Tales of Maj’Eyal, Sub Level Zero, Dead Cells, Strafe. Meu interesse pelo uso de geração procedural em jogos vêm desde que eu o presenciei em ação. Uma ferramenta que nas mãos certas pode estender e diversificar o conteúdo de maneira excelente. Nesta lista agora entra Songbringer (PC, PlayStation 4, Xbox One), mas não pelo motivo que eu esperava.
Originado de um Kickstarter em 2015 por Nathanael Weiss (Wizard Fu), Songbringer segue exatamente o conceito que foi estabelecido desde sua concepção, geração procedural em um jogo inspirado por The Legend of Zelda e similares. O loop é exatamente o qual você imagina: obtenha itens, vá para dungeons, resolva quebra-cabeças e derrote inimigos.
Longe de ser inovador ao demonstrar a mecânica base, o que Songbringer traz para a mesa é como ele consegue, de maneira convincente, criar um mundo que evoca um desejo exploração por meio da geração procedural.
A ferramenta tende a ser usada primariamente para alterar o layout de uma área para que não soe “repetitiva”, ou de alguma forma sustentar uma jogabilidade que tenha um loop básico. Vide Immortal Redneck, shooter que faz uso extenso de arenas para criar um falso senso de progressão. É por isso que muitos jogos caem em uma imensa contradição, na tentativa de não serem repetitivos, eles acabam se tornando.
Encontro em Songbringer um mundo vivo, um que foi desenhado a partir de uma “semente” de seis letras — sempre inserida no começo de cada nova campanha — mas ainda consegue ter pontos de interesse, calabouços e áreas que demonstram uma estrutura relativamente rígida. De pouco a pouco ele se desabrocha a minha frente e começa a apresentar mais detalhes singulares do planeta de Ekzerra, o qual a nave do protagonista Roq Epimetheos e seu robô Jib, cai.
Existe um interessante senso de veracidade no aspecto visual Ekzerra. Não alienígena o suficiente, mas também não terráqueo o suficiente. Da mesma maneira que Roq usa certos “alimentos” — Cacti — para encontrar segredos escondidos no mapa, existe um limbo entre o psicodélico e o real. São pequenos toques vistos ao longo das áreas que dão um ar tão especial. O bater das gotas de chuva na água, a pequena fumaça que sobe quando o fogo de um isqueiro atinge o lago ou os pequenos sons que acompanham a sensação claustrofóbica das dungeons. Céus, eu queria que o restante de Songbringer tivesse o mesmo efeito em mim que explorar seu mundo teve. É na hora de interagir com ele que o efeito vai embora.
Ao se prender em regras demasiadamente rígidas, sua jogabilidade não consegue transmitir o mesmo senso de “aventura” que o seu mundo tanto clama. O combate se limita a dois ou três tipos de golpes, os inimigos têm seus ataques pouco diversificados e, acima de tudo, a emoção de entrar em confronto é jogada para sistemas que não são capazes de criá-la.
Um dos jogos que me vem à cabeça toda vez que jogo Songbringer é Hyper Light Drifter. O game da Heart Machine sabia exatamente como transformar um combate simplístico em situações de extrema tensão. Uma quantidade equilibrada de inimigos, grandes chances de morrer, entender e usar o espaço em favor do jogador. Jogar Hyper Light Drifter é ver o protagonista em um balé enquanto desvia de balas, golpes e explosões. Os pequenos períodos onde era possível atacar, portanto, sofriam uma maior importância na mente do jogador.
Nada disso está presente em Songbringer, atacar um inimigo e ver quase nenhuma reação dele me tira completamente da “imersão” do combate. A tarefa de passar de área em área vira mundana pois um dos principais atrativos, eliminar os monstros / humanoides / insetos não é atrativo.
Bizarramente, o completo contrário acontece quando o jogador recebe dano. Basta um toque de qualquer coisa que pode machucar para a tela chacoalhar como se eu estivesse em um terremoto. Desnorteador até dizer chega. Situação que é alavancada ainda mais durante as dungeons, que tendem a ter suas áreas pequenas demais para a quantidade de inimigos na tela e muito uso de tons neutros.
Esse uso de tons neutros são um dos poucos momentos que a incrível arte de Songbringer se sabota. Muitos combates viraram um apertar de botões desesperado por eu ser incapaz de encontrar o personagem na tela. Doze inimigos, um chacoalhar só e um personagem que não tem traços relevantes para essas áreas é a melhor receita para o desastre.
O efeito bola de neve é sentido quando se une a discrepância do combate, a estranha decisão de cores e pequenos probleminhas que arrastam Songbringer para baixo. As vezes meu ataque não conectava por algum motivo bizarro, não era possível descobrir por que demônios a bomba que coloquei do outro lado do mapa me feriu, qual o motivo de um ataque me acertar mesmo que eu não tenha visto nenhum projétil vindo em minha direção. O loop de gameplay fica distorcido, desconexo, como se as regras mudassem a nova área sem que fosse essa a real intenção.
Como um náufrago em meio a uma tempestade, tentava me agarrar no primeiro semblante de salvação. “Quem sabe o próximo chefão vai ter mecânicas mais interessantes”, “Talvez eu não encontrei um item que seja o verdadeiro diferencial”. Mentiras que repetia para não perder a esperança.
Vi os créditos rolarem na tela com uma imensa sensação de vazio. Ao mesmo tempo vi um belo mundo, mas não me senti interagindo com ele de maneira significativa. Os quebra-cabeças mais pareciam que se resolviam sozinhos, os chefões não me inspiravam a buscar mais conhecimento sobre o planeta e os inimigos começavam a soar fora de lugar; como um abajur cor de rosa em uma sala monocromática. Eu estava frustrado.
Ao invés de estabelecer um mundo que funciona em conjunto com as ações do jogador, Songbringer parece ter sido desenvolvido com duas partes separadas e depois unidas na reta final. Ele cumpre a sua função de ser tematicamente coeso e esteticamente belo, mas nunca consegue se ligar as mecânicas aplicadas na sua interação. Não é o mesmo senso de presença que senti em Tokyo 42, que interligou sua história com a narrativa criada pelo jogador, nem mesmo Zelda — alvo de homenagem pelo desenvolvedor — que desde seu início em 1986 reforça a noção de que é um mundo por si só não é capaz de carregar um jogo sozinho.
Com tantos pequenos tropeços, não sou capaz de recomendar Songbringer para alguém que busca algo similar a Zelda ou qualquer semblante de um jogo cuja a jogabilidade é o prato principal. Entretanto, fica na minha memória como um excelente exemplo de uso de geração prodecural, estruturação visual de um mundo alienígena para fins unicamente estéticos e interconectividade. Mas, infelizmente, apenas isso.
A análise foi feita com base na versão PC enviada pelo desenvolvedor.
Songbringer
Total - 6
6
Visualmente e estruturalmente impressionante, Songbringer não consegue ir além de um ótimo exemplo de geração procedural para mapas. Peca na jogabilidade e traz consigo um combate desinteressante que é incapaz de transmitir uma sensação de urgência ou de perigo.