Eu possuo uma fascinação mórbida por Kowloon, a agora extinta cidade murada da china. Sempre que penso nela, penso no potencial das histórias que não foram contadas. Das imensas vidas que foram perdidas ali e nunca propriamente retratadas. A única “forma” de reviver tal experiência ultimamente tem sido via shooters. Sprawl (Steam), é outro que mira diretamente na cidade – e nas influências asiáticas – para contar uma história de vingança. Era para ter ficado entusiasmado, certo? Eu fiquei em partes.
Sprawl não omite a sua forte a influência asiática de Ghost in the Shell e derivados. A arquitetura de Kowloon pode ser muito bem-vista durante os primeiros capítulos do shooter e a sua densidade, seu senso de opressão são assustadoramente bons.
Bem, nada melhor do que um senso de opressão do que ser jogado de uma janela após se tornar “irrelevante” para a sociedade – que é o que acontece com a protagonista Seven –, que por anos serviu de mercenária para a junta militar que governa a cidade e agora seus serviços não são mais desejados.
O jogo não demora para te colocar em uma arena de combate, te dar um arsenal básico e te apontar para uma direção. “Vá, faça eles pagarem, tenha a sua vingança”. A história do jogo, embora tente te inserir um propósito mais profundo com outros personagens que lutam para dar uma profundidade para a história, o tiro sai pela culatra. Meus tiros e o barulho das explosões ao meu redor falavam mais alto.
Eu não estava jogando Sprawl pela sua história, mas pela seu gameplay que me fisgou desde que eu vi o primeiro trailer. Usando um misto de bullet time, algumas adições como “recuperar vida eliminando inimigos de formas específicas” de Space Marine e mais recentemente Doom Eternal, e o Parkour de Titanfall, ele faz o suficiente para se diferenciar dos outros shooters, mas não se destacar.
Acontece que, por mais que ele tenha a faca e o queijo na mão, a maioria dessas mecânicas não se integram tão bem quanto se imagina. Parkour é mais utilizado para navegar pelo cenário do que em momentos de combate e o bullet time não tem precisão em demasia – uma escolha de design ao tornar nenhuma arma “hitscan”, ou seja, usar projéteis físicos.
O que segura bastante essa falta de diálogo entre as mecânicas é o tempo de duração de “Sprawl”. Sente por quatro ou cinco horas e você já vai ver os créditos rolarem na tela. Considerando que os últimos shooters que eu joguei duraram mais do que eu gostaria, a desenvolvedora MAETH foi um tanto conservadora no seu escopo.
Essa mesma conservação pode ser vista claramente no design dos inimigos. Nenhum deles se sobressai, mas cada fase adiciona um – ou uma variante de um – que é mais do que suficiente para te deixar na ponta dos pés e preparado para mais uma batalha onde você vai precisar dar 110% do seu foco para vencer.
É nesse ponto que “Sprawl” me prendeu tanto. Cada missão era vasta e opressiva o suficiente para me deixar com um ponto de interrogação na cabeça. “O que será que vem pela frente?”, mas não exagerava demais em segredos ou em construir uma narrativa. Além disso, os tons marrons e a forma que a iluminação é usada de maneira soberba para criar a ambientação de cada fase é digno de palmas.
Ironicamente, para um jogo que tem tantos elementos de ação frenética, “Sprawl” nunca me fez sentir sufocado como, por exemplo, o recente “Turbo Overkill”. Ele nunca te entope de inimigos ao ponto de te deixar desesperado, mas também não deixa espaço para que você experimente com novas técnicas.
Mas depois que os créditos rolaram, eu voltei para a questão principal: “Deveria eu jogar outra vez Sprawl”?. Veja bem, eu não tenho problema nenhum com um shooter que sabe muito bem o que quer – aliás eu diria que é mais a exceção do que a regra em 2023. Só queria que Sprawl abrisse um pouco mais as asas para me permitir experimentar com o seu arsenal – também bastante conservador – e integrasse melhor o sistema de Parkour.
O gostinho de “quero mais” não vem da necessidade de mais missões, mas sim das missões comunicarem melhor o que as mecânicas principais do jogo – especialmente o parkour e o sistema de bullet time – querem apresentar. Eu não digo isso para soltar um “não jogue sprawl”. Se algo, ele é um imenso e fantástico esforço de uma equipe pequena que, como tantos jogos em 2023, poderia ter saído um desastre.
Mas ele está longe, muito longe de ser um. Como uma desenvolvedora que recentemente deu as caras no mercado, “Sprawl” é um gigantesco sucesso na minha cabeça. Um título que foi ousado o suficiente para se jogar no mercado saturado de shooters e ainda assim se destacar o suficiente em meio a tantas homenagens, jogos imensos e outros “shooters retrô”.
Uma coisa eu posso te falar com toda a certeza: As quatro ou cinco horas de jogo que você vai ter com ele vão valer muito a pena. Dependendo de como é o seu estilo de jogo, até mais do que em jogos como “Turbo Overkill”. Vale mais do que a pena para uma excelente tarde de domingo ou um dia chuvoso.
Sprawl
Total - 8
8
“Sprawl” nem sempre consegue unificar as suas mecânicas, algumas delas – como o parkour – poderiam ter sido mais bem integradas no combate. Entretanto, o foco preciso da Maeth em desenvolver um shooter preciso e que sabe muito bem o que quer é mais do que um triunfo em um ano onde todo jogo que ser... bem... tudo. “Sprawl” vale o tempo gasto, ainda mais se você for fã de Doom Eternal, Titanfall e estética asiática.