Meticulosamente planejado, criado e executado. The Division sai do abate, é cortado em pedaços, pré-cozido e está pronto para consumo. Não há nada de errado em ser assim, mas não significa que é o melhor. O shooter em terceira pessoa desenvolvido pela Massive Entertainment está disponível para Xbox One, PlayStation 4 e PC a partir de R$ 129,99.
Tudo começa quando um vírus mortal é disseminado em Nova York no período de maior euforia consumista dos Estados Unidos, a Black Friday. Em questão de dias a cidade sucumbe ao caos, com facções que lutam pelo domínio e o restante do governo acuado em um canto.
Surge então a nova força-tarefa Division, selecionada a partir de uma série de critérios como área de atuação, nível de escolaridade etc. Ou seja, pessoas comuns como eu e você, apesar de que certamente não escolheriam alguém que faz análise de jogos no meio dessa “guerra”.
Toda essa história que dá poder ao jogador, que o faz se sentir importante, serve apenas como pano de fundo para guiá-lo de missão em missão. A estrutura narrativa é fraca, mas ao menos faz sentido. Os coadjuvantes não atrapalham e chegam até a ser simpáticos. Para um jogo focado tanto no aspecto on-line, The Division se sai melhor do que eu esperava. Essa estratégia de fazer o jogador se sentir especial no meio de tantos outros que fazem a mesmíssima tarefa cansa, porém.
Há um “background” para todos estes acontecimentos, encontrados em áudios, vídeos e outros colecionáveis espalhados por Nova York, mas a partir do momento que The Division se definiu apenas como um “MMO” em terceira pessoa, isso se torna menos relevante. Afinal, são colecionáveis e dão pontos de experiência, é por isso que os pego. Não tenho interesse em saber o que fulano ou fulana fez ou deixou de fazer durante esse caos todo. Meu interesse estava fixado apenas no próximo loot que ia pegar.
É uma oportunidade perdida por parte da Massive? Em parte. Ainda estou para ver um game on-line que consiga mostrar uma história que me prenda; dado essa baixa expectativa, fiquei até surpreso de ao menos parar para ouvir as gravações.
Acima de tudo, The Division te prende não apenas por ser bom em muitos aspectos de jogabilidade, ainda vou chegar a essa parte, mas principalmente por conseguir com tamanha fluidez te colocar dentro da ação e não te deixar ir embora. No momento em que eu pegava o controle, não queria mais soltar.
Uma única tela de carregamento é o que basta, todas as missões se conectam com o ambiente sem ter as suas ações interrompidas. Poderia fazer uma, depois escolher uma missão secundária, quem sabe participar de um evento ou coletar materiais. Tudo isso sem que eu tenha que lidar com vinte cinemáticas, cinco horas de monólogos ou “profundas” reflexões socioculturais. Ele ao menos não tenta forçar goela abaixo alguma crítica. Apesar de estar rodeado por estereótipos, ele simplesmente já te revela o que é e o que quer de você: “Eu sou um jogo e quero te prender o máximo possível a mim”
Objetivos não são o forte de The Division. Sinceramente teria desistido nas primeiras três horas de jogo se fosse só por isso. Vá ali, aperte tal botão, agora volte, aperte aquele botão, agora defenda a área contra os inimigos. Multiplique isso por vinte horas e você basicamente tem a estrutura básica de cada missão primária ou secundária. Por outro lado, a maneira que a Massive criou as “arenas” de combate e os inimigos é que dá um sabor especial a estas missões.
As missões principais são o grande atrativo do game, com áreas bem estruturadas, além de belíssimas. O legal mesmo são os inimigos. Você tem basicamente quatro tipos deles. Um de combate corpo a corpo, outro com a habilidade de usar granadas ou lança-chamas, um tradicional e um franco-atirador. Antes que já saia pensando que não há variedade, realmente na parte estética não existe mesmo, no entanto, essa variação torna cada embate com o oponente dinâmico.
Em uma das missões que fazia sozinho, deparei com o seguinte cenário: Três franco-atiradores estavam posicionados sobre um contêiner, enquanto outros me atacavam pela frente. Avançar nesse caso seria quase suicídio, tinha de priorizar eliminar as tropas do chão, para depois conseguir me mover para um local onde eu teria vantagem e assim eliminar os franco-atiradores. São perguntas constantes que o jogo impõe a mim: Quem eu vou priorizar na hora do combate? Como vou me posicionar? Qual habilidade usar?
Não é comum ter essas questões levantadas em meio ao combate. Na realidade, boa parte dos jogos de ação em terceira pessoa pode ser finalizada sem nem se pensar sobre decisões táticas. Antes, o que era questão de vencer na força bruta, agora se torna um pequeno quebra-cabeça de como aproveitar o cenário a seu favor. É uma decisão inteligente, que me fez seguir em frente em muitas das missões justamente para ver que tipo de cenários a Massive é capaz de criar.
Aliado a isto existe o interessante sistema de habilidades, que podem ser trocadas quando bem entender. Muitas vezes, quando optei por jogar em grupo, adequei minhas habilidades para que fossem mais úteis na hora da ação em relação àquelas do meu time. Essa não necessidade de se comprometer a escolher uma classe é o que torna o combate ainda mais divertido. Se não gostava de algo, simplesmente podia, após vinte horas de jogo, mudar completamente meu estilo.
Claro que, por ter grandes elementos de RPG inclusos no pacote, eu esperava uma grande variedade de armamento, correto? Errado, não é bem assim. Por ser baseado em armas reais, o repertório é suficiente para dar progressão à história principal, mas preocupante a longo prazo. Você pode adicionar modificações, tirar isso, colocar aquilo, aumentar o dano, a precisão, o dano crítico ao acertar a cabeça do oponente. Ainda assim, em questão de horas você viu o que tinha para ver. A única corrida fica para ver qual a arma, de que raridade — separadas por cores —, você consegue nas missões ou na Dark Zone.
A Dark Zone, que mistura um pouco de PVP com PVE, tinha um conceito interessante quando joguei pela primeira vez durante a fase beta. Era uma área onde você não podia confiar em ninguém, onde todo loot obtido ali era suado, afinal, outro agente poderia te atacar e roubá-lo.
Na versão final a recompensa para eliminar outro agente é tão baixa e as punições tão severas que se tornou praticamente uma terra onde todo mundo ajuda todo mundo a obter um loot melhor ou os Phoenix Credits, moeda usada para comprar equipamentos e proteção de altíssimo nível, disponível apenas para os jogadores que chegaram ao nível 30.
Mais ou menos por aí que essa estratégia de tornar tudo tão meticulosamente seguro para o jogador, guiá-lo pelas missões, sempre ter uma coisa nova para fazer, desaba. Não há um endgame propriamente dito no momento. Ou eu faço as missões diárias/semanais, ou eu espero sentado a próxima atualização. “Ah, mas daqui para frente serão lançadas mais coisas”, você me diz. Sim, porém eu vivo no agora e agora não há nada para se fazer em The Division que consiga me prender sem ter de apelar para repetição atrás de repetição.
Com isso, perco minha conexão emocional com o jogo, ele deixa de se tornar algo agradável para se tornar apenas uma coisa sem alma, sem sentimento. É como uma troca de estar conectado aquele universo ali apresentado para apenas números, informações na tela, a busca pelo melhor equipamento. Vira tudo muito automatizado, sem caráter. Visualmente agradável aos olhos, mas que faz meu cérebro começar a se desligar a cada passo dado ou missão diária completada.
Eu tenho uma certa lista de jogos que eu opto por jogar toda vez que estou cansado ou só quero me divertir. São games que no geral são compostos por certa longevidade, mas que sempre me entretêm não importa o momento. Às vezes por conta de mecânicas que me engajam, outros pela chance de obter um equipamento raro, ou às vezes só porque a arte me agrada tanto que eu consigo me desligar do mundo e simplesmente aproveitá-los. The Division conseguiu preencher essas três lacunas, uma pena que falha na mais importante de todas, a longevidade.
The Division faz muitas escolhas certeiras, como a ambientação, jogabilidade e a constante exigência de escolhas táticas inteligentes do jogador. Ao mesmo tempo, esquece que também deve proporcionar longevidade que está presente em outros games da categoria. Talvez chegue a um ponto que ela de fato exista, mas não é agora. Ele te prende e sem querer te solta. É promissor, mas que no fim das contas nunca sai do “bom”. Nada mais do que isso, bom.
A análise foi feita com base em uma cópia para PlayStation 4 fornecida pela Ubisoft.
The Division
Total - 8
8
The Division te prende por umas boas horas graças às missões interessantes e uma jogabilidade divertida. Quando chega no end-game, perde o foco, torna tudo repetitivo e desencorajador. Bom, mas com muito espaço para ser melhor.