O visor piscava com uma mensagem, mas Cristian Abricci, o atual presidente das Nações Unidas da Terra sabia do que se tratava. Os planetas do setor Gao Zu começaram um levante popular em frente as diretrizes impostas por ele. Frotas já estavam a caminho, mas a galáxia tinha muitas ameaças ainda a serem combatidas do que meros problemas internos.
A primeira vez que me tornei fascinado pelo espaço foi quando meu pai trouxe uma fita VHS sobre os acontecimentos da Apollo 11 para casa. Na época tinha por volta de cinco anos e aquilo foi como um baque. Já estávamos em meados dos anos 90, o espaço já não era algo tão misterioso para nós, humanos, mas sempre um objeto de estudo constante e de maravilhas até então inalcançáveis.
Nos últimos anos eu pulo de jogo em jogo no espaço para atingir o que eu desejava, poder escrever a minha própria história em um universo desconhecido. Muitos deles atingiram esse ponto, mas nenhum da mesma forma que Stellaris, o novo jogo da Paradox que está disponível no Steam a partir de R$ 72,99.
Stellaris começa como qualquer outro jogo de estratégia 4X. Você pode criar uma nação ou escolher de inúmeras nações pré-definidas. Há tanta variedade que demorou horas até conseguir compreendê-las a fundo. Você pode ser uma nação completamente xenofóbica ou uma que ama todas as espécies. Ou quem sabe uma nação que requer escravos para poder prosperar. Isso soa assustador com certeza, mas vai com calma, pois é mais fácil do que parece.
Quando decidi a minha nação — As Nações Unidas da Terra — a interface se mostrou como um território relativamente conhecido por mim. Conhecimento prejudicado pela tradução, pois apesar do jogo estar em português, a ela é sofrível e algumas frases perdem completamente o sentido. Optei por continuar a jogá-lo em inglês.
Nos primeiros minutos um pequeno robô o ajuda a navegar sobre como Stellaris é jogado. Isso é feito por meio de um Registro de Situações, um painel com quests ou cadeias de eventos que se desenrolam ao longo da partida. A primeira delas era inspecionar os planetas próximos a terra para minerais, possíveis estações de pesquisa e anomalias.
“Assim que descobrimos como viajar na velocidade da Luz, um mundo de possibilidades abriu diante de nós”, apontou a oficial Sanjana Moorthi enquanto entregava o mais recente relatório científico para Abricci. “Mas nem todos querem que permaneçamos assim”.
O relatório descrevia uma antiga batalha ocorrida nos arredores de Alpha Centauri, onde uma frota de seres ainda não identificados bombardeou um planeta com armas químicas e deixou marcas na superfície tão profundas que qualquer tentativa de colonização seria fútil. Abricci passou as mãos pelo cabelo, já grisalhos, e lembrou-se da primeira vez que sentou na cadeira de presidente. A tarefa o tirou mais anos de vida do que ter de lidar com a separação. “Repasse esse relatório para o engenheiro-chefe e peça para que inicie a produção de naves de combate imediatamente”, respondeu.
Para quem nunca jogou um jogo da Paradox, Stellaris é sem dúvida o mais fácil do começo ao fim. A interface é simplificada, o sistema de atalhos é intuitivo e em pouco tempo você sente que já está no comando da situação.
O mapa da galáxia é divido em setores, com um ou mais planetas. Basta apertar a tecla E e você é levado para o setor apontado pelo mouse. Menos tempo batalhando contra a interface e mais tempo no que importa, dominar a galáxia.
Stellaris possui três principais recursos: Créditos Energéticos, Minerais e Influência. Cada um deles serve para a construção de estações, frotas e melhorias para os planetas. Estranhamente nunca senti que existiam poucos recursos no espaço. A entrada e saída de matéria-prima era tão natural que em um momento deixei de me importar. Traz uma sensação de que o jogo te dá tanto material que você não sabe muito bem o que fazer com ele.
As primeiras horas de jogo são definitivamente as mais interessantes e possivelmente desafiadoras. São elas que estabelecem o seu estilo ao longo das próximas cinco, dez, quinze horas que durar a campanha. Há sempre um novo planeta para descobrir, uma nova estação de mineração a ser construída ou uma frota a ser criada.
O problema é que, independentemente da maneira que você os estabelece, uma hora ou outra você é obrigado a usar a força bruta para vencer. Nas quatro partidas que fiz, apenas dois objetivos se apresentavam alcançáveis, dominar 40% dos planetas colonizáveis ou subjugar todos os outros impérios. Aí, que a longa e tortuosa estrada da diplomacia e troca de favores entre as diferentes nações começam a se desenvolver.
“Uma nave se aproximou de Teersonia III, era a Oligarquia de Sakyt, uma espécie militarista e xenofóbica. Sabíamos que íamos ter problemas com ele cedo ou tarde”, relembrou Abricci enquanto guardava papéis sobre a mesa. Um alerta piscava sobre a tela, era a notificação de que as tropas já se posicionaram sobre Sakyt Ux, o planeta natal da República Sakyt. A última etapa da guerra estava prestes a começar, mas era a hora de dar o primeiro passo?
As outras nações de maneira geral se portam relativamente passivas. Muitas delas são amigáveis ou até indiferentes em relação a seu avanço na conquista estrelar. Bem, isso até o ponto que você começa a tentar inspecionar anomalias próximas as bordas deles.
Parecia que nada alegrava a República Sakyt, a única coisa que queria era anomalias próximas às suas estrelas. Ainda assim, nada. Meia dúzia de créditos, minerais, planetas? Nada, eles queriam distância e só queriam a nossa dissolução.
Stellaris trata as relações diplomáticas de uma forma mais direta do que qualquer jogo da Paradox até então. Diria até que de forma rasa, tão rasa quanto Civilization em certos pontos. Você pode formar alianças, federações — uma união de quatro ou mais nações que garante alguns bônus, acessos a naves especiais e tecnologias exclusivas — ou se tornarem rivais para ganhar alguns pontos de influência por mês.
Até o sistema de “diplomatas” se mostra quase que inexistente. Diplomatas sempre foram a base para o desenvolvimento de inúmeras ações à países inimigos em Europa Universalis. Stellaris os transforma em embaixadas estabelecidas para aumentar a opinião de uma raça em relação ao jogador.
Políticas e editais também perdem a significância de um ponto de vista de mecânicas. A influência dos mesmos serve mais como uma ferramenta narrativa do que uma mecânica que reflita diretamente na interação com outras espécies.
O meu problema é que jogos foram e vieram com essa premissa e fizeram isso de maneira muito mais interessante que Stellaris. Star Ruler 2, por exemplo, possui um sistema de “conselho diplomático” e de crescimento de planetas bem mais significativo que o game da Paradox. Aqui você parece interagir mais com menus do que com as raças em si. Em Star Ruler 2, sua presença na galáxia se estende a mais do que números.
Tinha a sensação de que que eu colonizava um planeta apenas para obter mais recursos e deixava por aí. Os levantes populares e os eventos dão um “sabor” a mais em toda essa história, mas nunca os vi como uma ameaça ao ponto de desestabilizar completamente o meu império.
Em uma tentativa atrapalhada de reduzir o micro gerenciamento que é tão comum nos seus títulos, cada nação pode ter um total de cinco planetas. Esta quantidade pode ser elevada de acordo com traços específicos escolhidos durante o processo de criação antes do início da partida. É uma pena que a inteligência artificial é completamente inapta a governar qualquer coisa que não fosse uma unidade. Os planetas que antes tinham uma ótima produção de minério e energia do nada pararam de fornecer e prejudicaram meu planejamento. O motivo? A IA decidiu que — apesar do foco na produção — deveriam ser construídas mais fazendas hidropônicas. Talvez estivesse com muita fome, não sei dizer.
A Paradox cria esta discrepância entre não sobrecarregar o jogador de informação em favor da acessibilidade, mas tira um pouco do que tornava Europa Universalis IV e Crusader Kings II tão interessante. Cada província tinha as suas necessidades que tinham de ser ajustadas de acordo. Está com um problema de população? Conquiste mais planetas e crie um exército de robôs.
O engenheiro-chefe Jean-Marie analisava a mais nova remessa de robôs para Rint Beekun V. “Você está certo que isso é o correto a se fazer? E se eles se voltarem contra nós? ”, perguntava a Abricci enquanto levemente batia na carcaça de um modelo Mk V, desmontado sobre a mesa para uma inspeção. A unidade havia causado problema na linha de montagem e em um ato de fúria matou dois operários.
“Precisamos deles em Rint Beekun, o planeta ártico não irá suportar vida humana por muito tempo sem a nossa intervenção imediata”, respondeu. Abricci tinha o mesmo medo de Marie, mas não era hora de demonstrar. Era hora de levar a humanidade para novas fronteiras, independente do custo.
Por outro lado, a árvore de tecnologias está mais interessante e imprevisível do que nos títulos anteriores. Cada vez que uma pesquisa é concluída, três novas opções aleatórias são mostradas. Nenhuma partida é igual a outra neste aspecto. Mesmo depois de trinta horas de jogo eu creio não ter atingido nem mesmo um terço das possibilidades. Dificulta o planejamento a longo prazo? De certa forma sim, mas não a um ponto que isso me prejudique.
A cadeia de eventos que aparece ao longo da partida é certamente a minha adição favorita. Não em questão de uma recompensa material, mas da capacidade de imaginar. Encontrar um planeta com uma espécie primitiva e estudar a sua cultura é uma opção que Stellaris te dá. No fundo não irá mudar como você guia a sua espécie para uma conquista galáctica, mas são pequenos detalhes que fazem com que o universo se torne mais “vivo”.
Quando se chega ao “mid” ou “late” game as partidas tomam um aspecto mais, muito mais lento. Agora é hora de fazer as alianças forjadas no começo funcionarem, de conquistar território e de entrar em guerra.
Guerra nunca foi um aspecto que a Paradox fez bem, em parte devido grande escopo das partidas, e em Stellaris não é diferente. As mecânicas estão similares com as de Europa Universalis. Mova as tropas que tenham maior experiência, números e um líder competente e você possivelmente será vitorioso.
O jogo conta com um projetor de naves que consegue ser tão intuitivo quanto insignificante caso queira. Se existe algo que odeio em jogos de estratégia 4X no espaço, são esses projetores. Raramente editar o equipamento das naves para a batalha dá um retorno positivo. A última vez que vi isso acontecer foi em Star Drive II e Stellaris não foge à regra.
Alterar os componentes de uma nave é tão simples quanto montar um saboroso sanduiche na madrugada que você irá gastar jogando-o. Só que nesse caso pelo menos o sanduíche é gostoso e vai saciar a sua fome enquanto o editor de naves parece não ter utilidade alguma. Selecionei o botão “gerar projetos automaticamente” e não olhei para trás. Mas, não deixava de abrir um sorriso de ver aquelas pequenas naves serem explodidas no espaço, mísseis disparados e lasers cortando as laterais das naves.
Os números não eram favoráveis para as Nações Unidas da Terra sobre Sakyt Ux. Metade da frota já havia sido perdida e nem mesmo parte das defesas conseguiu ser destruída. Em meio aos corredores da UNS Thach, Ting Kuang tentava chegar no reator para reativar a gravidade artificial.
A oficial já havia participado da campanha de dominação de Werheni, mas nada era parecido com Sakyt Ux. Os mísseis antimatéria dos Sakyt atravessavam a armadura Nanocomposta de sua frota como se fosse papel.
O último traje de proteção estava a seu alcance quando um alerta soou sobre seu visor. Uma explosão perfurou o casco da nave. O reator era insignificante agora, nada mais poderia salvá-la da total destruição. “30% de oxigênio”, avisava a roupa com um incômodo apito sonoro enquanto Kuang terminava de fechar as últimas travas. Um solavanco fez com que perdesse o equilíbrio, o som não lhe era estranho. Era o som do metal sendo distorcido por uma segunda explosão. O casco já não tinha mais salvação. Nenhum deles tinha salvação.
Kuang fechou os olhos por alguns minutos e abraçou a morte. A morte nunca chegou. Ao abri-los novamente se viu flutuando no espaço enquanto a UNS Thach era arrastada pela órbita de Sakyt Ux. Não ficou apreensiva, nem mesmo com medo. Ao fundo ouvia-se explosões, o som criado por um sistema do próprio traje de proteção. Se aquele som era artificial, quem sabe tudo isso não era verdade, que toda essa campanha não passou de um pesadelo do início ao fim.
Estava em paz, uma paz que sentiu pela última vez ao entrar na UNS Thach — na época ainda estacionada no porto de construção sobre a Terra. Com um gentil sorriso pressionou o botão de remoção das travas. Sua missão nesta vida foi cumprida, seja ela qual fosse.
Stellaris tem inúmeros problemas que podem ou não serem ajustados com atualizações ou expansões. É um jogo que vem cheio de promessa, mas que não necessariamente cumpre todas da maneira que esperava. É um jogo que requer não apenas um investimento para o aprendizado das mecânicas como também um pesado investimento na sua própria criatividade para funcionar.
Em mim, desperta o desejo quase que dormente de conseguir sonhar. De conseguir imaginar impérios imensos em conflito por um setor da galáxia. De moldar a minha facção da maneira que eu bem entender e sentir que essas ações têm até determinada altura uma significância.
Eu nunca fui desses que criava histórias sobre as minhas nações ou sobre meus feitos em qualquer jogo. Sempre vi isso como perda de tempo, insignificante. Stellaris me fez olhar para as estrelas de uma maneira diferente, da maneira que eu vejo a criação de histórias de maneira diferente. Não é um jogo de estratégia perfeito, longe disso. Mas até então é uma das melhores, se não a melhor, plataforma para a criação de histórias que a Paradox lançou até então.
Todas as histórias contidas no artigo foram inspiradas por eventos ocorridos durante a campanha. Uma cópia de análise foi fornecida pela Paradox para a produção deste artigo.
Stellaris
Total - 8.5
8.5
Como um jogo de estratégia, Stellaris está longe da perfeição, porém mostra-se como um poderoso instrumento para a criação de narrativas nas mãos das pessoas certas. Cada tropeço da Paradox nas mecânicas é ofuscado pela imensidão do espaço e das inúmeras histórias que ali surgirão. Apreciei o meu tempo no espaço e mal posso esperar para voltar.