Para muitos criadores de jogos de gerenciamento, preferir uma estética impactante ao invés de mecânicas aprofundadas é uma escolha simples. O gênero está saturado de homenagens a Transport Tycoon, Railroad Tycoon ou similares. Ter um visual “apetitoso”, portanto, é um requisito essencial. O “gerenciador de estação de metrô” STATIONflow (Steam) é um dos raros casos que contraria essa tendência — e, por isso é, na maior parte, um jogo melhor.
Feito pela DMM Games, STATIONflow faz o que todo jogo de gerenciamento em um mundo pós-Transport Tycoon deveria fazer: não te dar a sensação de que está no controle. Administrar é ter as peças nos lugares certos e estimar que elas funcionem, não ter a certeza de que elas irão.
Olhe para o transporte público da sua cidade. Veja quantas vezes trens pararam em períodos de pico devido a um deles ter demorado demais em uma estação, ou quantos mapas trazem informações confusas para alguém que não está acostumado a usar o serviço no cotidiano. Me perdi ao pegar o BRT no Rio de Janeiro por conta do mapa, feito para quem já anda nele e conhece a zona oeste de cabo a rabo.
A culpa de falta de informação ou de trens atrasados nem sempre recai sobre os ombros da administradora ou da população que usa o transporte. Modelos existem para prever isso, mas nem o melhor deles é infalível, e é importante lembrar que transporte público é complexo, hostil, e muita dessa hostilidade é repassada para a população que mora em zonas mais afastadas por decisões políticas. Esses componentes todos tornam ainda mais difícil criar a “estação perfeita”; ela não existe.
Embora não traçando comentários sobre o lado político do sistema de transporte, STATIONflow usa o que já tem estado presente pelos últimos anos em Dwarf Fortress, Oxygen not Included, Rimworld e até parte de Cities Skylines – cada habitante é simulado e não uma “comodidade” a ser transportada de um lado a outro.
A sua estação no modo “normal” (sem alterações de dificuldade e no mapa padrão) começa minúscula. Três entradas precisam ser conectadas a duas plataformas, o projeto é simples e até um pouco direto demais para o meu gosto, pois cria algumas manias para jogadores inexperientes – como a limitação de só um tipo de corredor em contraste com os três tipos que podem ser liberados. Mesmo sem eles, a recomendação não é entender a estação como uma estrutura de um jogo, mas como uma estrutura que vai ganhar mais vida e identidade. Dado o estilo “minimalista” de STATIONflow, isso requer um tanto de imaginação por parte do jogador – o que é uma das minhas partes favoritas.
Mesmo que use um sistema de “grids” como base, você pode desligá-lo e moldar a estação como bem entender. Corredores eram interligados por pequenos plazas que, na minha imaginação, serviam como um ponto de encontro. Eu tentava visualizar os corredores iluminados desembocando em um grande espaço aberto com placas, sinalizações, pessoas indo e vindo; estariam elas atrasadas para o trabalho, indo visitar um amigo ou amiga de longa data ou só indo resolver alguma pendência? É fácil eu me apaixonar por esse estilo, e STATIONflow dá esse espaço para o meu cérebro respirar enquanto outros jogos do gênero cujo foco é a estética me limitam a imaginar apenas o que está na tela.
Durante essa expansão “natural”, o florescer da “vida” trazida pelos passageiros, existem poucas ferramentas para antecipar o fluxo de pessoas vindo de um ponto de acesso específico. Cada dia era um novo desafio, ora turista que vinha por um ponto de acesso que carecia de uma plaqueta de informação (localizada no segundo andar), pessoas impacientes em horário de pico por não acharem a saída ou plataforma desejada… e com isso a reputação da minha estação começou a cair.
Ao invés de criticar a falta de “mecânicas de planejamento”, vejo isso como um ponto positivo. STATIONflow lida com a simulação de pessoas, não de “comodidades” como já citei. Por serem pessoas, cada uma vai ter diferentes hábitos, e o que funciona para alguns não vai funcionar para outros. O segredo está em fazer com que você encontre um meio-termo para que a sua estação não fique confusa e ainda consiga suprir a demanda — um projeto que me deixou empacado lá pelo quadragésimo dia.
A pequena estação agora tinha três plataformas, oito pontos de acesso, banheiros e restaurantes, placas de informação para turistas e dezenas de outros itens que vinham com a ideia de facilitar a vida da população. Porém, devido a minha falta de planejamento na construção da segunda estação – onde eu unifiquei três corredores ao invés de criar um novo plaza —, criei o caos, o que me forçou a fechar dois pontos de acesso, gastar uma fortuna em reformas, fechar o dia no vermelho e ainda perder muita reputação.
Após o desastre achei melhor fechar de vez a minha estação e, com a minha experiência debaixo do braço, partir para estações ainda mais complexas. Sejam elas feitas pela DMM Games ou pela comunidade – que já oferece recriações de famosas estações pelo mundo – a imaginação e os desafios foram ainda mais longe. Tive de lidar com formações rochosas me impedindo a conexão direta entre a estação e um ponto de acesso, estações com quatro ou mais camadas de profundidade, fluxo errático de passageiros.
Continuava embasbacado que, mesmo nos piores dos momentos, o sistema de pathfinding e simulação dos passageiros continuava intocável. 3000 passageiros em uma estação e jamais os vi ficar presos em uma saída, não usar a máquina de tíquete ou entrar em algum loop de não encontrar para onde desejavam ir onde eu não tivesse uma parcela de culpa. É um sistema impressionante por si só e que merece ser devidamente estudado por futuros desenvolvedores de jogos de gerenciamento.
O que faltou para a DMM Games foi implantar um sistema de objetivos e eventos mais variados. Ele pode se esbanjar no aspecto simulação e isso ressoa comigo muito forte, mas eu o joguei mais pela curiosidade de ver como ele interpretaria o meu design do que descobrir se ia fechar o dia com dinheiro na conta ou com a reputação ainda positiva.
Queria que houvesse um sistema mais amplo de eventos além do fluxo de passageiros, que trens falhassem ou houvesse um atraso neles, que máquinas de tíquetes deixassem de funcionar ou que a taxa de manutenção de objetos como placas aumentasse com o passar do tempo. Muitos desses eventos existem em jogos como Overcrowd: A Commute ‘Em Up, mas que carecem da simulação de STATIONflow.
Saliento que esses pormenores não atrapalham o jogo em si; STATIONflow melhorou em tantas áreas o que tínhamos dado como estático por tantos anos que, se ele tivesse ido um pouco além, teria sido um imenso marco no aspecto de simulação e gerenciamento de pessoas dentro de estações de metro. Perto dele só vejo jogos ainda em acesso antecipado, como Airport CEO – também influenciado por Prison Architect e Rimworld.
Pois a palavra administrar, gerenciar ou tomar conta de algo está no momento muito ligada ao escapismo que esses jogos tentam produzir. Planet Zoo, ao invés de te colocar na linha de frente de um zoológico, pede para que você perca mais tempo embelezando ele do que descobrindo as suas falhas. Detesto viver em constante escapismo, apesar de que jogos de uma forma ou outra são inclusos nesse conceito. Prefiro lidar com as minhas falhas, imperfeições e desastres até mesmo dentro deles. Não existe estação perfeita e, portanto, qualquer jogo que ofereça essa solução é utópico e pedante demais para o meu gosto.
STATIONflow não é pedante, tampouco utópico. É um pouco ambicioso demais na simulação e isso prejudica as outras áreas, mas é um passo — um passo que eu peço que mais desenvolvedoras abracem e entendam que essa próxima década de jogos de gerenciamento tem de largar a mão do passado e começar a bolar novos modelos para simulação. Prefiro jogar dez STATIONflow do que a próxima homenagem a Railroad / Transport / Rollercoaster Tycoon.
StationFLOW
Total - 8.5
8.5
Muito bom
StationFLOW pode carecer de objetivos mais específicos, de uma estética que não dependa da imaginação de quem joga, ou de eventos elaborados. Todavia, no que diz respeito a simular os diferentes aspectos do fluxo de passageiros de uma estação, seus hábitos e como se comportam ao longo de um dia, é singular. Um exemplo do que pode – e deve – ser a próxima década de jogos de gerenciamento.