse deles chegue ao limite. Pode parecer que “The Lamplighters League” dá vantagem demais para o jogador, mas pode ficar tranquilo que a Harebrained Schemes garantiu que isso não fosse verdade.
A mecânica se sobressai a partir da metade da campanha, onde a quantidade de inimigos por mapa quase dobra em número. Como disse antes, eu preferia preparar emboscadas e reduzir o efetivo do inimigo para algo “manejável” – este sendo “quem sabe eu não saio com um dos meus agentes inteiros”.
Isso não impedia que os meus agentes sofressem com estresse, e muito mais vezes do que eu gostaria, eu os vi chegarem ao limite e perderem o controle no campo de batalha. Às vezes recuar ou colocá-los em uma posição favorável não era possível, então eu tinha que lidar com a consequência das minhas ações. Uma pena que eu também tenha que lidar com a consequência das ações da própria Harebrained Schemes quando o assunto é IA.
Por mais que “The Lamplighters League” tenha uma variedade formidável de inimigos, um número maior do que eu imaginava, muitos deles seguem um padrão de ação “previsível”. Assim que eles encontram os seus agentes, eles correm para trás de uma proteção e se preparam para atacá-los. Não é tão diferente de outros jogos táticos, mas a Harebrained Schemes aplica os mesmos buffs e debuffs para ambas as facções. Ou seja, muitas vezes eu vi um soldado que tinha a oportunidade de eliminar um dos meus agentes simplesmente recuar e acabar errando os disparos.
Soa masoquista da minha parte, mas eu bem preferiria que eles me impusessem uma maior ameaça e fizessem eu redobrar os meus esforços em termos de posicionamento. Isso quando os inimigos que usam armas corpo-a-corpo não avançam direto para um dos meus agentes, deixando-os expostos e facilmente dispensáveis. Mas talvez seja o fato que eu já tenha jogado dezenas de jogos táticos.
Um exemplo claro do problema desse sistema é o uso da isca de Lateef; era a ferramenta perfeita para eliminar tais inimigos. Quando eles não estavam ocupados eliminando um “fantasma”, eles estavam sendo metralhados pela minha equipe. Espero que isso seja solucionado em uma futura atualização, ou ao menos que faça com que eles percebam que, bem, eles estão atacando uma isca.
A grande exceção são as batalhas contra os próprios Scions, de longe o componente mais tático de “The Lamplighters League”. Já jogou X-COM 2: War of the Chosen? Então imagine cada Scion como um dos alienígenas inimigos especiais da expansão produzida pela Firaxis, mas com ainda mais recursos disponíveis. Todos os problemas que vi da IA certamente não se aplicam a eles. Pelo contrário; eles são precisos nos ataques e entender o posicionamento das suas unidades – coisa que você já devia saber de cor e salteado a essa altura da campanha – é mais do que essencial. Se esse for o seu primeiro jogo no estilo ou se você tem pouca experiência, recomendo abaixar a dificuldade.
Outros pormenores, mas que são facilmente solucionáveis em futuras atualizações, também “prejudicam” um pouco “The Lamplighters League”. A câmera, já citada anteriormente como um problema durante a etapa de reconhecimento, adora escolher os piores ângulos e muitas vezes tampar a ação. Minha recomendação pessoal é desativar “câmeras de ação” tanto para os inimigos quanto para os seus agentes até que isso seja resolvido pela Harebrained Schemes.
Outro elemento de que eu sinto muita falta é um log de combate para entender exatamente o que ocorreu durante um turno, mas isso é uma particularidade muito minha e vinda de alguém que gastou horas demais em “Battletech” e adora analisar números.
Assim que vi os créditos rolarem na tela, eu estava contente de que “The Lamplighters League” existe. Uma pena que ele saiu um ano tão, mas tão recheado de jogos igualmente fascinantes. Ele não se sobressai em termos de furtividade comparado a “Shadow Gambit”, e seus elementos táticos não chegam perto do fantástico “Jagged Alliance 3” (crítica). Mas, se isso é um “problema”, é um problema ótimo de se ter.
Quando penso em “jogos para aproveitar no final de semana que você só quer botar o pé para cima e relaxar, mas também não tanto”, eu penso em “The Lamplighters League”. Penso na interação entre os personagens, nos momentos mais intensos do combate que me fizeram me ajeitar na cadeira e naquelas outras situações em que eu só apoiei minha cabeça no encosto e deixei ser levado pela sua ambientação.
Como alguém que ficou tão apreensivo por uma mudança de rumo de “Battletech” para algo mais “simplório”, fico feliz em ver que a Harebrained Schemes não perdeu nem um pouco o seu estilo fantástico de contar histórias, muito menos de colocar o jogador em situações cabeludas e falar “se vira”. De todos os jogos da desenvolvedora, esse é o que melhor acerta o equilíbrio entre novatos e veteranos.
The Lamplighters League
Total - 8.5
8.5
“The Lamplighters League” chega com alguns problemas de IA e não cumpre exatamente a promessa de completar uma missão de modo totalmente furtivo. Mas, se você quer um jogo onde você pode aplicar táticas absurdas, conversar com personagens extravagantes e ir em missões arriscadas, tudo isso envolto em uma ambientação Pulp / Noir, não há um jogo melhor para isso em 2023. Mais um jogão da “Harebrained Schemes”.