Quando vieram para mim com a notícia de que todos os jogos do mundo, Sniper Elite V2 receberia uma remasterização, Sniper Elite V2 Remastered (Steam, Xbox One, PlayStation 4), eu imediatamente franzi a testa. “Sério? Ele? Aquele jogo? Que escolha peculiar! O catálogo da Rebellion é tão extenso, por que esse jogo?”
Para compreender a minha confusão, é preciso primeiro entender o que é exatamente Sniper Elite V2. O primeiro jogo, lançado em 2005, foi uma bizarra tentativa da Rebellion de fazer um jogo sobre snipers durante a batalha de Berlin, mas que não deu muito certo devido às limitações técnicas da época. Sete anos depois, em 2012, ela tentou de novo, com uma premissa ligeiramente modificada e um pouco mais de experiência na área. Ou seja, Sniper Elite V2 por si só já é uma remasterização em termos. Portanto, Sniper Elite V2 Remastered é uma remasterização de uma remasterização. Deu um nó na sua cabeça? Fique tranquilo, isso é só o começo.
Chega a ser estranho virar e falar que Sniper Elite V2 Remastered é de fato uma remasterização, a não ser que você o jogue no PlayStation 4 ou Xbox One, em uma TV com suporte a resolução 4K, e nunca tenha olhado sequer uma imagem do jogo na sua vida. Visualmente ele é praticamente idêntico; talvez algumas sombras a mais aqui, uma melhoria na iluminação acolá. “Recauchutada básica” é o termo que eu prefiro dar para ele. O que me deixa com a pulga atrás da orelha sobre essa remasterização não é o conceito visual – afinal, não me importo com isso, e os visuais originais são mais que suficientes pra mim – mas sim o zero esforço por parte da Rebellion em refinar as partes mais fracas de Sniper Elite V2.
Mais uma vez preciso colocar em contexto a produção do game original. A “geração” (termo que não sou muito fã de usar) anterior foi marcada por duas grandes frentes nos shooters: a primeira, vinda de Gears of War, e a segunda, de Call of Duty: Modern Warfare. Parecia que todos os jogos precisavam ser tanto “cover shooters” como ter sequências explosivas e emocionantes. O que a Rebellion tentou fazer com V2 – e isso fica ainda mais aparente atualmente em Sniper Elite V2 Remastered – é ir além de agradar os dois públicos para adicionar um elemento de furtividade no meio. Afinal, você é um franco-atirador; a ideia é navegar por Berlin sem ser visto.
Nada, absolutamente nada mantém esse conceito em pé. Quando os mapas não são estreitos demais, eles não te dão oportunidade para utilizar a vasta gama de ferramentas ao seu dispor (minas, pedras, minas antitanque e afins). O máximo de chance de ser furtivo era usar uma ou outra pedra para despistar um soldado e passar despercebido. Assim que alguém me notava, o que me salvava era o meu rifle ou a minha Thompson.
Quando eu levo em conta o que a Rebellion fez com ambos os Battlezones (melhorias além do visual, correções na IA, suporte a mods e afins), olhar para Sniper Elite V2 Remastered me deixa ainda mais decepcionado. Nesses últimos anos a desenvolvedora aumentou muito a sua experiência na área de games; são quatro Sniper Elite – sem contar os spin-offs da Zombie Army Trilogy – e agora V2 Remastered. Nada dessa experiência aparenta ter sido levada em conta, e nota-se a falta de um olhar mais cuidadoso na hora de revisitar o Sniper Elite V2.
Dois elementos que fazem Sniper Elite 4 ser o melhor da franquia são a maior variedade de eventos que abafam o som dos disparos (uma explosão, o passar de um avião), e a presença de moitas para se esconder. Muitas missões de Sniper Elite V2 dão oportunidades para implementar tais mecânicas. Entendo que a implementação em si pode não ser tão simples, mas a possibilidade está lá. Complicado é ver que, na terceira fase, o alto falante que é ativado a cada 30s mais ou menos não abafa os disparos — coisa que ocorria no original —, e a IA ainda consegue me ver com olhos de lince.
Nessa mesma terceira fase – possivelmente a maior em termos de área, excetuando as missões DLC – eu decidi testar ao máximo até onde ia a capacidade da IA de me enxergar. Agachei-me, rastejei até próximo de um arbusto e imediatamente fui visto por um soldado alemão. Ele estava de costas fumando um cigarro. Alguém por favor me avise qual é essa capacidade mágica que a Alemanha Nazista tinha na época, e como não venceram a guerra com ela – pois não é possível.
Por mais que o meu tempo com Sniper Elite V2 Remastered tenha sido preenchido com “aaah” e “oooh” de decepção, valeu a pena para lembrar o quão forte a “geração” anterior foi, mesmo carente de ideias inovadoras e moderadamente estagnada em seu design. Ainda mais considerando como jogos independentes só sairiam de seu estado de mais puro nicho pós 2008, e como como muitas das minhas reclamações com V2 Remastered foram moderadamente corrigidas. Vide o uso de mato alto que citei previamente, prevalecente em Sniper Elite 4, de 2017. Pode não ser o melhor método para um jogo onde furtividade deve ser o ponto forte, mas é melhor do que nada.
E, ironicamente, eu gastei mais tempo com Sniper Elite V2 Remastered do que com o próprio game original; dois modos de jogo – coop e modo horda – continuam o sendo a salvação do jogo. Ironicamente, os dois modos que eu mais tendo a abominar de maneira geral.
Quando eu me irritava com a estupidez da IA na campanha eu ia para o modo Kill Tally, onde você deve eliminar hordas de soldados nazistas com as mais diferentes artimanhas, ou, se preferir, simplesmente descarregar seu rifle neles. Tudo, obviamente, regado a bastante violência gratuita com o modo X-Ray demonstrando precisamente o ponto de entrada e saída da bala, a perfuração dos ossos e dos órgãos. Era como um Dynasty Warriors na segunda guerra; ele joga pela janela o conceito de furtividade em troca do tiroteio incessante. É a mesma noção que eu sinto ao jogar o modo coop; nem eu nem meu companheiro de equipe estávamos dispostos a lidar com as ferramentas que não funcionam – mais fácil matar tudo de uma vez. Disparo para lá, disparo para cá, câmera lenta a rodo, corpos voando, violência atrás de violência. Rimos do exagero, completamos as missões, e seguimos com a nossa vida. Nada ficou na memória; foi o equivalente a assistir algum filme “pipoca” com uma história terrível, mas que você não consegue largar só porque quer ver até onde a trama absurda vai.
Por volta de 2018, lá quando Doom Eternal foi anunciado, eu conversava com um amigo sobre o sistema de “glory kills” do game, e como a iD Software refinou maravilhosamente as mecânicas de Warhammer 40K: Space Marine — um jogo em que nós gastamos incontáveis, quase inadmissíveis horas no multiplayer. Para quem não jogou, ambos os jogos usam um sistema onde execuções especiais recuperam pontos de vida. A diferença primordial é que Doom (2016) soube equilibrar a quantidade de inimigos, balancear risco e recompensa para que ele fosse efetivo. Já em Space Marine, como muitos outros elementos, o sistema deixava de funcionar a partir da metade do jogo. Fosse por motivos de poucos inimigos na tela, ou inimigos que usavam armas a distância e não te permitiam sair do lugar — prontamente quebrando o que deveria ser um jogo sobre tomar riscos — a lista vai longe. Mas isso nunca nos impediu de rirmos absurdamente, tanto da ambientação de Warhammer, quando da maneira como muitas armas ficavam desbalanceadas no multiplayer. “É um jogo perfeitamente mediano”, ele me respondeu.
Hoje, uso das suas palavras para descrever Sniper Elite V2 Remastered. É o jogo perfeitamente mediano. Nada exatamente do que ele faz é memorável; o seu design carece de coerência e atenção. Ele vira, portanto, um objeto de estudo maravilhoso (além de uma porta de entrada para uma época de design pré-Games as a Service e onde muitas desenvolvedoras ainda caçavam o mercado de Call of Duty) que demonstra como ter múltiplos elementos não equivale a esses elementos terem alguma utilidade. Também serve como uma ótima distração para quem só quer atirar, ver sangue voando por aí – e mais nada. Talvez seja esse o fato que alavanque ainda mais a falta de melhorias de Sniper Elite V2 Remastered. Uma remasterização mediana para um jogo perfeitamente mediano.
Sniper Elite V2 Remastered
Total - 7
7
Sniper Elite V2 Remastered, tal como o jogo original, é uma junção de ideias que raramente faz sentido. Mapas que não foram feitos para você ser um sniper, mecânicas que não servem para te ajudar a ser furtivo, uma IA que tem uma capacidade supernatural de te enxergar mesmo no ponto mais escuro do mapa. Tudo isso aliado a uma meia dúzia de melhorias visuais que você raramente vai notar. É a remasterização mediana para o perfeito jogo mediano.