Poderia começar falando que SOMA é um jogo de terror, ou é um jogo dos mesmos criadores de Amnesia: The Dark Descent. Poderia falar que você ficaria assustado como fiquei, que é um jogo de te deixar acordado à noite. Mas nada disso faria jus ao que ele é. Ele está a venda no Steam a partir de R$ 55,99.
Ele começa simples, talvez até um pouco clichê. O protagonista, Simon Jarrett, acorda na estação submarina PATHOS-II, que por motivos desconhecidos, tinha sido tomada por uma suposta inteligência artificial que assume uma forma orgânica. É no meio deste ambiente que se desenrola possivelmente umas das histórias mais humanas que vi ultimamente em jogos.
O que define ser humano? De que maneiras nós estabelecemos nossos objetivos de vida? Até que ponto vale lutar por algo, mesmo quando tudo parece estar perdido? A partir do momento que deixamos os nossos corpos, não de maneira espiritual, mas a nossa consciência, nosso imaginário – o que nos tornamos?
Jogado de uma perspectiva em primeira pessoa, SOMA trabalha com a ideia de que o que nos torna humanos não são um conjunto de sistemas, nem a sociedade que vivemos, ou a nossa cultura – mas o que nos torna humanos é a capacidade de amar, de deixar ser amado, de mostrar aos outros que também temos medo e acima de tudo esperança. É dentro dessa esperança que o protagonista busca motivação para suas ações.
Quando matamos alguém em um shooter, ele é apenas um boneco, mais nada. SOMA nos dá contexto, mostra que por trás de cada personagem morto havia uma história que de uma forma ou outra não terá continuidade. Ele é justamente isso, a luta pela sobrevivência, não por mostrar um ambiente hostil, mas por revelar como a influência desse ambiente transforma aqueles ali presentes.
Simon não se sentiu à vontade com algumas de suas ações e nós – a audiência – idem. Jogos de forma geral lidam com a ideia de que o jogador precisa se sentir poderoso ou de alguma maneira superior ao ambiente. SOMA retira essa bolha de proteção, não por meio de mecânicas que o faça receber mais dano dos inimigos ou quaisquer sistemas punitivos similares, mas apenas por questionar – questionar o motivo de PATHOS-II ter sucumbido – e buscar alternativas menos agressivas para problemas.
SOMA remove o sistema de inventário de Amnesia em favor de algo menos intrusivo, carregue apenas o que for necessário. Dois botões são usados para interagir com objetos: um para segurá-lo e outro para girá-lo. Certos objetos – como caixas ou ferramentas – podem ser arremessados.
Sua estética mistura um pouco do velho e do novo, com ambientes degradados do uso misturados com uma tecnologia de ponta. Não tão distante da nossa realidade, mas ainda assim provoca certa estranheza e desconforto.
O grosso da trama se desenvolve por meio de audiologs encontrados em corpos, computadores, cartas ou cadernos espalhados pelo cenário. Continua a não ser um método muito eficaz em boa parte dos jogos para prender a atenção do jogador. Afinal, informações importantes podem ser perdidas em meio a ruídos ou quando o aspecto da jogabilidade fala mais alto. Felizmente não é o caso de SOMA, onde pude, em boa parte do tempo, prestar atenção sem interrupções.
O terror não estava em me esconder dos monstros que vagavam pelos corredores mal iluminados, com escombros e protuberâncias de origem desconhecida que vazavam pelas paredes. A ideia de ouvir os últimos momentos de um dos membros da expedição, seja antes da morte ou a descida para a insanidade, era o que me deixava desconsertado. Alguns deslizes, em parte devido a atuação de certos personagens, tiram um pouco a imersão. Mas, nada que atrapalhe a experiência no geral.
O problema de SOMA não está na história, nem mesmo na ambientação, mas no quão “vídeo game” ele é, por mais bizarro que isso possa soar. Em certos momentos a imersão é prejudicada pela adição de monstros. Com o propósito de criar momentos de maior tensão, eles colocam a narrativa em segundo plano e prejudicam o ritmo.
Um desses momentos foi marcante, onde eu tentava ouvir um anúncio no rádio e mal consegui porque um monstro decidiu me perseguir pelo mapa. Considerando todo o esforço de criar um ambiente palpável, e de oferecer meios de interagir com ele de maneira significativa, adicionar mecânicas apenas para ter partes que o tornam um “jogo” não colabora com nada.
Prefiro lutar com o que é invisível, com o que não pode ser definido, quantificado ou qualificado. Quando se dá forma ao terror, ele perde sua força e torna-se algo menos interessante de se demonstrar ao jogador.
Eu creio que jogos podem ser mais do que um mero amontoado de sistemas que ofereçam contexto ou interatividade para o jogador. Que não necessitam ser “épicos”, oferecer tanto conteúdo que você perderá trinta, quarenta horas da sua vida para terminar.
Jogos não existem dentro de um espectro minúsculo onde apenas grandes produções, com orçamentos milionários e personagens estereotipados merecem fazer sucesso. Às vezes, apenas o medo de estar sozinho no mundo é o suficiente para que uma história emocionante aconteça.
SOMA me fez temer, não a estação PATHOS-II, não seus monstros, nem o fundo do mar. Era o medo de que um dia, sob um contexto diferente, eu me torne o Simon. Preso na minha própria estação, tendo que lidar com as minhas próprias escolhas e enfrentando os meus monstros; sozinho.
A análise foi feita com base em uma cópia enviada pela Frictional Games