Se tem algo que eu aprendi nesses três anos acompanhando o Spellforce 3 é que a Grimlore Games está no top 50 das desenvolvedoras menos apreciadas nesta indústria. Ela pegou uma franquia que estava sem rumo, a revitalizou — e continua a revitalizá-la. A prova viva disto é Spellforce 3: Fallen God (Steam / GOG)
A segunda e supostamente última expansão de Spellforce 3 escolhe um dos temas mais “complicados” de se lidar em termos de RPGs ou jogos de estratégia: Trolls. A raça, tão estereotipada em diversas mídias, ganha um toque especial da Grimlore. Nada dessa bobeira de serem “seres ignorantes” ou “brutos”. Os Moonkin, a facção que você controla e uma das três facções presentes no DLC, não devem nada em termos de identidade para outras do universo de Spellforce. A Grimlore desenvolveu todo um sistema de crenças, relações interpessoais, diferenças ideológicas e outros pequenos detalhes que fazem os Trolls de Fallen God serem uma das mais interessantes interpretações da raça que vi em muitos anos. Todavia, isto vem a um grande custo.
Este custo é que a Grimlore ainda não aprendeu muito bem como dosar história, escolhas, e combate. Apenas na primeira missão — que dura no mínimo duas horas — você é apresentado a diferentes tribos, vê as suas primeiras interações e a existência de conflitos internos entre vários personagens. Se você jogou algum Spellforce, ótimo, então você sabe o que esperar; agora aqueles que nunca jogaram e começam a partir de Fallen God, ainda mais por ser uma expansão standalone, vão sofrer uma tremenda sobrecarga de informação.
Infelizmente isso é, e vai continuar a ser, o resultado de Spellforce 3 ser um híbrido entre estratégia e RPG. Começa pela necessidade de você criar uma party com quatro personagens sem ao menos ver como eles atuam em campo de batalha ou qual o papel deles na história. Qual habilidade e classe escolher? Será que um grupo só de Trolls magos funcionaria? A solução aqui seria um tutorial mais bem desenvolvido; pena que a desenvolvedora opta por usar o mesmo do jogo base.
Quando você adentra a campanha em si as coisas não melhoram. A primeira missão quase não contém nenhum elemento de base building já que – como mencionado acima – é focada em te explicar as relações entre essas tribos de trolls. E, não importa a quantidade de diálogos, saber o nome de cinco, seis, sete Trolls de cabeça, com suas diferentes crenças, em menos de duas horas é pedir demais de qualquer um.
É a mesma coisa que alguém pegar os dois imensos livros sobre o universo de Glorantha (RuneQuest / HeroQuest / Six Ages Ride Like The Wind / King of Dragon Pass) e transformar em uma apresentação de Powerpoint. Neste ponto que eu peço que você seja paciente com Fallen God. Aguente a primeira, a segunda e terceira missão para que todos os elementos sejam mostrados, a história engate e comece a fazer mais sentido. Pois, assim que essa barreira é superada, ninguém segura a Grimlore.
Embora o descompasso entre narrativa e combate se estenda ao longo da campanha, Fallen God oferece as melhores missões, mapas, objetivos primários e secundários que eu já vi em Spellforce 3. Eu fiquei tão investido na história que ignorava a ausência de combate ou alguns inimigos “sem sal”. Cada sidequest era uma nova oportunidade de entender mais sobre a minha party, a nova região de Urgath, e como que diabos eu devia ressuscitar um deus — o ponto chave da história. Prepare-se para uma bela dose de intriga, momentos inesperados e uma trama que te agarra do início ao fim.
Quando Fallen God se volta para o lado mais “estratégia”, o que ajuda a quebrar possíveis situações de monotonia são as novas táticas e mecânicas dos Trolls. Você ainda tem o seu sistema de base building que é o “arroz e feijão” de um jogo de estratégia típico, mas com uma interface bem mais amigável para administrar os diferentes componentes do combate — sejam estes o uso de magia dos heróis do jogo até a separação do seu exército em diferentes grupos.
Como “tempero especial” a Grimlore adiciona uma mecânica de crafting como incentivo extra para explorar os mapas e as maravilhosas dungeons de Fallen God. E antes que você fale “eca, crafting”, ele é mais simplificado que muito RPG por aí com somente cinco materiais e resultados bons o suficiente para melhorar a sua party com equipamentos e armas mais poderosas; algo que vai ser essencial pra quem, como eu for um imenso teimoso e resolver jogar quase tudo no modo “hard”.
Todavia, mesmo com todas as melhorias que são trazidas por Fallen God, a que eu mais queria que acontecesse não deu as caras: melhorias na animação de combate. Longe de querer especular sobre quais prioridades estavam na lista da desenvolvedora, ver Trolls gigantescos acertarem seus machados e ver os inimigos caírem da mesma maneira de quando são atingidos por uma pequena espada causa uma incômoda dissonância visual. Não precisa chegar no mesmo grau de qualidade de algo como Total War: Warhammer II (além do que, a Grimlore não tem nem um terço da renda e equipe para fazer isto acontecer), mas uma melhoria aqui e acolá venderia muito melhor a ideia de você controlar essas criaturas poderosas.
Além da mistura de estratégia e RPG, esse ponto é causado pelo fato que a Fallen God – por mais que seja uma expansão standalone — também precisa agradar os fãs de Spellforce. A Grimlore poderia muito bem ter cortado as novas mecânicas, reduzido a campanha ou removido certas dungeons. Ao invés disso ela aumenta o escopo de personalização. Veteranos da franquia verão novas habilidades, magias refeitas para o contexto de Fallen God e uma maior gama de escolhas em como personalizar a sua party e seu exército. Como um veterano, me senti muito confortável em experimentar com builds absurdas de Trolls necromantes, aprender seus buffs e debuffs, do que nos dois jogos anteriores da franquia. Isto sem contar o ponto óbvio que é ter uma raça nova e ainda mais conteúdo para eu me deliciar sobre. Cada pedacinho de Fallen God traz uma riqueza inigualável.
Olhando para trás e vendo as horas que investi na campanha base de Spellforce 3 e Soul Harvest – nada menos do que 120 horas – nenhum deles me prendeu tanto quanto Fallen God. Soul Harvest tem lá os seus momentos especiais, mas a trama bagunçada não ajuda nem um pouco. E a campanha original de Spellforce 3, a mais longa de todas, só se segurou por conta da ótima atuação dos personagens.
Fallen God é o pacote completo: é a narrativa, o combate, as dungeons, o mistério por trás de ressuscitar um deus morto e a jornada para fazer com que isso aconteça. Os pequenos traços das melhorias vindas de atualizações que apontam o quanto a Grimlore estava atenta ao feedback da comunidade me enchem de alegria.
Ele tem as suas rebarbas a serem aparadas – o que mais cedo ou mais tarde será feito, já que a desenvolvedora planeja refazer a campanha original e parte da campanha de Soul Harvest para chegar no mesmo patamar de qualidade de Fallen God.
Eu não vou fingir que Fallen God não é confuso no começo, que os pequenos defeitos citados desaparecem magicamente e que ele vira o jogo “essencial” para fãs de estratégia e RPG que você vai jogar nos últimos anos. Mas, para uma franquia que estava tão perdida com SpellForce 2 – Demons of the Past, Fallen God é o melhor ponto de entrada para esse imenso e fantástico universo. Tudo o que você precisa é de um pouquinho de paciência. E, por favor, tenha-a, pois você vai ser recompensado no final com um dos melhores híbridos de estratégia e RPG que eu já joguei.
Spellforce 3: Fallen God
Total - 9
9
Fallen God ainda carrega uma imensa barreira narrativa para quem está interessado em conhecer mais do universo de Spellforce. Todavia, assim que ela começa a ser desmontada ao longo da sua excelente campanha, você é agraciado com um dos melhores jogos da franquia. Um capaz de remover os terríveis estereótipos de uma raça muitas vezes vista como “vilã” e um dos melhores híbridos de estratégia e RPG.