Depois que escrevi sobre Surviving Mars, decidi instalar Tropico 4 — o último jogo de gerenciamento que a Haemimont fez antes de se aliar com a Paradox para nos levar para Marte. Um elemento que ficou bastante aparente foi a capacidade da desenvolvedora em estabelecer bons desafios a curto e longo prazo. Me pergunto para onde foi essa habilidade, pois depois de Space Race (Steam / GOG), eu fico ainda com mais dúvida em relação à empresa e do futuro de Surviving Mars.
Onde Surviving Mars era “sobreviver” em Marte a qualquer custo — um objetivo que se tornou moderadamente desastroso, ainda mais quando se trata de late-game — Space Race é sobre gerar interesse e criar objetivos para que você sinta mais “engajado” com a “experiência” de administrar uma colônia Marciana. Novos objetivos a curto prazo que dão pontos de pesquisa ou incentivos fiscais, adição de outras colônias que podem se tornar rivais ou não, expedições fora da sua zona de influência, novos eventos mid-game e duas novas nações (Brasil e Japão) são as novidades da vez. De toda essa lista, uma coisa é certa: a inclusão do Brasil e Japão é muito boa para quem quer começar uma partida desafiadora. O resto vai depender de como você jogar.
Mesmo com Space Race, o game continua em um bizarro limbo de querer ser desafiador, mas ao mesmo tempo não perder o seu altíssimo grau de acessibilidade para novatos que transforma qualquer medida que altere tal ritmo algo diluído. Tome as colônias “rivais”, por exemplo. A ideia base é que essas colônias disputam com o jogador para ver quem completa uma série de objetivos pré-determinados primeiro — construir o primeiro domo em Marte, ter o primeiro humano nascido em solo marciano, etc. Em mapas com abundância de recursos, que é mais a regra do que a exceção, esses objetivos se tornam ridiculamente fáceis. Em menos de 30 Sols (um dia solar em Marte) eu já tinha dois domos funcionando no máximo da capacidade com estações de pesquisas e uma média de saúde e sanidade acima de 60%, e boa parte dos próximos 15 Sols já estavam planejados no papel. Teoricamente eu deveria contatar outras colônias e entrar em parcerias para a troca de matérias-primas, mas isso nunca se demonstrou necessário.
A presença de colônias rivais possibilita também a inclusão de novos eventos mid-game. Pode ser que uma colônia envie um espião, roube recursos ou até mesmo outros colonos de você. Infelizmente, em vinte partidas, eu só vi isso acontecer uma vez. Talvez tenha sido azar meu, ou talvez o sistema implementado por Space Race não esteja balanceado corretamente, ou talvez seja algo similar ao terrível problema que acontece muito com jogadores de Stellaris — dos eventos simplesmente “não aparecerem”. Fato é que, se eu não tivesse lido que a Haemimont adicionou novos eventos, nem saberia que estavam lá.
O único sistema de Space Race que chamou um pouco a minha atenção foi o de objetivos estabelecidos por patrocinadores, também moderadamente pré-determinado (vi uma ou outra variação em mapas mais ou menos planos), pois o bônus que eles me dão em early game — especialmente para pesquisas — é algo que não pode ser ignorado. Mas, novamente, Surviving Mars carece de algo que ligue esse sistema ao jogo principal; os objetivos ficam escondidos em menus ao invés de serem meras notificações, como a própria Haemimont fez em Tropico 3/4. Deixa a tela mais poluída? Sim, mas não é que a interface de Surviving Mars seja poluída; pelo contrário, ainda carece das funções mais básicas mesmos após meses de lançamento (por exemplo, sim, você ainda tem que selecionar um drone por vez para designá-lo a um novo Drone Hub ao invés de arrastar o mouse e criar uma caixa de seleção).
Tanto o sistema de colônias rivais quanto o de objetivos de patrocinadores mudaram de contexto quando eu decidi impor desafios além dos que os próprios mapas me oferecem. Defini que seria impossível importar comida da Terra; assim, precisaria depender da boa vontade de colônias rivais para garantir a sustentabilidade da minha própria — mas nem assim consegui ver os supostos eventos. As tarefas de patrocinadores se tornaram ainda mais necessárias nesse jogo, pois aumentei o custo de pesquisa. Uma das partidas com o Brasil foi um sufoco só no early game; estava quase sem recursos, precisava de uma tecnologia e, se não fosse pela Índia, que já a possuía, e a perspicácia da minha equipe de espiões, a partida teria terminado naquele ponto.
Entretanto, todas essas foram imposições que fiz a mim mesmo. Seria muito melhor se de alguma forma fizessem parte do loop de gameplay do jogo ao invés de serem condições auto-impostas. É como se eu decidisse jogar um Fallout e deliberadamente apagar meu save toda vez que eu morresse para imitar um conceito “permadeath”. Por um lado funcionaria; por outro, como o gameplay do jogo foi desenhado e implementado sem levar em conta essa possibilidade, isso pode torná-lo frustrante ou desbalanceado. Posso, sim, colocar essas limitações a mim mesmo ao jogar Surviving Mars, mas o gameplay ainda não estará apropriadamente balanceado para esse tipo de experiência, e isso é frustrante.
E, por mais que eu julgue que de fato a inclusão de facções rivais e novos eventos — por mais raros que eles tenham sido — ajudaram a expandir o early e mid game, Surviving Mars prossegue com o problema de não te dar razões para se importar. Para que diabos eu faço aquilo, para que eu passo esse perrengue todo? Eu posso completar todos os objetivos na frente de uma facção rival, mas isso não diz nada no escopo das coisas, pois uma partida não tem fim. A tal rivalidade vai embora, resta eu e a minha colônia.
Em dado momento desse ano eu apontei que uma das possíveis soluções para Surviving Mars era apostar em anomalias mais elaboradas no end-game. Reforço a minha posição e coloco um adendo de que, se for para o game da Haemimont crescer e evoluir ao longo dos meses — como fazem tantos jogos publicados pela Paradox — ele precisa abraçar mecânicas mais complexas.
Não adianta Space Race colocar rivais, colocar eventos, se a base ainda é a mesma — extração de concreto e metais, exportação de metais raros para a Terra, pesquisa, e a produção de elementos mais raros a partir desses três recursos. É preciso de granularidade para que se tenha um jogo administrativo que seja interessante tanto a curto como a longo prazo. É necessário que Surviving Mars finalmente tenha um direcionamento que vá além de “vamos colocar novos sistemas em cima dos atuais e, quem sabe, o jogo se torne mais interessante”, pois é assim que vejo a atual metodologia da Haemimont.
Surviving Mars: Space Race
Total - 5.5
5.5
Ao invés de reforçar os componentes que carecem de complexidade em Surviving Mars, Space Race só adiciona mais trabalho “desnecessário”, a não ser que você imponha desafios a si mesmo. Seu sistema de eventos raramente aparece, rivais não são tão “rivais” assim, e a conquista do planeta vermelho continua tão entediante quanto antes.