Eu tenho o costume de dizer nas minhas críticas sobre “Stellaris” que encontrar um meio termo entre os elementos 4X e “Grand Strategy” do título da Paradox uma gigantesca questão de equilíbrio. Uma questão que a desenvolvedora sueca sofreu para aprender nos anos iniciais após o seu lançamento em 2016. Um ano era voltado demais para sistemas que inchavam o jogo, outro ano voltado para eventos que pouco adicionavam para quem estava interessado em expandir o seu domínio. Mas, creio que com os três DLCs lançados no que a Paradox chama de “Ano 8” — a temporada de 2024 — ela encontrou o seu ritmo. E, não há um exemplo melhor para provar isto do que “Grand Archive” (Steam / GOG).
Antigamente quando eu lia “Pacote de eventos” já torcia o nariz para o conceito. “Ah, que ótimo, mais uma meia dúzia de mini histórias que sequer vão alterar a minha jornada em ‘Stellaris’”. De 2023 para cá a Paradox começou a integrar mais e mais esses eventos com novas mecânicas ou uma reformulação de mecânicas que as torna relevante outra vez, ou as dão um novo contexto.
Quem rouba cena em “Grand Archive” é a megaestrutura que dá nome ao DLC. Acessível a partir do mid game para a maioria das facções — ou no final do early game para aqueles que escolherem as tradições voltadas para ela e as novas origens — ela é uma gigantesca culminação do que “Stellaris” é em termos de narrativa no espaço.
Uma das coisas que me incomodava no lançamento de “Stellaris” lá por volta de 2016 era que, para um jogo ambientado em uma galáxia, ela era um tanto estéril. As raças iniciais tinham os rostos, mas não as naves que você imaginaria. Como um grupo de moluscos ia expandir no espaço, com naves tradicionais mais próximas ao que “pensamos” sobre o futuro dos humanos?
Estas falhas foram ligeiramente corrigidas via atualizações, DLCs — como um dos meus favoritos, o “Toxoid Species Pack — e “Stellaris” começou a ficar cada vez mais “estranho”. Os eventos sem sal do lançamento deram lugar a fantásticas histórias de exploração interplanetária, escavações arqueológicas onde você encontrava vestígios de civilizações antigas com os mais diferentes tipos de rituais e, obviamente, novos seres que rondavam certos sistemas solares e que eram uma gigantesca ameaça para a sua sobrevivência. Isto é, até agora.
Uma das mais atrativas adições de “Grand Archive” é o “Vivarium”. A nova estrutura que pode ser construída nos “Shipyards”, atua justamente como o nome indica: um viveiro. Criaturas que antes eram uma gigantesca dor de cabeça para a expansão do seu império se transformam em alvos capturáveis. O que você precisa? Compreender como elas atuam ou se movem de galáxia para galáxia, quais são os seus planetas favoritos, construir uma “isca” específica para instigá-la a uma das regiões controladas por você e, por fim, soltar uma rede para capturá-la.
Embora pareça simples — e de fato é — a implementação é mais confusa do que deveria. O motivo disso é que “Grand Archive” não tenta adicionar mais menus em um jogo que já está mais do que entupido deles. A equipe preferiu trabalhar dentro dos limites do que já estava disponível a todos em “Stellaris”.
Ao invés de uma janela específica para identificar essas novas espécies, o jogo usa a mesma janela de análise de facções que tende a surgir no começo de uma partida. De início eu imaginei que tive o “azar” de começar do lado de um “Fallen Empire” só para no final descobrir que na realidade eu estava investigando uma nova espécie de criatura espacial. Bem que a desenvolvedora podia ter colocado diferentes avisos ou melhorado os alertas de novas espécies. Ou, eu talvez tenha tido o azar deles não terem atualizado a voz “militarista” da IA que é com a que eu tendo a jogar mais. Entretanto, o que mais me incomoda é o uso das naves científicas para capturar essas criaturas.
Eu já tenho uma longa relação de amor e ódio com o uso de naves científicas de “Stellaris”. Até ano passado o microgerenciamento excessivo delas na exploração espacial fazia com que o early game fosse entediante e, com quanto mais horas de jogo acumuladas, irritante. Agora que a Paradox permitiu “automatizar” de cara a exploração de sistemas solares, eu me senti aliviado. Tudo isso para me fazer voltar para o microgerenciamento de usá-las para capturar criaturas.
O problema em si não é a captura delas, mas as chances de captura que é determinada por uma série de fatores desconhecidos. Houve momentos em que eu joguei uma rede e capturei no mesmo instante, outras vezes que eu precisei usar 3, 4, 10 redes para capturar uma única criatura. Não teria problema se “Stellaris” não tentasse puxar a minha atenção para outras 10 ou 15 situações, mas quando você está com planetas quase entrando em revolta por causa de falta de emprego, facções batendo na sua porta e demandando que você repense certas políticas, é mais um “problema” para a minha pilha de “problemas” de cada partida.
Mas, quando o tormento passa e você tem uma ou mais delas no seu “Vivarium”, é aí que “Grand Archive” começa a demonstrar para o que veio. Você pode criar essas criaturas em cativeiro, cloná-las, pegar seus filhotes ou adultos para apresentá-los no seu Grand Archive e ganhar mais reputação com a comunidade intergaláctica, ou, obviamente, prepará-los para a guerra. Não duvido que a guerra seja o principal caminho para muitos jogadores de “Stellaris”.
As diferentes criaturas, embora não possam ser tão personalizadas como naves, mas possuem seus arquétipos (mais de 17 e boa sorte lembrando todos), são formidáveis armas de combate e a primeira vez que eu senti que eu estava no comando de naves dos Tyranids de Warhammer 40K. Os escudos de meus inimigos derretiam, os projéteis de minhas criaturas penetravam as suas armaduras de maneira formidável e os planetas que restavam eram bombardeados pelo restante da minha frota tradicional.
Claro que todo esse processo tem um preço, e um muito alto para a maioria dos jogadores que não gosta muito de microgerenciamento: energia e alimento. Manter um ou mais “Vivariums” ativo requer um alto custo de manutenção de energia e comida. Sim, ambos recursos que até existiam em demasia em “Stellaris” vai ser sugado tal como eu sugo o suco de caixinha (aliás, ainda vende suco de caixinha? Eu me sinto tão velho escrevendo isso). Equilibrar o consumo desses recursos e os “Vivariums” é um processo delicado.
Não pense que isso melhore com o “Grand Archive”. Assim que você constrói a megaestrutura, apresentar relíquias ou diferentes espécies — um total de 170 só do DLC e mais de 200 se você possui os outros DLCs— neles também tem um custo relativamente alto e muitas vezes tive que pesar na balança se valia a pena colocar mais uma relíquia ou espécie em exposição, ou tentar expandir a minha influência por outros meios.
Também não pense que colocá-los à exposição é algo “inútil”. Eles não só geram bônus passivos para uma série de mecânicas do jogo, como atraem novos tipos de espécies neutras — como curadores que oferecem itens raros — e podem ser usados como moeda de barganha na diplomacia com outras espécies. Não chega a “consertar” o sistema diplomático de “Stellaris”, isso é tema para outro artigo. Mas ao menos me salvou de entrar em algumas guerras que teriam arruinado o meu império. De quebra, o texto que descreve cada espécie ou relíquia foi expandido e traz uma nova textura e sabor para “Stellaris” que a Paradox não tinha alcançado até então.
Quem vai se sair melhor nessa história são aqueles que escolherem as novas origens que vem com o pacote de eventos. “Primal Calling” converte a quantidade de seres capturados em elementos de ovação, por assim dizer, e possuem construções que não só reduzem o custo de energia, mas também geram “Unity”. Pode se preparar para liberar tradições ascension a torto e a direito. E, se você joga multiplayer — tome cuidado com qualquer jogador com uma civilização dessas. Quando você menos perceber ela vai bater na sua porta com uma tropa de naves bizarras e você vai ter que se virar nos 30 para aprender como se defender delas.
A segunda origem, infelizmente, é um pouco focada demais em uma partida só. A linha de quests dos “Treasure Hunters” traz uma excelente narrativa e com umas reviravoltas para aqueles que gostam de arqueologia. Mas, quando cheguei no fim dela, eu me perguntei o porquê de eu selecioná-las outra vez. Um buff ali ou acolá para as relíquias que você coleta ao longo ajudaria bastante em tornar a origem mais distinta.
Mesmo que uma das novas origens não atinja as minhas expectativas, eu digo com folga que “Grand Archive” é o melhor pacote de evento de “Stellaris”. A desenvolvedora encontrou o equilíbrio de mecânicas que ajudam na expansão do seu império — seja por meios diplomáticos ou não — eventos intrigantes, textos que me fizeram interromper uma partida inteira só para descobrir a origem de uma relíquia que antes eu via como apenas como um “+5% de dano a uma estrutura específica”.
Demorou muito mais do que eu esperava, mas continuo a dizer que “Stellaris” está em seu auge. É o melhor e o mais refinado jogo do catálogo da Paradox. “Grand Archive” é um pacote essencial para quem tem “Stellaris” na sua rotação mensal de jogos de estratégia. Mal posso esperar o que a comunidade vai fazer no futuro com os mods e a possibilidade de expandir o Vivarium.
Stellaris: Grand Archive
Total - 9
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Um pacote de eventos que sabe equilibrar novas mecânicas, eventos atraentes, formas de expandir o seu império do jeito que você achar melhor. Ainda que traga uma camada extra de microgerenciamento chata, “Grand Archive” é mais uma excelente adição ao repertório de “Stellaris”. O espaço é cheio de criaturas estranhas e desconhecidas, e o misto de 4X e Grand Strategy finalmente abraça isto.