“Esse jogo me lembra Command & Conquer”, “Hmm, ele parece com Command & Conquer”, “Uma homenagem a Command & Conquer?”. Você tem noção de quantas vezes eu escrevi tais frases ao cobrir jogos de estratégia? Muitas. Títulos inspirados na finada franquia da Westwood Studios não faltam. É fácil olhar para “Tempest Rising” (Steam) e notar que a Slipgate Ironworks não foge à regra. Mas, dizer que ele é só um tributo é extremamente diminutivo.
Não precisei de muitas horas na campanha para notar as similaridades do confronto entre a Global Defense Force (GDF) e a Tempest Dynasty com as de GDI e NOD de “Command & Conquer”.
Os “bonzinhos” do GDF, formados pela união entre os EUA, Canadá e Europa ocidental, visam explorar o potencial do Tempest – um novo recurso originado após a Terceira Guerra Mundial. Já os “malvados” da Tempest Dynasty, uma coalizão entre o Leste Europeu e a Ásia, o veem como um direito “natural” e uma forma de reparação histórica.
Ainda que a história seja “velha” e “batida”, a Slipgate Ironworks vende muito bem o peixe dela. Abraça o estilo de briefing que era tão comum no início de cada missão da campanha de “Command & Conquer” mas dá um toque especial, com mais opções de diálogo para você compreender a situação do universo de “Tempest Rising” e que tipos de forças inimigas você pode encontrar.

O jogo não utiliza cinemáticas com atores reais – e sou uma das poucas pessoas que diz, com tranquilidade, “ainda bem”. Os personagens em 3D já fazem um trabalho muito bom. Isso vale para as duas campanhas (GDF e Tempest Dynasty), cada uma composta por 11 missões. Saltar de uma para outra mostra uma clara diferença em tom e personalidade. A GDF mostra ser uma facção mais “estratégica”, e a Tempest Dynasty chega quase ao fanatismo — diferenças que são levadas também para o campo de batalha.
É no calor do combate que a Slipgate se separa dos outros jogos inspirados pela franquia da Westwood Studios. Jogar com a GDF ou a Tempest Dynasty é assustadoramente diferente. Assincronia é a palavra-chave; as forças da GDF têm um enfoque em coletar “informações” e “marcar” os inimigos para causar mais dano. A Tempest Dynasty é composta por ótimos veículos anti-infantaria, e usa táticas de expansão rápida pelo mapa. Além disso, cada uma delas tem um sistema de “doutrinas” e habilidades especiais que vão de bombardeios em área a requisição de tropas em um curtíssimo espaço de tempo, e mesmo um hospital móvel que pode ser colocado em qualquer local do mapa.
Não se assuste com o parágrafo acima; “Tempest Rising” é denso e complexo – como quase todo jogo de estratégia – mas a Slipgate faz um excelentíssimo trabalho por meio do modo campanha para te aclimatar com as nuances de cada facção. Digo que a campanha é, ao menos no lançamento, o prato principal de “Tempest Rising”.
A Slipgate sabe muito bem como pegar conceitos básicos como “ataque uma base” ou “defenda uma posição até a chegada de reforços” ou “se infiltre atrás das linhas inimigas”, e adiciona uma camada extra de intensidade e urgência.

Uma das primeiras missões da GDF, por exemplo, é ambientada na Islândia. Você começa com uma pequena tropa de soldados para um reconhecimento de potenciais ameaças, entre elas a presença de tropas da Tempest Dynasty. Não demora até que o jogo “quebre o padrão” de uma missão simples para que você precise resgatar outros soldados aliados de uma emboscada.
Eis que fui correndo com as minhas tropas, tentei posicioná-las para não sofrerem tanto dano, e resgatei os aliados que se juntaram a mim na busca pela possível base da Tempest Dynasty na região.
“Tá, ok, respira Lucas, isso te pegou de surpresa, mas foi só uma vez”. Por que eu ainda falo isso para mim mesmo? Nunca é “só uma vez”. A Slipgate adora criar reviravoltas no meio das missões, e mesmo após eu ter notado que elas viriam, eu abria um sorriso de orelha a orelha.
A desenvolvedora já tinha me conquistado com as missões, todo o absurdo da campanha e dos maneirismos dos líderes de cada facção. Isso acendeu uma chama em mim que estava quase apagada desde “Homeworld: Deserts of Kharak”: de que o modo single player de jogos de estratégia ainda tem muito a oferecer.

Eu grudei os olhos na tela no início de cada briefing, descobria mais sobre o universo de “Tempest Rising” e a história pastelona dele. Me empolguei quando eu comecei a dominar como utilizar uma unidade com múltiplas funções – como a gloriosa Shieldmaiden do GDF, que além de ser uma ótima unidade antiaérea, também pode reparar outros veículos e plantar minas. Alternava entre as campanhas e ficava super feliz ao descobrir unidades ainda mais avançadas, como especialistas da Tempest Dynasty capazes de enfraquecer veículos inimigos pela manipulação do Tempest.
Me apaixonei pelo grau de complexidade que a Slipgate Ironworks conseguiu incluir em “Tempest Rising” sem sobrecarregá-lo ou torná-lo impenetrável. Senti que aprendia mais e mais das mecânicas a cada nova missão, nova partida multiplayer, nova interação com as duas facções. Para alguém que já é mais do que um veterano em jogos de estratégia, não há felicidade maior. E, sei muito bem que os aficionados em unidades com muitas funções ou táticas inusitadas vão adorar também.
E, quando eu não ficava deslumbrado com o que aprendia nas missões, eu ficava com os visuais. Claro, “Tempest Rising” utiliza a “Unreal Engine 5”, e por isso é fácil presumir que o jogo tem ao menos visuais belos. Mas a desenvolvedora vai bem além disso: são os detalhes que importam. Há um senso de “fisicalidade”, “peso” e “intensidade” em praticamente todas as animações do jogo.
Admito que não prestava mais tanta atenção nesses pormenores; anos de jogos de estratégia nas costas e eu sempre foquei mais (ou demais) no lado de sistemas e mecânicas. Bastou eu ver um tanque levantando poeira e soltando jatos de fogo pelo seu canhão que eu parei e, “pera aí, essa animação é muito boa”. Isso vale para a construção de edificações, e, por exemplo, de como os drones das unidades do GDF pairam pelo ar à espera de um comando de ataque meu.

O resultado são batalhas que, por mais absurdas e “insanas” que sejam, com as tropas mais inusitadas, criam uma sensação de realismo. Essas unidades de fato existem em um universo paralelo.
Agora, o que “Tempest Rising” não é – ao menos não no lançamento – é voltado para o multiplayer. Para isso eu digo: aleluia. Anos e mais anos de jogos tentando ser o novo “esports” ou se focando demais em modos online, só para morrerem em poucas semanas.
Longe de menosprezar o trabalho da Slipgate Ironworks neste aspecto. A seleção de mapas online, embora pequena, é ótima. A IA é bastante competente nas três dificuldades disponíveis (fácil, médio e difícil) — inclusive com um ótimo sistema de pathfinding — e as partidas online são rápidas e retêm muito da essência que fez a campanha tão memorável.
Só não espere que “Tempest Rising” magicamente se torne um novo “Command & Conquer: Red Alert 2”, ou uma versão modificada pela comunidade como “Mental Omega” (eu sei e conheço muito bem vocês, fãs de Red Alert 2, que gostam do mod, não se escondam e podem comentar na matéria).

Eu também torço para que isso não aconteça; o jogo pode ter um “limite de unidades” baixo quando comparado aos clássicos da Westwood, mas os papéis multifacetados das unidades mais do que compensam essa “deficiência”.
A Slipgate Ironworks já trabalha em expandir o lado online de “Tempest Rising” com uma terceira facção – os Veti – que aparecem brevemente durante a campanha, e novos mapas. Ajustes pontuais de balanceamento — como a redução de dano ou aumento de custo de unidades aéreas, que dominam o campo de batalha no momento da publicação desta crítica — já foram lançados e não duvido que outras melhorias estejam a caminho.
Quando “Tempest Rising” foi anunciado, eu tive um pavor dele acabar vivendo à sombra de uma franquia que, salvo pelos esforços gigantes da comunidade, está praticamente morta. De que seria mais uma “homenagem”, de que ia “copiar” de perto o estilo da Westwood Studios ao ponto de sufocá-la. Estou muitíssimo feliz em ter sido provado errado.

A Slipgate Ironworks não teve medo de injetar as suas ideias, de tentar algo ligeiramente diferente, de adicionar uma camada extra de complexidade nas unidades mais básicas, e criar sistemas que sustentam isso. Sem perder de vista o que é mais importante: manter boa parte da essência de “Command & Conquer” viva.
“Tempest Rising” vai muito além de uma homenagem; é um fantástico jogo de estratégia em uma era onde o gênero está cada vez mais voltado para uma comunidade de nicho. Eu não espero que ele seja o “messias” e reviva toda uma “era de ouro”, um trabalho impossível até para as melhores desenvolvedoras do planeta.
Isso dito, ele é um buffet dos melhores aspectos de “Command & Conquer” com visuais refinados feitos por uma equipe que tem um gigantesco carinho pela série. Eu me enchi até ficar cheio e quero mais, muito mais. Depois de decepções gigantescas como “Homeworld 3” e o lançamento inicial de “Company of Heroes 3”, “Tempest Rising” revigorou a minha esperança por jogos de estratégia em tempo real.
Tempest Rising
Total - 9.5
9.5
A Slipgate Ironworks soube equilibrar uma homenagem a “Command & Conquer”, e como e quando injetar suas ideias. “Tempest Rising” é complexo sem te sobrecarregar, tem uma campanha fantástica e um modo online bom e com espaço para crescer. Se esse é o começo dos jogos de estratégia em 2025, já estou muito bem servido.