Pela minha breve experiência em desenvolvimento de jogos, uma das tarefas mais árduas que já vi é a criação de sistemas reativos. Componentes que, ao serem influenciados pelo jogador, criam resultados inesperados. Quase como reger uma orquestra mas com alguém que te interrompe a cada cinco minutos. Por isso tenho um apreço pelo que a CI Games tenta com Sniper Ghost Warrior Contracts (Steam / PlayStation 4 / Xbox One) – pegar uma estrutura rígida e convertê-la para algo maleável.
Desse mesmo apreço, me lembro também a desenvolvedora já tinha tentado com ainda mais ambição em Sniper Ghost Warrior 3 (2017). Ele possuía um mundo aberto, missões com múltiplos jeitos de serem completadas e uma boa variedade de equipamento. Devido a problemas internos, um escopo com o qual a empresa não estava acostumada a trabalhar, o resultado foi raso e inacabado. Tanto que os fãs até hoje tentam reinstaurar mecânicas que foram cortadas (vide o Improvement Project no ModDB).
Jogar Contracts, portanto, foi tanto uma esperança que a desenvolvedora tivesse percebido onde ocorreram os problemas em Ghost Warrior 3 e também aceitar que o “spin-off” era um recorte – um aperitivo ao invés do prato principal. Bastou completar duas das cinco missões (e mapas) disponíveis para notar que a desenvolvedora aprendeu em todas as frentes, menos na parte de entender como criar sistemas reativos.
As missões, que envolvem a eliminação de algum “vilão” com nome genérico em um mapa mais genérico ainda, seguem uma visão muito próxima ao que a IO Interactive criou o soft rebot de Hitman (2016): dê ferramentas ao jogador e ele criará a sua própria narrativa.
O principal elemento que separa e dificulta as criações dessas narrativas dentro de Contracts é a sua raiz focada no “realismo” e elementos militares. O universo de Hitman permite que a IO Interactive pegue o mundano e crie algo letal. Um peixe ou um muffin são armas em potencial. Ações, como atacar alguém, podem ter o mesmo resultado (atordoar ou matar), mas esses itens criam um ar absurdo, até cômico. Ghost Warrior não dá espaço para isso. Você é um franco-atirador. Sua principal arma é o rifle e tudo fora desse espectro vira secundário.
Essa rigidez é amplificada pela inserção da tradicional “árvore de habilidades com três caminhos distintos”. As “melhorias” você já conhece; seja mais letal com um tipo de arma, diminua as chances do inimigo te ver em certas posições ou situações climáticas, ou aumente a capacidade de carregar munições. Parte delas estão bloqueadas por desafios encontrados dentro dos próprios mapas, o que a faz mais inútil e contra produtiva.
Mais uma vez, você é um franco-atirador e Contracts busca reforçar esse conceito sempre que possível. Dispare em um alvo sem a devida precaução e toda a região será alertada, use sua arma secundária e, caso ela não possua um silenciador, você será moído em instantes mesmo nas dificuldades mais baixas. Com tamanha punição a cada esquina, como então que se instiga a imaginação do jogador? Contracts não precisa diminuir a dificuldade para isso, ele necessita dar ainda mais espaço para você ter a sua própria voz.
Vide a primeira missão, ambientada na Sibéria. Nela eu sou encarregado de eliminar um ex-general – Dimitri Ivanovsky – e obter amostras da arma química que ele estava desenvolvendo. A maneira mais segura de completá-la é usar o rifle de uma distância razoável, esperar a base vasculhar a área e depois coletar as amostras. Só isso já torna “inútil” mais da metade do arsenal que Contracts oferece. Minas, armadilhas, detectores de movimento, granadas e tantos outros equipamentos.
Por volta da terceira missão eu nem mais lembrava que eu podia escolher o que levar para campo. Não importava, o rifle seria a minha principal ferramenta. Granadas atraem muitos guardas, minas pedem para que eu me aproxime demais deles e arrisco ser morto por uma saraivada de balas.
Sem perceber, eu me limitei pelas respostas que Contracts dava para mim. Escolhi as opções mais seguras, recostei-me nelas e esqueci que o resto existia. Para que lembrar? Seria arriscado demais.
De onde se tira criatividade disso? Ser criativo é estar em um estado desconfortável, sentir um frio na barriga, não saber se o que você planeja vai dar certo ou não e ainda assim seguir em frente. Se a sua primeira investida resultar em um ato punitivo, como acontece com Contracts, você entra na defensiva. Quase o equivalente de tomar uma bronca de alguém por algo inofensivo. Essa suíte de punições que a CI Games gosta de empurrar para cima do jogador é tamanha que chegou no ponto de eu preferir recomeçar a missão do zero do que alertar um guarda por descuido.
Quando eu comparo com Ghost Warriors 3, vejo que a CI Games de fato tentou inserir novas mecânicas para criar um certo dinamismo. Patrulhas e reforços são afetados pelo calibre da arma que você usa. Por exemplo, se você usar uma arma sem silenciador e de alta potência, guardas aparecerão com armamentos pesados e com coletes mais resistentes. Alarmes e câmeras podem ser desativados com equipamentos especiais. Mas para que arriscar se você pode ficar no conforto do rifle?
Existem outros jogos reativos na esfera dos shooters em primeira pessoa. Vide Far Cry 2 e S.T.A.L.K.E.R., dois dos melhores exemplos dos últimos 15 anos. Ambos possuem um contexto enraizado no uso de equipamentos “reais”, mas dão espaço para que o jogador consiga respirar e ter a sua própria história. Os postos avançados de Far Cry 2 podem ter sido motivos de frustração, mas neles – além das missões – é onde você mais tinha espaço para deixar a sua assinatura naquele universo.
O que falta para a CI Games é entender como essa assinatura pode ser deixada em um jogo tão focado em elementos “realistas”. Mas aponto que é possível, veja como a Rebellion conseguiu de pouco a pouco refinar o estilo de Sniper Elite até a sua quarta versão. Sniper Elite 4 consegue ter tanto mapas vastos como possibilidade de inserção da narrativa do jogador sem mitigar o uso de equipamentos primários ou descartar equipamentos secundários. Tudo bem que o período onde o jogo se passa (Segunda Guerra Mundial) ajuda bastante, mas até o elemento mais básico – o som de um helicóptero para abafar um disparo, o que é visto uma vez em um momento chave da história de Sniper Ghost Warrior: Contracts, já teria sido um grande diferencial.
Entre olhar para Ghost Warrior 3 e notar que pouco do que foi aprendido com a produção dele transpareceu na criação de Contracts, fica difícil imaginar qual o caminho que a CI Games quer trilhar com a franquia. No final das 30 e tantas horas gastas entre ambos os games, a única sensação presente é que eu repeti as mesmas ações; olhei através da lente de um rifle e apertei um botão no mouse.
É confortável, mas não é isso que eu busco. Dê-me o desconforto que a criatividade requer, desafios que me façam repensar planos em questão de segundos. Deixe que o processo de aprendizado venha naturalmente e não oriundo de punição. Larga um pouco essa dose de “realismo” que não faz bem a ninguém. Quem sabe nesses passos, o próximo Ghost Warrior – caso venha a existir – crie algo mais memorável.
Sniper Ghost Warrior: Contracts
Total - 5
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O conhecimento obtido com o desenvolvimento de Sniper Ghost Warrior 3 tem pouco impacto em Sniper Ghost Warrior: Contracts. Os mapas vastos não dão espaço para expressão ou criatividade, os sistemas que os suportam são punitivos e restritivos em prol do “realismo”. A CI Games precisa ir além disso o quanto antes para que a franquia tenha um futuro.