Eu não sabia bem o que queria quando criei o site. Digo que até mesmo um ano e meio depois de sua fundação, eu ainda não tinha encontrado o ponto de equilíbrio entre o que eu almejava e o meu público desejava. Nesse ponto, e talvez só nele, tento ter empatia pela Ubisoft Ivory Tower e The Crew 2 (PC / Xbox One / PlayStation 4).
O primeiro The Crew chegava com o problema de ter um mapa expansivo demais em comparação com o conteúdo oferecido. Gradativamente a Ivory Tower mudou sua versão virtual dos Estados Unidos de um ar “desértico” e “vazio” para um luxuoso e belo Oasis (com as expansões Wild Run e Calling all Units servindo para expandir ainda mais o escopo). Quando eu penso em todo esse trabalho, e olho para The Crew 2, eu me pergunto para onde ele foi.
Preferindo crescer horizontalmente ao invés de verticalmente, a sequência deixa de lado o estilo mais “Velozes e Furiosos” e abraça o que a Ivory Tower chama de “Motornation”, um nome requintado para não dizer que ele se transformou em um grande evento como os que são vistos em Forza Horizon. Carros de corrida de rua, drag, drift, corridas em circuitos, aviões, barcos. Tudo que você possa imaginar. Muito barulho e pouca coisa acontecendo.
O que me incomoda um tanto em The Crew 2 é que em raríssimos momentos ele olha para mim e diz “olha, é para isso que temos um mundo aberto, é para isso que criamos esse Estados Unidos virtual”. A maioria das corridas são feitas em circuitos de rua, e as que não são, são terrivelmente entediantes. Para efeitos de comparação, uma corrida inicial do primeiro The Crew, uma disponível no nível 5, te colocava para dirigir de um ponto “A” a um ponto “B” entre duas cidades próximas a Chicago. Cortada por uma rodovia e elevados, o trajeto demonstra de maneira clara a proposta de The Crew: alto risco, altas recompensas e uma sensação de perigo; você ia bater em outros carros, ia perder a corrida, ia ter de recomeçar de novo — mas isso fazia “parte do pacote”. Estar em constante tensão era parte da satisfação; era como fazer algo arriscado e “proibido” e ainda ser recompensado por isso.
Questões de moralidade à parte, a mudança para o conceito de festival deu uma “esterilizada” nessa tensão, e introduziu uma dúzia de problemas — sendo o mais hilário a bizarra inconsistência narrativa. Agora você tem de “lutar” para ser o melhor e ter seu nome marcado na história. Todavia, aparentemente o festival — mesmo sendo patrocinado por “grandes nomes” como é mostrado – não é legalizado. Uma hora um dos coadjuvantes, Hiro, te fala o quão perigoso pode ser usar os carros para corridas de rua por conta da polícia (peculiarmente ausente), para em outro momento apontar o quanto eles estão contentes de serem apoiados por uma ONG de proteção ambiental. Além disso, como diabos alguém consegue montar um festival imenso — com estandes e tudo o que você imaginar — no meio de Las Vegas sem ter um alvará? Melhor chamar de Festival de Schrödinger. Eu sei que parece picuinha minha, mas isso apresenta também muito bem o quão inconsistente The Crew 2 é. Quando eu não sentia isso nas falas, sentia atrás do volante.
A densidade dos veículos civis foi consideravelmente reduzida, possivelmente em favor de uma experiência mais coesa em partidas contra a IA. E frequentemente a IA simplesmente decide que não vai correr contra você. Mesmo quando era teimoso e batia contra paredes — propositalmente ou não — vencia com largos cinco a dez segundos de vantagem. Layouts de pistas horríveis que se resumiam em voltas por “quadrados”, com pontos de frenagem que careciam de desafio e se resumiam em “aperte o freio o quanto antes e o mais forte que puder”, nas cidades não ajudavam nem um pouco a afastar a sensação de que gastava meu tempo à toa. Quando não fiquei frustrado com as corridas terrestres, fiquei com as “corridas” marítimas e aéreas.
Você já vivenciou alguma coisa similar a uma “dormência mental”? Diria que é como uma experiência extracorporal; você se projeta para fora do corpo e as suas ações estão desconectadas do que você pensa. Garanto que as corridas de avião e barco de The Crew 2 vão te proporcionar isso. Chamo de corridas por questão de consistência no texto, pois são — na verdade — checklists a serem completados, no caso de corridas aéreas, com umas acrobacias para dar um sabor extra, ou corridas em linha reta no caso das marítimas. Digo que as corridas marítimas conseguem ser ainda mais entediantes, pois não há nenhum grau de complexidade ou necessidade de gerenciar o barco a não ser “apertar o acelerador”. The Crew 2 chega a mencionar o perigo das “ondas” e como eles podem desacelerar o barco, mas mais parecia que eu o pilotava dentro de uma baía. Por que as fazia, além de obviamente a necessidade de escrever esse texto? Bem, talvez porque, fora isso, não há muito o que fazer em The Crew 2.
Quando eu voltei para o primeiro The Crew, eu instantaneamente fui abraçado por um mundo cheio de coisas a serem feitas e locais a serem explorados. Critique o quanto quiser a Ubisoft por colocar inúmeros “colecionáveis” nos seus jogos, mas ao menos em The Crew eles faziam sentido; eles te incentivam a sair da rota demarcada, fazer desafios curtos entre uma cidade e outra, apreciar as pequenas cidades que estavam no mapa — agora ausentes em favor de hubs e cidades mais detalhadas como Nova York, Chicago, Miami, Las Vegas e São Francisco. Em The Crew 2, esses mesmos eventos – consideravelmente reduzidos – estavam tão fora da rota tradicional que não valia a pena fazê-los. Quando não eram eles, eram os Photo-Ops, uma (terrível) justificativa para promover o novo sistema de replays inspirado pelas mesmas ferramentas de STEEP. Uma noite dessas eu passei quinze minutos tentando achar um Condor Californiano. No meio do deserto. À noite.
Por favor, eu imploro para que você visualize a cena ridícula de mim em um 4X4, no meio da noite, olhando para fora do carro sem um maldito binóculos e com a janela de pesquisa do navegador no outro monitor tentando decifrar qual das trocentas aves da área era um Condor. Em minha defesa, eu fiz o mesmo em theHunter: Call of the Wild, mas ao menos ele era um jogo de caça. Será que The Crew 2 virou um jogo de caça e ninguém me avisou?
Juntando os fraquíssimos elementos de mundo aberto com as categorias de corrida que envolviam carros ou motos, The Crew 2 virou um jogo de “menus”. Escolhia uma atividade para fazer, clicava em “viajar para o local”, completava, selecionava outra, e o processo se repetia. Jamais me senti incentivado a fazer uma corrida de um lado do mapa ao outro – como tanto fiz no primeiro game – e jamais senti que eu estava em um mundo aberto, quanto mais online. Cruzei com dois ou três jogadores, se muito, mas a falta de corridas competitivas (que só chega em dezembro desse ano) só sedimentou o meu retorno para o isolamento dos menus.
Nem mesmo o sistema de loot – adorado por muitos, mas que vejo mais como uma consequência do que um incentivo para ganhar uma corrida – escapa do imenso desejo da Ivory Tower de “esquecer” The Crew para construir a nova identidade de The Crew 2. Trocar peças do carro é um processo automático que só tem significado se você está disposto a lidar com a – mais uma vez – ora brilhante, ora irritante mecânica de dirigibilidade dos veículos. Ah, e só se desligar todas as assistências.
Dirigir em The Crew 2 pode ser fantástico, mesmo com o suporte a volantes sendo assustadoramente decepcionante em comparação com seu antecessor. As motos voltadas para corridas off road e os carros de RallyCross demonstram a devida proporção de resistência e ocasional falta de aderência quando colocados em pista de terra ou terrenos acidentados, enquanto os carros de rua são uma loteria. Nas corridas iniciais de rua usei o Mazda MX-5 (Miata), um RWD (Rear Wheel Drive) o que significa que a distribuição de peso e torque no carro aumentam a chance de derrapagem da parte traseira em caso de aceleração brusca. Já acostumado com o carro, seja via iRacing ou outros jogos de corrida, eu estou ciente dessa característica e sei fazer as devidas correções antes que eu saia rodopiando da pista, mas não em The Crew 2.
Desliguei todas as assistências e o Miata ficou impossível de ser controlado. Um toque no acelerador em uma curva mais fechada e ele saía rodopiando como um touro em uma tourada. Cansado disso, troquei para um Renaut Megane RS (Front Wheel Drive), um carro que não tende a rodopiar tanto por ter o motor e a tração na frente, ao contrário do Miata. Resultado? Ele rodopiava do mesmo jeito. Nessa altura eu já estava crente que era algum ajuste que eu devia fazer no carro. Fui para a tela de desempenho e percebi que não podia fazer nada sobre isso já que carecia do “nível” (com nomes como novato, popular, estrela e Ícone 1 a 9999) adequado para alterar a intensidade do freio ou tornar a primeira marcha mais longa, pois eu precisava ser – no mínimo – uma estrela para ter acesso à opção. Eu não sei quem foi que veio com essa ideia, mas, em jogos de corrida, essa é uma das decisões mais – perdoe o termo – estúpidas que já vi na minha vida.
Desanimado pois queria não só vencer as corridas, mas também tentar competir nas tabelas de liderança, voltei para as dezenas de corridas de barco e aviões (já tinha completado todas as corridas offroad) para “grindar” dinheiro para um novo carro. O Chevrolet Corvette C2, outro RWD, foi a decisão da vez. E, adivinha? Ele dirigia como um sonho! Na verdade, ele dirigia totalmente diferentemente de um real. Claro que concessões precisam ser feitas em jogos “arcade” – quando comparados a simuladores – mas essa discrepância é algo inesperado. E, sim, mesmo depois de melhorar a “pontuação” tanto do Miata como do Megane RS, eles continuavam tão impossíveis de serem controlados quanto antes; era melhor ficar nas montadoras norte-americanas.
Ao menos eu tinha um carro favorito para as corridas de rua e para dirigir por aí. Porém, já era tarde demais, e o conteúdo de The Crew 2 havia acabado. Os eventos adicionais do mapa estavam completados, os tais “desafios de foto” Photo Ops idem, e as corridas majoritárias vencidas em primeiro lugar. Tudo o que me restava era dirigir de uma ponta a outra do mapa sem rumo, a mesma falta de rumo e foco que The Crew 2 carrega ao longo de toda a sua campanha.
Não sou de criticar “conteúdo”, mas quando se cria um jogo com um tom de MMO e mecânicas de MMO, ver o seu conteúdo inicial não só ser fraco, mas também quase inexistente, não me enche muito de esperança. Ainda mais quando é a sequência de um jogo que – aos trancos e barrancos – encontrou um ponto de equilíbrio capaz de englobar diversos tipos de jogadores, quisessem eles jogar online com amigos ou sozinhos. Obviamente a Ubisoft, seguindo o modelo “Game as a Service” dela, tem grandes planos para The Crew 2, que incluem expansões ao longo do ano, inclusão de PVP em dezembro e sabe lá mais o que que eles ainda não anunciaram.
O ponto não é esse. O ponto é que The Crew 2, ao invés de avançar, engatou a ré e enfiou o pé no acelerador. É um jogo que, comparado ao seu antecessor, ficou algumas voltas para trás. Eu esperava um jogo que iria “aprender” com as falhas do antecessor, e não tentar reinventar a roda (e quadrada dessa vez?). Eles já tinham um modelo-base competente; era tudo questão de refinar o conteúdo e trazer o que mais falta: direcionamento. A tão desejada “identidade própria” agora está inclusa, os eventos podem aparecer, mas não vai magicamente solucionar a direção bizarra de muitos carros europeus e japoneses, nem transformar corridas de barco e aviões em algo prazeroso de se realizar. Precisaria de um “Wild Run 2.0”, no mínimo, para chegar aos pés do antecessor. E eu não sei se isso vai acontecer.
Agora com todos os eventos completados e o restante somente um “grind” até o nível “Ícone 9999”, coisa que não devo fazer nunca nessa vida, o menu inicial de The Crew 2 me mostra “continue a sua história”. Era melhor sequer ter começado ela.
The Crew 2
Total - 5
5
A carência de conteúdo é a ponta do iceberg em The Crew 2, que toma decisões bizarras quanto à direção de veículos terrestres, e consegue fazer o ato de pilotar aviões e barcos algo terrivelmente monótono e cansativo. Uma sequência que dá meio passo à frente e dez passos para trás.