Quando se joga games de estratégia baseados em períodos históricos, cria-se um distanciamento, uma falta de foco. Vê-se pedaços, raramente um trabalho voltado para reforçar o quão impactante foi uma operação. Steel Division: Normandy 44, da Eugen Systems, joga uma nova luz sobre a operação Overlord e a conquista da Normandia em 1944. Ele está disponível no Steam por R$105,99.
A temática tanto usada por diversas mídias tem uma narrativa tão cansada quanto a própria segunda guerra mundial. Com isto em mente, a Eugen segue a mesma rota da Graviteam em sua campanha, apresenta os objetivos da forma mais transparente possível e sem emoção. Não é uma história de heróis, da luta do bem contra o mal. São dois países em conflito por um território e eu vejo que tal aproximação é a melhor que se encaixa em jogos de estratégias do período.
A primeira missão, “Hedgerow Hell” é de deixar qualquer um boquiaberto. Tropas de paraquedistas na corrida para tomar a cidade de Audouville-la-Hubert e criar um corredor para o desembarque das tropas da praia de Utah é um dos poucos momentos em que se vê a dimensão da operação criada pelos aliados. Tanques presos na praia, soldados que avançam em meio a fogo inimigo e artilharias que explosões que reverberam com tamanha intensidade que causa espanto. Uma pena que o esforço da Eugen no modo de um jogador, por mais que aprimorado em relação a série Wargame, não se sustenta por muito tempo.
Mesmo que não criadas narrativas, a campanha sofre com a baixíssima quantidade de missões servindo mais como um excelente tutorial para batalhas contra a IA ou online do que outra coisa. Parte do problema está relacionada a forma que as mecânicas de controle de mapa funcionam. A Eugen aplica em todos os modos de jogo o que ela chama de Dynamic Front Line, uma mecânica usada para demonstrar tanto o avanço como o recuo das tropas e qual a porcentagem de território o jogador controla. Excelente em outros modos, ela força com que todas as missões tenham um tempo limite desnecessário.
Não existe zonas “neutras” no mapa. Ou você defende ou você ataca. Gera atrito, tensão, mas também frustração em ter de lidar com limitações de tempo para conquistar um ponto estratégico. Games como Graviteam Tactics e Combat Mission também delimitam o período do jogador, no caso deles de maneira mais maleável ao distribuírem essa necessidade da captura de um território para uma campanha que se adequa as decisões do jogador e não necessariamente segue uma precisão histórica.
Na mesma medida em que ele deixa a desejar bastante na campanha, ele acerta de inúmeras maneiras nas partidas online e offline. Para quem gastou algumas dezenas de horas com Wargame, Combat Mission, Company of Heroes 2 e Graviteam Tactics vai se sentir em casa em Steel Division. Um sistema de supressão afeta a integridade e eficácia das unidades no combate. Quanto maior fogo inimigo ela receber, maior são as chances de ela não conseguir retribuir o ataque e possivelmente se render.
Junto a isto está o conceito de etapas mencionado nas minhas primeiras impressões. Cada batalha é dividida em três etapas: Recon (A), Skirmish (B), e Battle (C). As duas primeiras ocorrem durante os vinte minutos iniciais, sendo a terceira estendida até o seu término. Transmitem o aumento da intensidade do conflito e facilitam a identificação de como montar os battlegroups.
Como eram a espinha dorsal de Wargame, os battlegroups — conjunto de cartas equivalente as unidades que podem ser levadas para campo — voltam com menos variedade e uma curva de aprendizado muito distinta. Há menos variáveis para se aprender a curto prazo, como o uso de unidades de reconhecimento e quais seus papéis em campo. Um grupo de paraquedistas, por exemplo, recebe bônus quando estão cercados por tropas inimigas e engenheiros quando bem posicionados são capazes de destruir tanques de médio porte com facilidade.
Quando você começa a desmantelar os detalhes de Steel Division: Normandy 44 é que você começa a observar ainda mais o brilhantismo e a atenção aos detalhes que foi usado pela Eugen. Os mapas tematicamente semelhantes criam um leque de opções inimaginável. A sensação era a completa contrária do que senti com os oito mapas de Dawn of War III. Duas, três, quinze partidas e nem ao menos havia arranhado a superfície dos detalhes de Steel Division. A cada nova jogada do meu oponente eu me pegava surpreso “Como não havia cogitado flanquear por aquela região?”. Tudo isto disposto das mais majestosas maneiras de controle que já vi em um jogo de estratégia de grande escala.
Quer identificar o campo de visão de uma unidade? Um atalho já basta. Se preocupar com o posicionamento constante das tropas era uma segunda preocupação já que elas mesmo davam conta de serem relativamente eficientes no campo e tomarem proteção contra disparos inimigos enquanto o foco se voltava para analisar os cenários e possíveis oportunidades. Mesmo movimentá-las era um trabalho de rápida interação, que reduz o constante micro gerenciamento antes mais proeminente nos sistemas aplicados pela Eugen Systems.
Outro aspecto que merece a devida atenção está no balanceamento do game, ou a segunda e mais longa curva de aprendizado em Steel Division. Ao olhar desatento pode parecer que uma tática é útil para todas as ocasiões, como fiz constantemente com o uso de artilharia para enfraquecer o inimigo. Tudo o que precisou era um jogador mais experiente me mostrar que esta tática é extremamente cara devido a facilidade de que unidade tem para ser flanqueada e as brechas que são criadas no fronte. O ioiô de aprendizado em jogos de estratégia é uma das minhas partes favoritas e Steel Division não poderia fazer melhor.
Cantaria os louros, jogaria flores e enalteceria a Eugen por anos a fio dado o impressionante avanço de design feito em Steel Division. Mas, para um jogo que preza partidas multiplayer, ele ainda deixa a desejar em certos aspectos do componente online.
Uma crítica que sinceramente, ainda me surpreende em ter de fazer dado o histórico da empresa com R.U.S.E., Act of Agression e três Wargames. Neles, até em salas com 20 jogadores eu nunca passei por problemas de conectividade. Já em Steel Division os dois primeiros dias de lançamento foram terríveis, com falhas no áudio, unidades que não respondiam aos comandos e erros de animação. Ainda bem que a grande maioria dos erros críticos foram devidamente resolvidos e as partidas voltaram para o altíssimo patamar de qualidade esperado da Eugen Systems.
Porém, o sistema de partidas ranqueadas continua uma piada. Esperava que ao menos um sistema de matchmaking, por mais básico que seja, estava presente. Nada disso. Foi clicar no ícone que fui jogado em uma sala separada com os dizeres “partida ranqueada” e esperava outras pessoas entrarem. O chat — algo tão tradicional e essencial para combinar partidas na série Wargame — escondido no canto como se a Eugen tivesse vergonha de que a comunidade deles pode ser um pouco extremista.
Para um jogo que está desde março em beta fechado, desde abril em beta aberto (para quem comprou em pré-venda), ver a falta de atenção em melhorar o criticado sistema de lobbies desencoraja. São elementos como esses que podem fazer a diferença entre Steel Division ser lembrado pela grande comunidade de estratégia ou ser exilado e se tornar um objeto de estudo para especialistas da área e designers.
Mesmo com o sistema de lobbies falho, Steel Division: Normandy 44 merece ser jogado por qualquer entusiasta de estratégia. Poucas vezes temos a oportunidade de ter uma visão tão coesa, uma jogabilidade tão refinada e mapas que se adaptam tão bem a situações peculiares. A Eugen Systems criou um clássico que nos primeiros dias estava preso por uma bola de ferro dado as conectividades online, mas que a empresa deu a volta por cima de forma rápida. Agora só falta um sistema melhor de lobbies.
Nota do editor: Um dia após a publicação desta matéria (25 de maio), os principais problemas do online foram consertados. Não é costume do Hu3br atualizar reviews, mas tendo em vista que foi em um curtíssimo espaço de tempo, uma exceção foi aberta.
Steel Division: Normandy 44
Total - 8
8
Steel Division: Normandy 44 é a culminação dos sistemas empregados em R.U.S.E. e Wargame e apresentados em uma estrutura mais coesa e refinada. Ainda que deixe a desejar sem um componente competente de matchmaking e lobbies ranqueados, merece ser jogado por qualquer entusiasta de estratégia.